A oncologista Maria Del Pilar Estevez Diz (foto), Coordenadora da Oncologia Clínica do Icesp, comenta o primeiro guideline ASCO para o tratamento do câncer do colo do útero. Segundo a especialista, a diretriz inova ao reconhecer as grandes disparidades de recursos para o tratamento da doença ao redor do mundo.
A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) emitiu seu primeiro guideline de prática clínica sobre câncer do colo do útero. Apesar de evitável, cerca de 250 mil mulheres morrem da doença a cada ano, em todo o mundo. A grande maioria dessas mortes ocorre em regiões menos desenvolvidas, onde o acesso aos serviços de patologia, cirurgiões qualificados, máquinas de radioterapia, braquiterapia, quimioterapia e cuidados paliativos pode ser limitado. Baseada nesses diferentes cenários, a diretriz traz recomendações da terapia ideal e cuidados paliativos para cada estágio da doença adaptadas à disponibilidade de recursos.
As recomendações consideram nove pontos-chave, a partir de questões centrais e de quatro diferentes realidades de acesso. Afinal, quais são as opções de cuidados para mulheres diagnosticadas com câncer cervical invasivo?Que opções de tratamento alternativo podem ser ofertadas quando não há radioterapia ou braquiterapia disponível?
Para trazer respostas a essas e outras questões, que expressam a realidade de diferentes contextos de assistência, o painel de especialistas buscou a melhor evidência disponível.
“Sem radioterapia acessível em algumas configurações, o tratamento deve contar com outros recursos, como a quimioterapia neoadjuvante seguida por cirurgia, em comparação com a cirurgia seguida por quimioterapia”, propõe a diretriz, com o alerta de que a recomendação tem evidência moderada, baseada principalmente em estudos retrospectivos. O painel de especialista esclarece que há dois ensaios clínicos randomizados em curso que podem trazer evidências mais robustas para orientar futuras recomendações sobre o papel da neoadjuvância no câncer do colo do útero.
Endossado pela Sociedade Americana de Oncologia Ginecológica (SGO), o guideline foi desenvolvido por um painel multidisciplinar de especialistas que realizou uma revisão sistemática da literatura médica publicada de 1966 a 2015, bem como das diretrizes existentes, além de análises de custo-efetividade. O guia de recomendações foi publicado online na edição de 25 de maio do Journal of Global Oncology (JGO).
Referência: Management and Care of Women with Invasive Cervical Cancer: American Society of Clinical Oncology Resource-Stratified Clinical Practice Guideline - http://goo.gl/KkRTRn
Considerar cenários com diferentes condições de tratamento é um avanço
Quem comenta as recomendações é Maria Del Pilar Estevez Diz, Coordenadora da Oncologia Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo ‘Octavio Frias de Oliveira’ (Icesp) e oncologista do Hospital Sírio-Libanês.
A incidência do câncer do colo do útero e a disponibilidade dos recursos para o tratamento variam não só entre os países, como muitas vezes dentro de um mesmo país. O Brasil é um bom exemplo. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), em 2016 são esperados 16340 novos casos da doença no país, com um risco estimado de 15,85 casos a cada 100 mil mulheres. Entretanto, existem profundas variações regionais e em locais com menos recursos, como por exemplo a Região Norte, a doença ainda é a neoplasia mais incidente na população feminina, com um índice de 23,97 casos a cada 100 mil mulheres.
Nesse sentido, é muito bem-vinda a iniciativa da ASCO de elaborar um guideline para o tratamento do câncer invasivo do colo uterino que reconhece as grandes disparidades de recursos disponíveis para o tratamento da doença. As recomendações contemplam essas diferenças, estratificando o tratamento e propondo alternativas aceitáveis e baseadas em evidências para cenários onde os esquemas de tratamento ideais não estão disponíveis.
Os recursos foram classificados em básicos, limitados, aprimorados e máximos, para cada modalidade de tratamento (cirurgia, quimioterapia, radioterapia, patologia e cuidados paliativos) e os procedimentos que definem cada categoria estão descritos de maneira clara e compreensível. Alguns pontos foram considerados chave nessas recomendações. No geral, os procedimentos conservadores preservadores de fertilidade são aceitáveis, desde que seja possível o seguimento das pacientes. Em situações com recursos básicos, onde as pacientes não podem ser tratadas com radioterapia, o painel recomenda a histerectomia extrafascial, com ou sem quimioterapia neoadjuvante, para mulheres com doença estágios IA1 a IVA. A quimioterapia neoadjuvante é aceitável em pacientes com grande volume de doença que serão submetidas à cirurgia. A monoquimioterapia com cisplatina ou carboplatina é recomendada para pacientes com doença estádio IV ou doença recorrente. O painel ainda reforça o papel da quimioterapia concomitante à radioterapia, desde que não haja atraso na radioterapia por falta da quimioterapia.
Para locais com recursos limitados, é sugerida a utilização de esquemas simples ou de curta duração de radioterapia para re-tratamento. Quando não há disponibilidade de braquiterapia, a recomendação é a histerectomia extrafascial se houver tumor residual 2-3 meses após completar a quimiorradioterapia. Já no cenário aprimorado, o tratamento padrão para os estádios IB a IVA é a quimiorradioterapia.
O guideline também reafirma a importância da participação em estudos clínicos e a necessidade de incorporar os cuidados paliativos e controle de dor apropriado no tratamento das pacientes, entendendo estes recursos como um direito básico frequentemente negligenciado nos programas de controle do câncer. Em resumo, estas diretrizes vêm contribuir de maneira significativa para o tratamento das pacientes com câncer do colo uterino, apresentando alternativas ao tratamento ideal em diferentes cenários.