O Ministério da Saúde publicou recentemente o primeiro Censo de Radioterapia no Brasil. O objetivo da pesquisa foi avaliar a capacidade técnico terapêutica dos equipamentos instalados e a infraestrutura das salas de tratamento. O radio-oncologista Robson Ferrigno (foto), ex-presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e coordenador dos serviços de radio-oncologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, comenta os resultados do trabalho e discute possíveis soluções para os problemas encontrados. Confira.
Por Robson Ferrigno
Realizado por telefone em março de 2018 por técnicos do Ministério da Saúde, o I Censo de Radioterapia no Brasil contou com a aderência de 97% dos serviços de radioterapia do país. O objetivo da pesquisa foi avaliar a capacidade técnico terapêutica dos equipamentos instalados e a infraestrutura das salas de tratamento.
Foram identificados 249 serviços de radioterapia; desses, 162 com atendimento a pacientes do Sistema único de Saúde (SUS). Com relação aos equipamentos, a pesquisa demonstra que existem no país 363 aceleradores lineares, 20 equipamentos de telecobalto (máquina antiga e sem precisão), 27 máquinas de ortovoltagem (usadas apenas para lesões de pele) e duas unidades de gamaknife (equipamento que realiza apenas radiocirurgia cerebral). Entre os 363 aceleradores, 122 (34%) estão obsoletos, ou seja, sem assistência técnica pelo fabricante; sendo que 95 desses equipamentos são de serviços que atendem SUS. Até 2022 mais 40 aceleradores se tornarão obsoletos, elevando para 45% a proporção de aceleradores obsoletos se as máquinas não forem substituídas. Entre os serviços que atendem pacientes do SUS, essa proporção será de 51%.
Em relação às salas dos equipamentos, o censo identificou 90 casamatas vazias com capacidade de receber equipamentos de teleterapia, 59 delas em hospitais para atendimento de pacientes do SUS.
Este é o primeiro e bem-vindo levantamento do parque de radioterapia nacional realizado pelo Ministério da Saúde. Bastante oportuno, o estudo nos traz a informação de que a radioterapia está com o aparato tecnológico bastante sucateado. Faltam máquinas para atender os pacientes no âmbito do SUS e falta qualidade na maior parte dos equipamentos instalados.
Desde o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), publicado em 2011, não tínhamos informações sobre a dimensão da oferta de radioterapia no país. Na época, o TCU havia apontado que faltavam equipamentos de radioterapia para atendimento de pacientes com câncer, principalmente pelo SUS. Constatou-se, nessa auditoria, que a realização da radioterapia em todo Brasil pelo SUS cobria apenas 65,9% da demanda e que eram necessários, aproximadamente, mais 130 equipamentos para a solução do problema.
Por conta desse relatório, em 2013 foi elaborado pelo Ministério da Saúde o Programa de Expansão em Radioterapia para a criação de 41 novos serviços de radioterapia em hospitais com oncologia e ampliação tecnológica de 39 já existentes, totalizando a aquisição de 80 novas máquinas. Passados seis anos, apenas 18 aceleradores desse programa foram instalados, deixando o problema ainda sem solução.
O principal motivo do sucateamento da radioterapia no Brasil reside no baixo valor de remuneração dos procedimentos em radioterapia pelo SUS. Isso torna a viabilidade econômica dos serviços frágil e impede a renovação dos equipamentos.
Em um hospital filantrópico na cidade de São Paulo, por exemplo, uma das máquinas de radioterapia atendia 60 pacientes do SUS por dia (capacidade máxima para 13 horas e meia de atendimento) e faturava por mês em torno de 350 mil reais. Quando uma das peças quebrou (tubo do acelerador), com apenas quatro anos de uso do equipamento, o custo de aquisição da peça pelo fabricante foi de 700 mil reais. Como a remuneração pelo SUS pode ser viável se, apenas para trocar uma peça, é utilizado o equivalente a dois meses de faturamento bruto?
Vale lembrar que a radioterapia é necessária para o tratamento de 60% dos pacientes com câncer para garantir a curabilidade ou alívio de um determinado sintoma. Além disso, vários tipos de câncer são curados exclusivamente com radioterapia (câncer de laringe inicial, de pulmão inicial, de colo uterino, de pele, linfomas, entre outros). Portanto, um atendimento rápido e com qualidade assegura com mais probabilidade que esses pacientes sejam curados e, não menos importante, tenham menos complicações do tratamento.
Mas quais seriam as soluções para esses problemas? Não tenho a menor dúvida que as melhores medidas, inclusive mais rápidas e resolutivas, seria o governo remunerar os procedimentos de radioterapia com valores viáveis, incorporar novas tecnologias que melhoram os resultados do tratamento e credenciar serviços privados ou filantrópicos desde que ofereçam equipamentos de qualidade técnica aceitável.
Essas medidas seriam muito mais efetivas do que tentar adquirir equipamentos. Não adianta adquirir equipamentos novos se o valor de remuneração pelos procedimentos realizados é inviável, fazendo com que esses serviços não sejam autossustentáveis a longo prazo.
Enquanto o governo federal não perceber a importância do contingenciamento de verba para uma tabela de remuneração adequada pelos tratamentos de radioterapia pelo SUS, o parque tecnológico continuará sucateado, muitos pacientes serão tratados com equipamentos obsoletos e qualidade técnica inadequada e, muitos outros, morrerão numa fila de espera perversa e desumana.
Referência: www.saude.gov.br/images/pdf/2019/julho/.../paper-radioterapia-ALT3.pdf