Diversas evidências apontam para o impacto de hábitos alimentares no risco de câncer e no comportamento tumoral. Em busca de soluções simples para a quimioprevenção, a nutrigenômica representa um novo paradigma clínico seguro, eficaz e facilmente implementável, dizem os especialistas.
“Vai abrir caminho para o desenvolvimento de abordagens preventivas e eficazes para reduzir os riscos de desenvolver câncer”, avalia o oncogeneticista José Claudio Casali da Rocha, que há tempos alerta para a relação entre epigenética, câncer e nutrição. “A grande revolução é olhar o tumor não mais por suas características patológicas, mas a partir de seu perfil genético e epigenético, com mutações, rearranjos e metilação que acometem o DNA das células e desencadeiam a tumorigênese”, diz. “É um novo paradigma para compreender a biologia do câncer”, explica.
Parece um longo percurso. No Brasil, 56,9% da população apresentam excesso de peso e 20,8% têm obesidade, representando 82 milhões de brasileiros com mais de 18 anos acima do peso adequado, como apontam os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS, 2013).
Outra estatística recente também dimensiona a importância de ações mais efetivas na prevenção do câncer. Basta dizer que um levantamento realizado pelo jornal O Estado de São Paulo, com base nas estatísticas de mortalidade de 2014 publicadas pelo DATASUS, indica que em 465 municípios brasileiros a mortalidade por câncer já supera a carga das doenças cardiovasculares.
“A epidemia de câncer desafia a mudanças urgentes e convida toda a cadeia de cuidados em câncer a reforçar a máxima de prevenir o prevenível”, diz Casali.
Impacto da nutrição no câncer
Sobram indicadores que projetam o aumento da incidência do câncer em um futuro que já começa a se anunciar. Investir em estratégias de prevenção é sem dúvida o melhor caminho para enfrentar este desafio e é nessa direção que o estímulo a hábitos alimentares saudáveis cresce como abordagem eficaz para reduzir o risco do câncer, enquanto intervenções dietéticas cada vez mais amparadas na genética despontam como a próxima onda para enfrentar a carga da doença.
Assim como os biomarcadores são a chave para a seleção terapêutica na oncologia, também a nutrição pode ser pensada a partir da resposta de cada indivíduo a um alimento específico ou determinado componente bioativo. É com esse olhar que a nutrigenética se dedica a compreender a influência dos genes na suscetibilidade individual aos nutrientes e a avaliar os beneficiários de intervenções dietéticas. Quem explica é Dan Waitzberg, diretor-presidente do GANEP Nutrição Humana, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “Nutrientes afetam a expressão de genes e induzem mudanças em moléculas de DNA. Encontrar interações entre genes e dieta pode ajudar a identificar moléculas-alvo potencialmente importantes na prevenção do câncer ou mesmo na redução dos sintomas”, diz.
Dados da literatura mostram os efeitos da nutrição sobre a metilação do DNA e o papel de eventos epigenéticos na prevenção do câncer, assim como diferentes estudos epidemiológicos e prospectivos reforçam evidências do papel de nutrientes e compostos bioativos. Até o momento, mais de 1000 diferentes tipos de fitoquímicos foram identificados com atividades associadas à prevenção do câncer. Nutrientes como cálcio, zinco, selênio, ácido fólico,ácidos graxos essenciais, além das vitaminas C, D,E, flavonóides, carotenóides e outros compostos bioativos podem influenciar o metabolismo, a sinalização e o ciclo celular, regular a apoptose, o equilíbrio hormonal e até o mecanismo de angiogênese.
Dieta bioativa
Sob o olhar da nutrigenômica, nutrientes se comportam, direta ou indiretamente, como fatores de transcrição capazes de regular por expressão gênica ou epignética a expressão de genes, proteínas e metabólitos, o que explica porque intervenções dietéticas têm o potencial de impedir o crescimento do câncer.
“O objetivo é identificar os fatores de transcrição que podem ser alvo de nutrientes e os genes acionáveis, compreender as vias de sinalização envolvidas, assim como a assinatura dietética que induz à expressão de genes específicos”, ilustra Waitzberg.
