O cirurgião Luiz Paulo Kowalski (foto), presidente da International Academy of Oral Oncology (IAOO), fala sobre a importância dos cirurgiões dentistas para identificar precocemente lesões pré-cancerosas na cavidade oral.
Apesar de não estar entre os tipos de câncer destacados pelo Ministério da Saúde para a realização do rastreamento populacional organizado, a detecção precoce do câncer de cavidade oral tem um impacto importante na diminuição da morbidade da doença e na qualidade de vida dos pacientes.
Programas de rastreamento do câncer de boca são relativamente fáceis de executar, sem a necessidade de tecnologias de alta e complexidade e custo elevado. “É um exame feito por um profissional treinado para avaliar lesões orais suspeitas e possivelmente encaminhar para um centro secundário para realização do procedimento diagnóstico. É um programa barato para um câncer de prevalência muito alta na nossa população, com uma mortalidade ainda preocupante”, diz o cirurgião oncologista de cabeça e pescoço, Luiz Paulo Kowalski, presidente da International Academy of Oral Oncology (IAOO).
Apesar disso, falta uma política nacional clara e organizada de abordagem do câncer de boca. O Instituto Nacional do Câncer (INCA), assim como agências de avaliação de tecnologias em saúde de outros países, defende que “as evidências ainda são insuficientes para a recomendação contra ou a favor do exame rotineiro de adultos para o câncer de boca”. Segundo o Instituto, as estratégias de rastreamento populacional para o câncer de boca não têm conseguido demonstrar impacto sobre as taxas de mortalidade.
Para Kowalski, não é sabido o impacto na sobrevida porque não temos estudos populacionais. “O que sabemos é que os pacientes que estão dentro desse sistema têm diagnóstico mais precoce do que aqueles diagnosticados esporadicamente”, diz.
Exemplo disso é um estudo realizado na Índia, país com alta incidência de câncer de cavidade oral, que comparou alguns locais onde era realizado o rastreamento para a doença, com visitas esporádicas de agentes de saúde, com outros locais que não participavam do rastreio. “O que se observou é que naqueles bairros que recebiam as visitas dos agentes de saúde se detectava mais lesões pré-cancerosas e câncer. E, mais importante, o estudo mostrou diminuição da mortalidade por câncer de boca nesses bairros”, diz.
O especialista sugere ainda a utilização de uma estrutura já existente, que não está sendo devidamente aproveitada. “O Programa de Saúde da Família muitas vezes já conta com dentistas. Esses profissionais da atenção primária precisam ser treinados para reconhecer lesões suspeitas e fazer o encaminhamento. Tem muito paciente com câncer avançado que visita o dentista regularmente e este profissional não reconheceu uma lesão inicial anteriormente. O programa de reciclagem profissional deveria ser feito com o dentista generalista”, defende.
Mudança epidemiológica
Se antes o perfil de paciente de alto risco era predominantemente constituído por homens, com mais de 45 anos, tabagistas e/ou etilistas, atualmente as coisas se complicaram. “Não existe mais um perfil. Estamos vendo câncer de boca e pré-câncer em pessoas mais jovens, cada vez mais mulheres, e muitos casos em pessoas que não fumam ou bebem. Muitos desses tumores estão relacionados ao HPV. Independente se fumam ou bebem, homens e mulheres acima de 25 anos deveriam realizar um exame bucal a cada seis meses ou uma vez por ano”, ensina o especialista.
Localização do Câncer | Rastreamento populacional | Diagnóstico precoce | Recomendações |
Cavidade Oral | Não | Sim | População de alto risco inclui tabagistas, etilistas e com infecção pelo HPV. Os principais sintomas são lesões na cavidade oral ou nos lábios que não cicatrizam em até 15 dias; manchas ou placas vermelhas ou esbranquiçadas na língua, gengiva, céu da boca e bochecha; nódulos no pescoço; e dificuldades de fala e de deglutição. |
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