O sistema ficou conhecido como CRISPR-Cas9 e foi graças a ele que estudo liderado pelo Instituto de Pesquisa em Câncer da Inglaterra deu um passo fundamental para compreender a resistência a inibidores de PARP. Os achados foram publicados na Nature Communications e têm implicações importantes para a prática clínica. André Murad e José Claudio Casalli*, Coordenadores do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP) comentam para o Onconews.
As enzimas PARP - poli (ADP-ribose) polimerase - estão envolvidas em uma via para reparar o DNA danificado dentro das células. Os genes BRCA (BRCA1 e BRCA2), que são genes de recombinação homóloga, também estão normalmente envolvidos no reparo do DNA, mas atuam em uma via diferente. No entanto, mutações nesses genes podem bloquear essa via.
Os medicamentos inibidores de PARP (PARPi) bloqueiam a via PARP e tornam difícil às células tumorais com um gene BRCA mutado reparar o DNA danificado, evento este que conduz essas células à apoptose, o que é denominado "letalidade sintética".
O sistema CRISPR (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas, consiste em pequenas porções do DNA bacteriano compostas por repetições de nucleotídeos. Cada uma dessas repetições encontra-se adjacente a um "protoespaçador" ("espaçador de DNA"), que corresponde a uma região não-codificante inserida no DNA bacteriano após o contato com genomas invasores provenientes de bacteriófagos ou plasmídeos.
A transcrição do locus CRISPR resulta em pequenos fragmentos de RNA com capacidade de desempenhar o reconhecimento de um DNA exógeno específico e atuar como um guia, de modo a orientar a nuclease Cas, que irá promover a clivagem e consequente eliminação do DNA invasor. Este sistema pode ser utilizado não só para a "edição” do DNA, mas também como poderosa ferramenta de triagem mutagênica genômica.
Neste estudo, as triagens de mutagênese CRISPR-Cas9 de "genoma amplo e de alta densidade" identificaram mutações de um único aminoácido na PARP1 que causam profunda resistência a PARPi. Estas incluíram mutações da PARP1 fora das regiões de interação do DNA da proteína, tais como mutações em regiões expostas ao solvente do domínio catalítico e aglomerados de mutações em torno de pontos de contato entre os domínios ZnF, WGR e HD. Essas mutações alteraram o aprisionamento de PARP1, assim como uma mutação encontrada em um caso clínico de resistência a PARPi. Esses estudos genéticos reforçam a importância da PARP1 aprisionada como uma lesão chave no DNA citotóxico e sugerem que as interações entre os domínios que não são ligados ao DNA da PARP1 influenciam a citotoxicidade. Finalmente, diferentes mecanismos de resistência à PARPi (reversão de BRCA1, mutação PARP1, 53BP1, REV7) tiveram efeitos diferentes sobre a sensibilidade à quimioterapia, sugerindo que o mecanismo subjacente da resistência à PARPi provavelmente influencia o sucesso das terapias subsequentes.
A abordagem pioneira da tecnologia "tag-mutate-enrich" utilizada nesse estudo, onde a marcação de genes com sequências codificadoras de GFP C-terminal (ou outros genes selecionáveis) seguida pela mutagênese direcionada desses genes via mutagênese mediada por CRISPR-Cas9, permite que mutantes completos de qualquer gene de interesse associado a um fenótipo selecionável possa ser identificado. Esta técnica poderia ser também empregada na análise de outras mutações de resistência observadas em pacientes tratados com terapias direcionadas, a fim de se identificar prováveis vias moleculares de resistência a drogas antineoplásicas e alvo-moleculares.
André Marcio Murad MD, PhD e José Cláudio Casali Rocha MD, PhD.
*Diretores Científicos da Personal Diagnóstica, Laboratório de Genética de Precisão de Belo Horizonte e membros da ABMPP - Associação Brasileira de Medicina Personalizada e de Precisão e Coordenadores do GBOP- Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão.
Referência: Genome-wide and high-density CRISPR-Cas9 screens identify point mutations in PARP1 causing PARP inhibitor resistance. Pettitt SJ et al. Nature Communications volume 9, Article number: 1849 (2018)