Em artigo exclusivo, o oncologista Stephen Stefani (foto) comenta as discussões sobre farmacoeconomia na ASCO, em uma análise que considera a perspectiva global de acesso e defende uma ciência mais alinhada com as expectativas de pacientes e fontes pagadoras.
Por Stephen Stefani*
Mesmo que com algum atraso, a American Society of Clinical Oncology (ASCO) tem endereçado muito mais tempo na agenda científica do seu congresso anual para temas que remetem a um ponto básico: acesso. Um assunto muito discutido durante o ASCO Meeting deste ano foi a "toxicidade financeira", causa de falência pessoal de milhares de pacientes.
Para se ter uma leitura real, o custo médio anual em saúde de um norte-americano com alguma doença não oncológica e não hepatite é de aproximadamente US$ 2 mil. Se hepatite é considerada nessa lista, o custo vai para U$ 8 mil. A média entre pacientes com câncer é de U$ 80 mil por ano. E a expectativa é de que os números aumentem, inviabilizando modelos sustentáveis de financiamento. Só em câncer de pulmão são 76 novas drogas em estudo.
Há necessidade de se definir prioridades. Não existe sentido em uma construção científica complexa e sofisticada se o resultado final não oferecer ao paciente aquilo que ele está procurando, ou seja, viver mais e/ou melhor. Essa pequena reflexão cria espaço para várias outras questões, a começar por entender quais são os desfechos que os pacientes buscam.
Aumentar sua chance de cura, tempo de sobrevida global e qualidade de vida são respostas relativamente óbvias, mas nem sempre estão alinhadas com o que se pesquisa e apresenta. Incluir o paciente nesta avaliação, através de Patient-Reported Outcomes (ou "PRO"), tem sido debatido desde a inclusão nos estudos clínicos até o uso na prática assistencial, passando por análises de custo-efetividade e utilização de aplicativos digitais em tempo real.
“Em relação aos preços, um sistema com distorções históricas tem sido questionado” |
Os pacientes não são, de forma geral, informados sobre a expectativa real de mudança de desfecho oferecida pelas drogas que utiliza. Muitos pacientes que utilizam medicamentos de alto custo que modificam resultados em algumas semanas, acreditam que estão aumentando sua chance de cura, inclusive em doenças reconhecidamente incuráveis. Todos esses aspectos tentam fugir da formalidade regulatória que tomou conta da agenda científica tradicional.
Em relação aos preços, um sistema com distorções históricas tem sido questionado: a mesma droga pode oferecer aumento de sobrevida global inédita em determinada doença, mas poucos dias de intervalo livre de progressão em outra, sem ajuste para qualidade de vida, e custa o mesmo preço para ambas as situações. Talvez seja o momento de questionar se esse formato é realmente imutável.
A interação com fontes pagadoras públicas e privadas, adoção de pathways (pouco mais amplo que diretrizes, por incluir a tomada de decisão de várias etapas do manejo) e frameworks (ajuste do impacto de determinada tecnologia, considerando aspectos qualitativos e de opções já disponíveis) também estiveram representadas no evento. Velhos debates como capitation (pagamento fixo por número de pacientes) e bundles (pacotes) foram discutidos com suas vantagens e riscos. Estratégias práticas, como inclusão de biossimilares (estudo de fase III com MYL-1401O, biossimilar do trastuzumabe, mostrou equivalência em efetividade e segurança, por exemplo) já assinalam medidas reais para a redução de custos.
A ASCO parece reconhecer que não há mais condições de se oferecer uma medicina sustentada em preços e não em valores, mas muito tem que progredir nesta direção. São temas que merecem estudo profundo e ágil em todo os países.
*Sobre o autor: Stephen Stefani é oncologista do Hospital do Câncer Mãe de Deus (HCMD), em Porto Alegre, e coordena o Instituto de Análise de Tecnologias em Oncologia do Hospital. Chair do Comitê Latino Americano da International Society of Pharmacoeconomics and Outcome Research (ISPOR) e membro efetivo da American Society of Clinica Oncology (ASCO). Autor de diversas publicações, entre elas os livros Economia da Saúde em Oncologia (2015) e Valor em Oncologia (2016) da editora Elsevier.