Onconews convidou alguns especialistas para um Consenso de Experts sobre o uso da quimioterapia em um cenário mais precoce do câncer de próstata avançado. Igor Morbeck (foto), do Grupo Brasileiro de Tumores Urológicos, e o grupo de uro-oncologia do Hospital de Câncer de Barretos comentam o tema com exclusividade.
Análise – Igor Morbeck
Em 2014, tivemos a apresentação de um dado impactante no tratamento do câncer de próstata metastático, com a divulgação dos dados do estudo CHAARTED na ASCO 2014.
A diferença na sobrevida mediana favorecendo os pacientes no braço de tratamento combinado com ADT (terapia de deprivação androgênica) associada ao docetaxel, chamou a atenção. A diferença de 17 meses na sobrevida em favor da quimioterapia foi algo sem precedentes no tratamento do câncer de próstata metastático. Porém, no mesmo ano, os dados do estudo GETUG-AFU 15 vieram na contra-mão. Com um desenho semelhante, mas iniciado em uma época mais precoce (os primeiros resultados foram analisados em 2011), o estudo francês não mostrou diferença de sobrevida global a favor da quimioterapia precoce. É importante lembrar que, nesta época, drogas que aumentaram a sobrevida global, tais como enzalutamida e abiraterona, não estavam disponíveis. Além disto, o estudo GETUG teve uma população de pacientes de alto risco menor que o CHAARTED (52 vs 65%, respectivamente).
Em 2015, o estudo STAMPEDE veio para promover um desempate sobre a controvérsia gerada nos dois primeiros estudos. Este é um estudo robusto com mais de 6000 pacientes envolvidos e com muitos braços diferentes de tratamento. Em resumo, o STAMPEDE vai ao encontro do estudo CHAARTED, mostrando preliminarmente um benefício na ordem de 10 meses também favorecendo a combinação precoce de quimioterapia e ADT na doença metastática de alto risco.
Um outro dado provocador foi recentemente publicado no Lancet Oncology em 2015. O grupo francês de estudos urológicos mostrou os dados do GETUG-12. Uma coorte de 413 pacientes com câncer de próstata localizado, mas com pelo menos uma característica de alto risco, foram randomizados após prostatectomia radical para ADT exclusiva por 3 anos ou ADT associada ao docetaxel e estramustina por 04 ciclos. O objetivo primário deste estudo foi a sobrevida livre de recidiva. Em um seguimento mediano de 08 anos, 62% dos pacientes do braço de quimioterapia estavam em remissão da doença, contra 50% do braço de ADT exclusiva (HR 0·71, 95% CI 0·54–0·94, p=0·017). Certamente um maior tempo de seguimento será necessário para avaliar se estes dados se traduzem em um ganho significativo de sobrevida global.
Importante ressaltar que estes resultados não devem ser extrapolados para todos os pacientes. Idosos, pacientes frágeis, com comorbidades e com baixo volume de doença, a associação da quimioterapia pode não impactar tão favoravelmente na sobrevida global e pode ser inclusive deletéria na qualidade de vida.
Autor: Igor Alexandre Protzner Morbeck é Professor de Medicina Interna da Universidade Católica de Brasília, Oncologista Clínico do Hospital Sírio-Libanês - Unidade Brasília e Membro do Grupo Brasileiro de Tumores Urológicos.
Análise - Equipe de uro-oncologia do Hospital de Câncer de Barretos
É bem estabelecido que a manipulação hormonal é o tratamento padrão para pacientes com câncer de próstata metastático desde a década de 40. Em janeiro de 2013, foi publicado na Lancet Oncology o estudo francês GETUG-15, cujo papel principal foi avaliar o emprego da quimioterapia precoce no cenário de pacientes metastáticos, com doença sensível à castração, no que diz respeito principalmente à avaliação da Sobrevida Global (SG), sendo que os resultados apresentados, mesmo em seguimento de longo prazo, não mostraram benefício estatístico para tal objetivo.
