Onconews - O custo global do câncer e estratégias de controle

GILBERTO_ON__NET_OK.jpgHá paradoxos de sobra no cenário global do câncer. Enquanto nos Estados Unidos, Japão e Reino Unido o custo do tratamento varia de 183 a 460 dólares por paciente, na América do Sul, India e China o custo fica entre 0,54 e 7,92 dólares por paciente. Significa que regiões desenvolvidas chegam a investir de cinco a 10 vezes mais na assistência oncológica.

{jathumbnail off}Para reduzir as desigualdades e barreiras no enfrentamento do câncer, fica evidente a necessidade de investir em ações globais de prevenção, principalmente em países pobres e em desenvolvimento. Em 2010, calcula-se que o custo global do câncer tenha alcançado US$ 1,16 trilhão, volume que considera não só o valor empregado na prevenção e tratamento da doença, mas também o custo humano, de vidas perdidas para o câncer. Quando se considera o impacto de longo prazo nas famílias, o custo anual do câncer chega globalmente a US$ 2,5 trilhão.

A implementação de ações de prevenção, políticas de detecção precoce e estratégias de tratamento poderia salvar de 2,4 milhões a 3,7 milhões de vidas anualmente, a maior parte em países pobres e em desenvolvimento. Em termos econômicos, isso representa um benefício econômico superior a US$ 400 bilhões. Estima-se que investimentos da ordem de   US$ 11,4 milhões em medidas de prevenção nas regiões em desenvolvimento representam uma economia futura de até US$ 100 bilhões em despesas com o câncer.

Entre as políticas com maior potencial de benefício clínico e econômico estão aquelas voltadas ao controle do tabaco, da obesidade, as vacinas e os programas de detecção precoce, além de políticas de cuidados paliativos e da implantação de sistemas de informação em saúde, com a criação de registros de câncer. 

Tabaco 

O custo global do câncer relacionado com o tabaco é superior a US$ 200 bilhões por ano. Nos países pobres e em desenvolvimento, com investimento de aproximadamente 0,11 dólares per capita seria possível adotar medidas ativas de controle, como campanhas educativas e tributação diferenciada sobre derivados do tabaco, além da proibição do fumo em lugares públicos, iniciativa já adotada no Brasil, assim como restrições à publicidade, promoção e patrocínio de produtos ligados ao tabaco.

Dados da Organização Mundial de Saúde estimam que o aumento de 50% nos impostos sobre o tabaco pode reduzir o número de fumantes em 49 milhões nos próximos três anos e salvar 11 milhões de vidas. O aumento global da tributação dos derivados do tabaco representaria uma receita extra de US$ 101 milhões. 

Obesidade 

Em outra frente, programas de combate à obesidade, com estímulo à dieta e estilo de vida saudáveis, contribuem para evitar aproximadamente 20% dos casos de câncer em todo o mundo. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a implementação de estratégias para melhorar a dieta, incentivar a atividade física e enfrentar a obesidade na Europa levaria a ganhos de mais de 3 milhões de vidas livres de câncer em 10 anos, com potencial de aumentar seu benefício para 11,8 milhões de vidas  em uma década.

Nos Estados Unidos, recente relatório da consultoria McKinsey mostra que uma série de intervenções para coibir o excesso de peso e a obesidade custam bem menos que o benefício econômico que são capazes de promover, sem falar do incontável impacto social. 

Vacinas 

As vacinas para prevenir hepatite B (HBV) e o papilomavírus humano (HPV) são essenciais na prevenção dos tumores do fígado e dos cânceres cervicais, respectivamente. No geral, infecções crônicas são responsáveis por cerca de 15% de todos os casos de câncer no mundo, mas em algumas regiões, como a África subsaariana, representam quase um terço de todos os casos de câncer.

A vacina contra o HPV pode evitar até 70% dos casos de câncer cervical. As vacinas contra hepatite também têm sido eficazes em países asiáticos, em países como Taiwan e Singapura, onde programas implementados na década de 1980 se demonstraram bastante efetivos no controle do câncer.

Atualmente, a GAVI Alliance, uma parceria público-privada anteriormente conhecida como Aliança Global para Vacinas e Imunização, é um ator importante na redução do custo de vacinação, limitando o preço das vacinas de HBV e HPV entre U$ 0,20 e US$ 4,50 por dose, respectivamente. Assim, a GAVI Alliance melhorou o acesso em países de baixa renda, evitando milhares de mortes por câncer.

Estimativas de 2010 mostram que investimentos globais de US$ 1 trilhão em vacinas contra o HPV na prevenção do câncer cervical poderiam economizar até 230 milhões por ano.