“Identificar as interações entre os nutrientes relacionados às vias de sinalização e às vias de estresse pró-inflamatórias vai nos permitir uma compreensão maior das doenças relacionadas com a alimentação, assim como vai nos permitir Identificar genótipos que podem ser fatores de risco, inclusive para o câncer”, explica.
Com o avanço no campo da nutrição molecular e os novos conhecimentos acerca do genoma humano, a próxima onda de intervenções dietéticas vai certamente refletir a maior compreensão de como os alimentos e seus componentes influenciam o câncer.
As primeiras descobertas da nutrigenética e da nutrigenômica, ainda que tímidas, começam a fazer a diferença. Um dos mais respeitados periódicos em nutrição humana, a Nutrients publicou em agosto evidências recentes sobre o efeito da ingestão de polifenóis no tratamento e prevenção do câncer.
Um conjunto de 24 pesquisas originais1, entre metanálises e estudos de revisão, mostra o interesse da comunidade científica em uma pauta que promete ganhar expressão.
Evidências e controvérsias
O câncer colorretal é o terceiro mais comum no mundo e foi objeto de estudo do grupo romeno, com artigo de revisão2 que discutiu como os padrões alimentares podem modular a expressão de micro RNAs (miRNAs) em câncer colorretal.
O estudo mostrou que diversos componentes bioativos presentes na dieta são capazes de modificar a expressão gênica a partir de mudanças nos miRNAs e destacou componentes protetores, como resveratrol, cúrcuma, quercetina, alfa-mangostina, ácidos graxos ômega-3 (PUFA-3), vitamina D e fibras, com capacidade de atuar tanto nos mecanismos moleculares envolvidos na prevenção, quanto no contexto terapêutico.
A desregulação de certos microRNAs (oncomiRs) tem sido associada com processos de carcinogênese, seja por ativar genes supressores tumorais (p53, PDCD4 e PTEN) ou até por ressensibilizar as células resistentes ao tratamento.
“A maioria dos componentes dietéticos bioativos apresentados neste trabalho são ferramentas poderosas na prevenção e tratamento do câncer colorretal por sua capacidade de mudar a expressão de miRNA, modulando assim vias importantes envolvidas na proliferação celular, crescimento tumoral, apoptose, invasão e metástase”, dizem os autores.
“Acreditamos fortemente que, em um futuro próximo, a manipulação de miRNA baseada na dieta pode ser utilizada juntamente com outras formas de terapia anticâncer”, concluem.
Estudo chinês3 avaliou o papel de resveratrol em células de câncer pancreático e mostrou como um polifenol natural pode ativar a expressão de uma proteína (YAP) capaz de aumentar a resposta do tumor à quimioterapia com gemcitabina. Os pesquisadores mostraram que resveratrol suprimiu a capacidade de proliferação e clonagem e induziu a apoptose das células do câncer pancreático. Através de múltiplos efeitos biológicos, o polifenol inibiu a atividade de transcrição da proteína YAP e aumentou a sensibilidade das células tumorais à quimioterapia.
“Dessa forma, mostramos como o resveratrol pode sensibilizar células de câncer pancreático para a quimioterapia”, explicam os autores. “Nosso trabalho revela que resveratrol é um potencial agente anticâncer e que YAP pode servir como um alvo promissor”, propõem.
Quimioprevenção
Em tumores de mama, diferentes mecanismos moleculares envolvidos na atividade anticâncer foram avaliados em estudos in vitro e in vivo. Recentemente,novas pesquisas analisaram o potencial terapêutico dos polifenois no manejo de eventos adversos relacionados ao tratamento e até seu papel na quimioprevenção, para frear o mecanismo de resistência. “Os polifenóis são compostos bioativos presentes nos alimentos de origem vegetal, como frutas (uvas, laranja, limão, maçã, morango, mirtilo, ameixa), hortaliças (couve, couve-flor, tomate, alho, cebola, espinafre, repolho, rabanete, escarola, mostarda, nabo, beterraba), sementes oleaginosas (castanhas, nozes, amendoins, amêndoas; chocolate amargo). Eles atuam como antioxidante, auxiliando no combate aos radicais livres ou até mesmo reparando algum dano celular já presente na célula”, explica a nutricionista Thaís Manfrinato Miola, presidente do Núcleo de Apoio à Cirurgia Oncológica (NUMACO), da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica.
