Igor Morbeck (foto), médico do centro de oncologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília e professor de medicina da PUC, destaca as principais publicações na uro-oncologia em 2016, algumas com claros benefícios na sobrevida global e impacto na tomada de decisão.
Câncer de próstata
O estudo ProtecT1 foi desenhado para avaliar a eficácia das três principais modalidades de conduta no câncer de próstata localizado: cirurgia, radioterapia e vigilância ativa. Neste estudo de três braços, 545 homens foram alocados para monitorização ativa, 553 para prostatectomia radical e 545 para radioterapia.
Os resultados do ProtecT mostram que a mortalidade por câncer de próstata permanece baixa em 10 anos (em torno de 1%), independentemente da modalidade de tratamento instituída.
Um total de 204 homens tiveram progressão da doença, incluindo metástases a distância. A incidência foi maior no grupo da vigilância ativa (112 homens versus 46 no grupo da radioterapia e 46 no grupo da cirurgia, com p < 0,001). As taxas de falha ao tratamento primário ocorreram em 18 pacientes no braço da cirurgia e 55 no braço da radioterapia.
Estas diferenças mostram a maior eficácia da terapia inicial sobre a monitorização ativa, porém isto não foi traduzido por uma diferença significativa na mortalidade câncer-específica ou por outras causas.
Na doença avançada, o estudo STAMPEDE2 teve o mérito de ter um desenho inovador com múltiplos braços de tratamento e com diferentes estágios. Para isto utilizou um braço controle, considerado Standard of Care (SOC) com terapia de privação androgênica (ADT).
Pesquisadores do Reino Unido e Suíça recrutaram pacientes com câncer de próstata localmente avançado, metastático ou recorrente considerados hormônio-sensíveis (HSPC). Em uma randomização 2:1:1:1, os grupos para esta etapa de análise do estudo STAMPEDE foram: SOC (ADT isolado) versus ADT mais 6 ciclos de docetaxel, ADT mais ácido zoledrônico ou ADT mais docetaxel mais ácido zoledrônico.
Em um total de 2962 pacientes, 61% apresentavam doença metastática, 15% tinham linfonodos positivos e 24% foram considerados N0M0. Apenas 6% do total de pacientes tinham sido previamente tratados com radioterapia ou prostatectomia radical.
Com um tempo de seguimento de 43 meses, a sobrevida mediana foi de 71 meses para o braço de ADT isolado e 81 meses para ADT mais docetaxel (HR 0.78, 95% CI 0.66–0.93; P = 0.006). Os resultados foram consistentes com estudos prévios e mostram que a adição do ácido zoledrônico não contribuiu para reduzir eventos relacionados ao esqueleto e tampouco sobrevida global para esta população de pacientes sensíveis a hormonioterapia.
Estes resultados coincidem com os dados já amplamente divulgados do estudo CHAARTED, onde o benefício da quimioterapia inicial com docetaxel foi bem estabelecida na população com alto volume de doença, levando a uma diferença de 17 meses na sobrevida global mediana (49,2 vs 32,2 meses). O estudo STAMPEDE não selecionou pacientes com alto vs baixo volume de doença.
1 – ProtecT - 10-Year Outcomes after Monitoring, Surgery, or Radiotherapy for Localized Prostate Cancer -Freddie C. Hamdy, F.R.C.S.(Urol.), F.Med.Sci - N Engl J Med; 375:1415-1424, oct 2016.
2 – Defining new standards of care for men with prostate câncer - Howard I Scher - The Lancet, vol 387, n 10024, pag 1163-1177, mar 2016.
Câncer de Rim
Em 2016, dois grandes estudos geraram resultados conflitantes a respeito do papel do sunitinibe adjuvante no câncer de rim ressecado e de alto risco.
O estudo ASSURE3 é um estudo fase III, multicêntrico, que alocou 1943 pacientes considerados de alto risco após nefrectomia. Estes pacientes foram randomizados a receber sunitinibe (n= 647), sorafenibe (n=649) ou placebo (n=647) por um período de 1 ano. O objetivo primário foi avaliar a sobrevida livre de progressão (SLP) entre os diferentes braços. Não houve diferença estatística na SLP ou sobrevida global (SG). A toxicidade reportada no estudo ASSURE foi elevada, levando a interrupção do tratamento em mais de 44% dos pacientes em uso de sunitinibe ou sorafenibe, o que levou a uma emenda no protocolo para reduzir a dose inicial do tratamento.
O S-TRAC4 é outro estudo randomizado, fase III, que teve como objetivo avaliar o papel de sunitinibe adjuvante na população de alto risco. 615 pacientes foram alocados para a terapia-alvo vs placebo por 1 ano. A SLP (objetivo primário deste estudo) foi de 6,8 anos para o grupo do sunitibe vs 5,6 anos para o grupo placebo (p=0,03). A redução de dose ou descontinuação de tratamento com sunitinibe ocorreu em 34,3% e 28,1%, respectivamente.
Estes dois estudos diferem completamente entre si e as causas podem ser:
a) Seleção de pacientes: o estudo ASSURE incluiu pacientes com menor risco de recorrência, porém em análise de subgrupo que incluiu apenas pacientes T3 e T4 nenhuma diferença foi observada entre os grupos de tratamento.
b) Exposição a droga: Todos os pacientes do estudo S-TRAC receberam dose inicial de sunitinibe 50 mg, enquanto no ASSURE um terço dos pacientes iniciaram com redução de dose.
c) Critérios de avaliação de imagem: No estudo ASSURE as imagens foram checadas apenas pelos investigadores e no S-TRAC foram vistas pelos investigadores e pelo comitê central independente. Curiosamente, a análise do objetivo primário neste estudo não alcançou significância estatística quando as imagens foram checadas pelos investigadores.
