Em artigo exclusivo, o oncologista Otávio Clark, membro do Comitê Brasileiro de Estudos em Uro-Oncologia (COBEU), comenta alguns estudos que avaliam o radiofármaco radium 223 (Xofigo), aprovado para pacientes com câncer de próstata com metástases ósseas.
Por Otavio Clark
O radium 223 é uma solução para injeção que emite partículas alfa radioativas, com alvo anti-tumoral em pacientes com metástases ósseas1. É um radiofármaco, com indicação aprovada para pacientes com câncer de próstata com metástases ósseas (na época desta redação, ainda aguardava definição de preço para poder ser comercializado no país).
O radium 233 foi testado em um estudo fase III randomizado2 que incluiu pacientes com as seguintes características:
· câncer da próstata hormônio independente (CPHI);
· duas ou mais metástases em ossos (detectadas em cintilografia);
· com dor óssea e em uso de analgésicos;
· sem metástases viscerais conhecidas.
Sobre a questão da quimioterapia, os pacientes deveriam receber cuidados paliativos e/ou docetaxel prévio. A coorte também considerou pacientes não elegíveis para docetaxel por questões clínicas, que recusaram a quimioterapia com docetaxel ou não receberam o tratamento por falta de disponibilidade no local.
O endpoint primário do estudo foi a sobrevida global e os principais endpoints secundários incluíram tempo para o primeiro evento esquelético sintomático, segurança e qualidade de vida.
Os pacientes foram randomizados para dois grupos: seis injeções intravenosas de radium 223 na dose de 50kBq por kg ou placebo indistinguível a cada 4 semanas.
Foram randomizados 921 pacientes de 19 países (inclusive o Brasil) e a análise foi por intenção de tratamento.
Os resultados de uma análise interina pré-planejada mostraram uma sobrevida mediana de 14 meses no grupo que recebeu radium 223 contra 11,2 meses no grupo placebo (HR 0,70; IC 95% 0,55 a 0,88; P=0,002). Esta análise cumpriu os requisitos pré-especificados de significância para a interrupção precoce do estudo e um comitê independente recomendou, além da suspensão do estudo, a migração dos pacientes do grupo placebo para o grupo radium 223 por motivos éticos.
Uma análise posterior de sobrevida, feita um ano após a interrupção do tratamento, mostrou a manutenção do ganho de sobrevida, com medianas de 14,9 meses e 11,3 meses para os grupos radium e placebo, respectivamente (HR=0,7; IC 95% 0,58 a 0,83; p<0,001). O tratamento foi bem tolerado e a proporção de pacientes que desenvolveu eventos adversos (tanto sérios quanto no geral) foi menor no grupo que recebeu o radium 233.
A análise de endpoints secundários mostrou que o tempo para aparecimento de eventos relacionados ao esqueleto foi melhor no grupo radium 223 (mediana 13,5 meses x 8,4 meses (HR=0,61; 95% IC 0,46 a 0,8; p=0,0004) na análise interina e medianas de 15,6 x 9,8 meses (HR=0,65 IC 95% 0,55 a 0,83; p=0,0003) na análise posterior.
A qualidade de vida avaliada pelos instrumentos European Quality of Life - 5 Dimensions (EQ-5D) mostrou que ao longo do tempo o grupo radium 223 teve melhor preservação da qualidade de vida geral (-0,101 X. -0,161; p =0,002) e no escore auto-relatado (-5,225 X -8,516; p=0,008).
Há também um outro estudo randomizado de fase II, menor, que incluiu 64 pacientes com CPHI com metástases dolorosas, que foram encaminhados para RT.1,3. Os pacientes foram randomizados para Radium 223, 4 doses de 50kBq/kg em intervalos de 4 semanas ou placebo. O endpoint principal foi tempo para ocorrência do primeiro evento relacionado ao esqueleto
Apesar do pequeno tamanho de amostra, o estudo mostrou mediana de ganho de sobrevida na análise feita aos 24 meses3 (radium 223: 15 meses x placebo 10,7 meses (HR 0,47; IC 95% 0,25 a 0,87; P=0,017)) e benefício no tempo para o primeiro evento esquelético que favoreceu o grupo radium 223, mas não atingiu significância estatística, provavelmente pelo pequeno tamanho amostral (HR=1,75; IC 95% 0,96 a 3,19; P=0,06). Não houve diferenças na incidência de eventos adversos.
Com estes resultados, o radium 233 é efetivo em aumentar a sobrevida de pacientes com CPHI, refratários ou sem condição de uso de docetaxel.
Com a chegada do radium 233 ao mercado, esperada para muito em breve, algumas questões irão surgir, tanto do ponto de vista clínico quanto operacional. Como na época da realização dos estudos não estava disponível no mercado nem a abiraterona nem a enzalutamida, questões surgirão sobre onde o radium 233 será idealmente posicionado, já que os pacientes dos estudos não receberam estas medicações. Outro ponto importante diz respeito ao momento de administração do radium 233 em relação ao docetaxel – os estudos incluíram tanto pacientes refratários quanto pacientes que por diversos motivos não usaram este quimioterápico, o que trará também a discussão referente ao posicionamento das linhas de tratamento.
Um outro fator a ser considerado é que as decisões de tratamento na uro-oncologia se tornam ainda mais complexas e realmente com caráter multidisciplinar: os médicos especialistas em medicina nuclear passam a fazer parte ainda mais próxima do processo.
Referências:
1 - Nilsson S, Franzen L, Parker C, Tyrrell C, Blom R, Tennvall J, et al. Bone-targeted radium-223 in symptomatic, hormone-refractory prostate cancer: a randomised, multicentre, placebo-controlled phase II study. Lancet Oncol. 2007 Jul;8(7):587-94.
2 - Parker C, Nilsson S, Heinrich D, Helle SI, O'Sullivan JM, Fossa SD, et al. Alpha emitter radium-223 and survival in metastatic prostate cancer. N Engl J Med. 2013 Jul 18;369(3):213-23.
3 - Nilsson S, Franzen L, Parker C, Tyrrell C, Blom R, Tennvall J, et al. Two-year survival follow-up of the randomized, double-blind, placebo-controlled phase II study of radium-223 chloride in patients with castration-resistant prostate cancer and bone metastases. Clin Genitourin Cancer. 2013 Mar;11(1):20-6.