A relação existente entre câncer e células-tronco foi explorada em estudo liderado por brasileiros e publicado na revista Cell em abril. Os pesquisadores utilizaram dados moleculares de células-tronco pluripotentes humanas e compararam com dados de amostras tumorais com o objetivo de prever a agressividade do tumor e/ou o desfecho clínico. A primeira autora do artigo, Tathiane Malta (foto), pós-doutoranda do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), comenta os principais achados.
Por Tathiane Malta
Os tumores muitas vezes reativam mecanismos moleculares presentes em células-tronco e que não fazem parte do funcionamento das células somáticas. Especificamente, mecanismos envolvidos nos processos de proliferação celular e na perda da capacidade funcional tornam as células tumorais indiferenciadas em relação a sua célula de origem. Essas propriedades estão associadas com a agressividade dos tumores e com resistência à terapia.
Com essas informações em vista, os pesquisadores desenvolveram um método para mensurar assinaturas moleculares de células-tronco nos tumores. Foram combinados três componentes importantes:
1 - uma grande quantidade de dados moleculares: 100 amostras de células-tronco pluripotentes e cerca de 12 mil amostras tumorais compreendendo 33 tipos diferentes de tumores. Foram utilizados dados dados de expressão gênica, mutação, metilação de DNA, e informações clínicas disponíveis nos bancos de dados públicos Progenitor Cell Biology Consortium (PCBC) e The Cancer Genome Atlas (TCGA).
2 - métodos computacionais sofisticados, com algoritmos para criar um modelo de padrões moleculares presentes nas amostras de células-tronco. Posteriormente, este modelo foi utilizado para predizer ou inferir as semelhanças dessas assinaturas nas amostras tumorais. Esse método gerou o chamado stemness index (do inglês, índice de semelhança com célula-tronco). Para cada amostra de tumor foi gerado um índice que variava de 0 a 1. Amostras com índice mais próximos de 1 apresentavam maior semelhança com células-tronco e eram mais agressivos do que os tumores com índice próximo de 0;
3 - habilidade para manipular, analisar e interpretar dados biológicos em larga escala resultantes de sequenciamento de ácidos nucleicos e microarrays.
Os resultados revelaram amostras com alto stemness index correspondendo a subtipos de tumores mais agressivos em tumores de mama, gliomas, fígado, entre outros. Em alguns casos, amostras de metástases revelaram alto stemness index comparados com tumores primários, como nos tumores de bexiga, pâncreas e próstata. Ao comparar amostras pareadas de gliomas primários e gliomas recorrentes, foram identificados um grupo de pacientes com alto stemness index na recorrência e que tiveram menor sobrevida, comparados com pacientes com baixo stemness index, o que demonstra que o índice pode indicar a progressão oncogênica no caso dos gliomas.
A utilização de informações moleculares para auxiliar o diagnóstico de tumores é um grande avanço. Marcadores moleculares já são realidade para muitos tipos de câncer e auxiliam no diagnóstico e, consequentemente, na escolha do tratamento adequado. A detecção da mutação no gene IDH1 em gliomas ou BRCA1 no câncer de mama são exemplos importantes. Além de mutações, alterações no número de cópias de regiões cromossômicas, expressão desregulada de genes e alterações nos padrões de metilação de DNA são outros tipos de informações moleculares que podem ser úteis na determinação do diagnóstico, prognóstico e avaliação do tratamento nos pacientes com câncer.
Um exemplo da utilização de dados moleculares em estudos com câncer pode ser visto em um outro trabalho recente em que foi definido um painel de biomarcadores preditivos para a progressão de gliomas, utilizando metilação de DNA. Em gliomas em que a mutação no gene IDH1 está presente, na maioria dos casos os níveis de metilação de DNA das células tumorais se mantém o mesmo, o que sugere um prognóstico favorável.
Entretanto, em 10% dos pacientes que apresentam recidiva tumoral, as células cancerosas adquirem um fenótipo mais agressivo, reduzindo o tempo de sobrevida global do paciente. Nesses pacientes, foi observada uma diminuição nos níveis de metilação do DNA em certas regiões genômicas. Esses pacientes também tiveram um alto stemness index. A definição de um painel de biomarcadores que pode indicar, já no momento do diagnóstico primário, se o paciente está entre esses 10% que tendem a progredir, e essa informação pode orientar a adoção de uma intervenção mais agressiva, com o objetivo de evitar a progressão do tumor.
A adoção de métodos moleculares para o diagnóstico e acompanhamento de pacientes com câncer promete refinar a classificação dos mesmos. Nessa linha, o stemness index deve ser útil não apenas para entender a biologia do tumor, mas principalmente para identificar amostras de tumores com comportamento mais agressivo e, assim, preparar o caminho para novos diagnósticos e terapias para pacientes com câncer.
O trabalho foi liderado por Tathiane M Malta, Artem Sokolov, Houtan Noushmehr e Maciej Wiznerowicz; e realizado em colaboração com grupos internacionais como o Hospital Henry Ford em Detroit, EUA; Universidade de Harvard, EUA; e Universidade de Poznan, Polônia. Os projetos foram financiados pela FAPESP.
Referências:
1 - Malta TM*, Sokolov A*, Gentles AJ, Burzykowski T, et al. The Cancer Genome Atlas Research Network, Stuart J, Hoadley K, Laird PW, Noushmehr H**, and Wiznerowicz M**, Machine Learning Identifies Stemness Features Associated with Oncogenic Dedifferentiation. Cell. 2018 Apr 5;173(2):338-354.e15. doi:10.1016/j.cell.2018.03.034.
2 - de Souza, CF, Sabedot, TS, Malta, TM, Stetson, L, Morozova, O, Sokolov, A, Laird, PW, Wiznerowicz, M, Iavarone, A, Snyder, J, et al. Noushmehr H. Distinct epigenetic shift in a subset of Glioma CpG island methylator phenotype (G-CIMP) during tumor recurrence. Cell Reports. 2018 Apr 10;23(2):637-651. doi: 10.1016/j.celrep.2018.03.107.