Em junho, um estudo4 publicado na Cancer Prevention Research trouxe a maior evidência disponível sobre o papel protetor do extrato de brócolis contra a recorrência do câncer de cabeça e pescoço. Bebidas derivadas de extratos de brócolis são ricas em glicorafanina e seu metabólito sulforafano, um bioativo que promove a desintoxicação de poluentes ambientais.
Os pesquisadores investigaram o potencial de quimioprevenção do sulforafano em modelos in vitro de células epiteliais da mucosa oral, em células normais e em quatro linhagens celulares de carcinoma epidermoide. Também foi avaliado o potencial de quimioprevenção do sulforafano em modelos murinos com câncer induzido pelo agente 4-nitro-quinolina 1-óxido (4NQO). O sulforafano reduziu significativamente a incidência e o tamanho dos tumores em modelos animais.
No especial da Nutrients sobre polifenóis e câncer, estudo neozelandês5 lembrou dos resultados do estudo DIANA-5, com evidências de que mudanças na dieta e estilo de vida podem aumentar a sobrevida livre de eventos em mulheres após o tratamento do câncer de mama.
“Com base em estudos clínicos e observacionais, podemos concluir que pacientes com câncer de mama diagnosticados precocemente devem consumir pelo menos 5 porções de vegetais e frutas, e recomendamos aqueles ricos em flavonóides, como cebolas, brócolis, maçãs e citrinos, entre outros. Tanto o consumo de chá verde e preto é protetor, com 3 xícaras de chá diárias, como o padrão da dieta mediterrânea, naturalmente rico em polifenóis (azeite de oliva, leguminosas) evita a recorrência do câncer de mama in vitro e in vivo”, descreve a publicação.
Segundo Thaís, um cardápio anticâncer é muito parecido com aquela que consideramos uma alimentação saudável. “A prevenção passa por uma alimentação variada, com consumo de diversos tipos de frutas e hortaliças para a absorção dos diversos nutrientes que atuam como antioxidantes e auxiliam na prevenção do câncer”, diz.
Cardápio Anticâncer
Resveratrol– polifenol antioxidante, encontrado em uvas e frutas de cor escura, como mirtilos.
Quercetina– é um dos flavonoides mais comumente disponíveis na dieta, encontrado na cebola, chá, vinho e maçã.
Alfa-mangostina– fruta nativa do sudeste asiático, também conhecida como mangostão (Garcinia mangostana).
PUFA-3- ácidos graxos poliinsaturados Ômega 3, presentes em óleos de peixes e óleos de sementes (linhaça, p.ex.).
Licopeno– pigmento carotenoide e fitoquímico, encontrado principalmente no tomate e seus derivados.
Alicina- antibiótico natural presente no alho.
Glucosinalatos– dão origem aos isotiocianatos, substâncias que combatem o estresse oxidativo. Encontrados em vegetais crucíferos (couve-flor, couve-manteiga, espinafre, brócolis, repolho, nabo, entre outros).
Vitamina C- possui efeito antioxidante que bloqueia a ação dos radicais livres. Presente em frutas cítricas, como laranja e limão.
Catequina- fitonutriente antioxidante, anti-inflamatório e ativador do metabolismo. Presente no chá verde.
Referências
1 – Special Issue "Polyphenols for Cancer Treatment or Prevention" - https://goo.gl/tors9V
2 - The Role of Bioactive Dietary Components in Modulating miRNA Expression in Colorectal Cancer - https://goo.gl/IO6QgI
3 - YAP Inhibition by Resveratrol via Activation of AMPK Enhances the Sensitivity of Pancreatic Cancer Cells to Gemcitabine - https://goo.gl/2zZWQn
4 – Prevention of Carcinogen-Induced Oral Cancer by Sulforaphane - https://goo.gl/giIyJf
5 – Reducing Breast Cancer Recurrence: The Role of Dietary Polyphenolics - https://goo.gl/xa1e8B
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