À luz de toda a controvérsia, a decisão entre indicar ou não tratamento adjuvante em câncer de rim irá depender da adesão do paciente ao tratamento e dos eventos adversos associados. A decisão deverá ser feita de maneira individualizada, uma vez que não há ganho, até o momento, de sobrevida global. Outros estudos em adjuvância são aguardados utilizando-se drogas como pazopanibe e everolimus.
No âmbito da doença metastática, o principal destaque em câncer renal foi a análise final de sobrevida do estudo METEOR5, onde 658 pacientes após progressão com TKI foram randomizados a receber cabozantinibe vs everolimus. A mediana de SG foi de 21,4 meses vs 16,5 meses (HR 0.66, p= 0,00026). Recentemente, cabozantinibe teve seu registro aprovado pelo FDA e pela agência reguladora europeia (EMEA).
Nivolumabe, outra droga aprovada em segunda linha para o câncer renal metastático, mostrou em 2015 benefício frente ao everolimus (CHECKMATE- 0256) e em análise posterior de qualidade de vida publicada em 2016 mostrou que a imunoterapia foi melhor que o inibidor da mTOR em adição ao já sabido ganho de sobrevida global.
3 - ASSURE- Adjuvant sunitinib or sorafenib for high-risk, non-metastatic renal-cell carcinoma (ECOG-ACRIN E2805): a double-blind, placebo-controlled, randomised, phase 3 trial. Naomi B Haas MD - The Lancet 387, 2008–2016 (2016)
4 - Adjuvant Sunitinib in High-Risk Renal-Cell Carcinoma after Nephrectomy (S-TRAC)- Alain Ravaud, M.D., Ph.D - N Engl J Med 2016; 375:2246-2254 December 8, 2016DOI: 10.1056/NEJMoa1611406
5 - Cabozantinib versus everolimus in advanced renal cell carcinoma (METEOR): final results from a randomised, open-label, phase 3 trial - Toni K Choueiri, MD - The Lancet Oncol. 17, 917–927 (2016)
6 - Quality of life in patients with advanced renal cell carcinoma given nivolumab versus everolimus in CheckMate 025: a randomised, open-label, phase 3 trial - David Cella, PhD - The Lancet Oncol. 17, 994–1003 (2016)e
Câncer de Bexiga
No câncer de bexiga superficial, uma importante publicação foi capaz de definir grupos de risco relacionados à recorrência, progressão, sobrevida câncer-específica e sobrevida global em pacientes tratados com ressecção trans-uretral (RTU) seguido por BCG adjuvante. Os autores do EORTC7 analisaram os prontuários de 1812 pacientes tratados com BCG de manutenção por 1 a 3 anos.
Com um tempo de seguimento de 7,4 anos, 762 pacientes recorreram e 83 faleceram do câncer de bexiga. Pacientes com estadiamento T1G3 tiveram pior prognóstico nesta análise com taxas de progressão e óbito há 5 anos de 19,8% e 11,3%, respectivamente. As críticas deste estudo incluem a falta de RTU de repetição nos pacientes de alto risco e a exclusão de pacientes de carcinoma in situ.
Na doença avançada, o grande destaque foi a imunoterapia. Atezolizumabe é um anticorpo monoclonal anti-PD-L1 que foi estudado na população de pacientes com carcinoma urotelial metastático que falharam a primeira linha com cisplatina. Este estudo8 fase II com duas coortes alocou 310 pacientes oriundos de 70 diferentes centros hospitalares nos EUA e Europa. Este estudo mostrou que atezolizumabe apresenta boa atividade de resposta nesta população (27% para PD-L1 2+ ou 3+ e 15% para toda a população). Além disto, o anticorpo foi relacionado a respostas duradouras (84% de resposta sem curso na população de pacientes respondedores) e bom perfil de toxicidade.
O anti PD-L1 atezolizumabe também foi estudado9 na primeira linha do carcinoma urotelial metastático em pacientes considerados inelegíveis a receber cisplatina. Vale ressaltar que, em geral, pacientes com carcinoma urotelial metastático e unfit para cisplatina têm prognóstico reservado devido a pior performance-status ou insuficiência renal.
A sobrevida mediana dos pacientes foi de 15,9 meses, com taxas de resposta duradouras, sendo que a mediana de duração de resposta não havia sido alcançada a época da análise destes dados.
7 - EORTC Nomograms and Risk Groups for Predicting Recurrence, Progression, and Disease-specific and Overall Survival in Non–Muscle-invasive Stage Ta–T1 Urothelial Bladder Cancer Patients Treated with 1–3 Years of Maintenance Bacillus Calmette-Guérin - Samantha Cambier - European Urology vol 69, issue 1, January 2016, pages 60-69.
8 - Atezolizumab in patients with locally advanced and metastatic urothelial carcinoma who have progressed following treatment with platinum-based chemotherapy: a single-arm, multicentre, phase 2 trial - Jonathan E Rosenberg, MD - The Lancet, vol 387; n 10031. Pag 1909-1920, may 2016
9 - Atezolizumab as first-line treatment in cisplatin-ineligible patients with locally advanced and metastatic urothelial carcinoma: a single-arm, multicentre, phase 2 trial - Arjun V Balar, MD - The Lancet, vol 389, n 10064, pag 67-76 dec 2016