Mais recentemente, em agosto desse ano, foi publicado no NEJM o estudo CHAARTED - ECOG 3805, previamente apresentado em sessão plenária da ASCO 2014 pelo Dr. Christopher Sweeney, do Instituto de Câncer Dana-Farber – Harvard, que revelou resultados surpreendentemente contrários ao do estudo europeu.
Para tal, foram randomizados 790 pacientes e alocados de maneira aleatória para receberem castração hormonal associada ou não à quimioterapia com Docetaxel 75 mg/m2 a cada 21 dias por 6 ciclos, sem prednisona. Nesse contexto, houve um adequado balanceamento de pacientes considerados de alto volume de doença, ou seja, aqueles com acometimento visceral ou mais de 4 lesões ósseas, sendo pelo menos uma delas não acometendo a coluna vertebral ou a pelve, que correspondiam a cerca de 2/3 dos alocados.
Dentre os critérios de inclusão, os pacientes poderiam estar castrados no máximo há 120 dias e/ou terem recebido até 2 anos de deprivação androgênica dentro do protocolo de tratamento local, sem terem tido evidência de recidiva após 1 ano do término da adjuvância hormonal. Além disso, os participantes deveriam estar clinicamente aptos para receberem quimioterapia (97% em ECOG 0 - 1).
Como resultado principal, o braço da terapia combinada teve um ganho em SG sobre a hormonioterapia isolada de 13,6 meses (57,6 x 44 meses, HR: 0,61; IC de 95%: 0,47 – 0,80; p = 0,0003), sendo esta diferença mais substanciosa (17 meses) naqueles pacientes com alto volume de doença (49,2 X 32,2 meses, HR: 0,60; IC de 95%: 0,45 – 0,81; p = 0,0006).
Já nos pacientes com baixo volume de doença, houve redução do risco relativo de morte em 37% (p = 0,13), mas que do ponto de vista estatístico, é necessário um tempo maior de seguimento para avaliação de ganho em sobrevida, visto que o número de eventos até então não foi relevante.
Ficou evidente, portanto, que o uso da quimioterapia num cenário mais precoce melhorou o controle da doença tanto do ponto de vista clínico, quanto radiológico e laboratorial, porém teve como ônus maiores taxas de neutropenia febril (6%), neurotoxicidade e fadiga, atribuídas ao taxano.
É extremamente infrequente ensaios clínicos que mostram um ganho em sobrevida global mediana superior a 1 ano. Julga-se, no entanto, que esses resultados são atribuídos à vantagem de se tratar precocemente os potenciais clones de resistência.
Corroborando com o CHAARTED, foi apresentado na ASCO desse ano o maior ensaio de fase 3 denominado STAMPEDE, envolvendo 2962 pacientes, que também avalia o papel do emprego de quimioterapia num cenário mais precoce. Evidenciou-se que nos pacientes com doença de alto risco localmente avançada (40%) houve um ganho médio em SG de 10 meses (77 X 67), sendo ainda mais pronunciado (22 meses) para os casos metastáticos (60%), além do aumento verificado no tempo de recaída da doença para ambos os grupos.
Sendo assim, baseado nesses estudos, cujos resultados positivos quebraram um tradicional paradigma oncológico, no Hospital de Câncer de Barretos, nossa equipe de Uro-oncologia indica de maneira frequente quimioterapia precoce para pacientes com neoplasia de próstata metastática de grande volume, porém, julgamos que o principal é individualizar cada paciente, com muito senso crítico e bom senso, sendo a decisão terapêutica compartilhada com o doente e seus familiares.
Autores: Flávio Mavignier Cárcano, João Neif Antonio Júnior, Luis Eduardo Rosa Zucca e Ricardo Zylberberg são membros da equipe de uro-oncologia do Hospital de Câncer de Barretos – Fundação Pio XII.
Referências
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