No mesmo ano, o custo estimado com o tratamento de novos casos de câncer de mama foi de US$ 26,6 milhões. Na fase final da doença, o custo do tratamento é três vezes mais caro do que o manejo da doença em estágio inicial.

No câncer colorretal, o custo estimado de morte e invalidez foi de 99 milhões de dólares em 2008 e em países desenvolvidos o rastreio tem se demonstrado custo-efetivo. De novo, fica evidente a importância do diagnóstico precoce.

A ideia da prevenção também se aplica ao câncer bucal, hoje com cerca de 300 mil novos casos em todo o mundo, a cada ano. Estudos na Índia, país que diagnostica um terço dos casos globais, mostram que o rastreamento do câncer bucal por inspeção visual é custo-efetivo e que o diagnóstico precoce ainda contribui para reduzir a morbidade e mortalidade associada ao câncer. Profissionais da saúde bem treinados  realizaram a inspeção visual com menos de US$ 6 por pessoa. Aqui, o ganho incremental foi de US$ 835 por ano a mais de vida para todos os indivíduos envolvidos na triagem e de US$ 156 para os indivíduos de alto risco.

São razões de sobra que justificam amplamente os benefícios de investir no rastreio, diagnóstico precoce e tratamento do câncer, em especial nos países pobres e em desenvolvimento. 

Radioterapia: força-tarefa global 

Outra iniciativa liderada pela UICC está convocando profissionais de radioterapia, parceiros da indústria, opinion leaders da oncologia, especialistas em economia da saúde e outras contribuições para dimensionar e quantificar o investimento necessário para proporcionar acesso equitativo à radioterapia, em todo o mundo. A radioterapia é uma das ferramentas mais importantes para o tratamento do câncer, empregada em mais de 50% de todos os pacientes.

Ao mesmo tempo, é também uma das intervenções com melhor relação custo/benefício na oncologia. Uma só máquina pode tratar dezenas de milhares de pacientes por uma década ou mais. No entanto, muitos países ainda não dispõem de instalações e equipamentos para a radioterapia. Na África, 45% dos países não têm serviços de radioterapia e 198 milhões de pessoas ficam sem tratamento. 

Cuidados paliativos 

A Organização Mundial da Saúde define os cuidados paliativos como uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias para enfrentar os problemas associados a doenças com risco de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce das ocorrências. Os cuidados paliativos podem levar a abordagens mais adequadas e menos caras. Para apoiar uma ação global de cuidados paliativos e cuidados de fim de vida, é importante que gestores da saúde percebam que existem também benefícios econômicos, além dos evidentes benefícios sob a perspectiva da humanização da assistência oncológica.

Hoje, vários estudos têm quantificado o impacto dos cuidados paliativos, como a redução nos custos hospitalares em até US$ 7.500 para pacientes que morrem durante a sua última admissão hospitalar. 

Planejamento e registros de dados 

Investir no planejamento de políticas nacionais de controle do câncer é fundamental para definir e executar programas que efetivamente possam reduzir a incidência e mortalidade por câncer e melhorar o bem-estar e a qualidade de vida dos pacientes

A disponibilidade de dados confiáveis e de alta qualidade, inclusive de vigilância, incidência, diagnóstico e mortalidade por registros de câncer de base populacional certamente vai permitir traçar um cenário mais fiel não apenas para desenvolver planos de controle mais efetivos, mas também para avaliar os resultados dos programas implementados.

Menos de 6% da população da Ásia Central e da América do Sul são cobertas por um registro e na África menos de 1% da população. Paradoxalmente, na maioria dos países é mais barato implantar o registro adequado que assumir o ônus econômico do câncer. Como exemplo, nos Estados Unidos os custos anuais empregados no combate ao câncer excedem os 216 milhões de dólares anuais, enquanto o custo para financiar os Centros de Controle e Prevenção de Doenças do Programa Nacional de Câncer fica abaixo de75 milhões dólares ao ano (0,03%).

Esforços internacionais estão em andamento para permitir a implantação de bases de dados e desenvolver um instrumento comum:o Registo Internacional de Câncer de Custeio (InCanRegCosting). Esta ferramenta integra uma iniciativa liderada por múltiplos parceiros para fomentar o desenvolvimento de um registro de câncer global. A iniciativa representa investimentos de US $ 15 milhões ao longo de cinco anos com o objetivo de melhorar os dados sobre câncer.

Em conclusão, somente uma verdadeira aldeia global, através de um esforço conjunto, será capaz de promover avanços efetivos no controle do câncer.

Autor: Gilberto Lopes é oncologista do Centro Paulista de Oncologia, fundador do HCor Onco e diretor científico do Grupo Oncoclínicas do Brasil. É professor assistente de oncologia na Universidade Johns Hopkins e editor associado da Universidade da ASCO e do Journal of Global Oncology.

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