Grandes avanços foram feitos no campo da terapia endócrina do câncer de mama e estudos importantes foram publicados em 2016. Os oncologistas Marcio Debiasi, Sergio Simon e Carlos Barrios, do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM/LACOG), assinam artigo com a retrospectiva 2016 e os estudos que marcaram o cenário do câncer de mama.
O ano de 2016 foi marcado pela publicação de estudos importantes que se detiveram na investigação do papel da hormonioterapia no tratamento do câncer de mama. Nas áreas de doença triplo negativa e HER2 positiva não encontramos publicações que mudassem a prática clínica.
No cenário adjuvante, destacou-se o estudo MA.17R1 que foi apresentado na sessão plenária da ASCO/2016. Neste ensaio clínico, 1918 mulheres que já haviam sido expostas a 5 anos de inibidor de aromatase (precedidos ou não por 2-5 anos de tamoxifeno) foram randomizadas para mais 5 anos de letrozol ou placebo. Esta análise mostrou que o uso extendido do inibidor de aromatase foi efetivo em prolongar a sobrevida livre de doença (SLD) destas pacientes (HR 0,66; p = 0,01). No entanto, cabe a ressalva de que o benefício absoluto desta estratégia é baixo, com 95% das pacientes livre de doença em 5 anos no grupo letrozol e 91% no grupo placebo. Além disso, não houve diferença em sobrevida global (94 vs. 93%) e grande parte do benefício em termos de SLD deveu-se à redução de tumores na mama contralateral. A percentagem de pacientes com diminuição de recidiva à distância foi inferior a 2%. A aplicabilidade clínica deste tipo de estratégia deverá considerar um cuidadoso balanço de risco/benefício já que não existem instrumentos clínicos ou laboratoriais que nos ajudem a identificar quais pacientes deverão se beneficiar de mais 5 anos de hormonioterapia depois de 5-10 anos de tratamento.
Já no cenário paliativo, muitos estudos figuraram entre os destaques de 2016 na área da hormonioterapia. No estudo FALCON2, apresentado na ESMO/2016, o uso de fulvestranto em primeira linha paliativa mostrou-se superior a anastrazol em pacientes nunca anteriormente expostas a qualquer terapia hormonal para câncer de mama. O benefício observado em termos de SLD foi significativo (HR 0,797; IC95% 0,637-0,999; p=0,0486), porém de pequena magnitude absoluta (mediana de DFS: 16,6 vs. 13,8 meses). Dessa forma, mesmo depois de 14 anos do seu lançamento, o fulvestranto demonstrou ser o melhor agente único como terapia endócrina de primeira linha.
Todavia, ainda em primeira linha, mas em mulheres que poderiam já ter recebido hormonioterapia adjuvante, a combinação de palbociclibe (um inibidor de CDK4/6) e letrozol foi superior à monoterapia com letrozol no estudo PALOMA 23 apresentado na ASCO/2016: SLD mediana de 24,8 vs. 14,5 meses (HR 0,58; IC95% 0,46-0,72; p < 0,001). Já o estudo MONALEESA4 foi interrompido pelo Comitê de Monitoramento Independente e teve seus resultados publicados na ESMO/2016 após uma análise interina que demonstrou a superioridade do esquema combinado de letrozol e ribociclib (um outro inibidor de CDK4/6) quando comparado à letrozol monoterapia (letrozol + placebo) em primeira linha paliativa: SLD mediana não atingida no grupo ribociclibe vs. 14.7 meses no grupo placebo (HR 0.56; IC95% 0,43-0,72; p<0,001). Estes dois estudos somam-se ao BOLERO-2 e ao PALOMA 3, apresentados no passado para pacientes com doença mais resistente, indicando que a modulação da sinalização endócrina é capaz de melhorar os resultados do tratamento hormonal com agente único.
Estes achados demonstram que grandes avanços foram feitos no campo da terapia endócrina do câncer de mama, porém, na medida em que avança nosso conhecimento acerca deste tema, também se tornam mais complexas as nossas dúvidas. Tendo-se em vista a complexidade das redes de evidências formadas pelos ensaios clínicos acima descritos e o equilíbrio sutil em termos da relação de benefício e toxicidade existente entre as diferentes estratégias, fica claro que o processo mais racional para a tomada de decisão terapêutica passa pelo desenvolvimento de biomarcadores.Estudos que consigam avaliar o perfil molecular das pacientes no momento da progressão serão fundamentais,tal como já ocorre em outras situações, como na área de câncer de pulmão EGFR mutado com a mutação T790M para a qual já existe estratégia terapêutica específica. Neste sentido, a avaliação da mutação do receptor de estrógeno (ESR1) se apresenta como um alvo que se encontra em estudo abrindo uma nova perspectiva de investigação na área da terapia endócrina para o câncer de mama que foi tão ricamente explorada em 2016.
Referências:
1 - A randomized trial (MA.17R) of extending adjuvant letrozole for 5 years after completing an initial 5 years of aromatase inhibitor therapy alone or preceded by tamoxifen in postmenopausal women with early-stage breast cancer - Goss, Paul E. et al. - J Clin Oncol 34, 2016 (suppl; abstr LBA1)
2 - LBA14_PR - FALCON: A phase III randomised trial of fulvestrant 500 mg vs. anastrozole for hormone receptor-positive advanced breast câncer - M.J. Ellis et al. - Annals of Oncology (2016) 27 (6): 1-36. 10.1093/annonc/mdw435
3 - PALOMA-2: Primary results from a phase III trial of palbociclib (P) with letrozole (L) compared with letrozole alone in postmenopausal women with ER+/HER2– advanced breast cancer (ABC) - Finn, Richard S. et al - J Clin Oncol 34, 2016 (suppl; abstr 507)
4 - LBA1_PR - First-line ribociclib + letrozole for postmenopausal women with hormone receptor-positive (HR+), HER2-negative (HER2–), advanced breast cancer (ABC) - G.N. Hortobagyi et al. - Annals of Oncology (2016) 27 (6): 1-36. 10.1093/annonc/mdw435