Dados do SISCAN mostram que 40% dos pacientes são atendidos após o prazo máximo. A Lei dos 60 dias caminha aos tropeços e a fiscalização preocupa.
O novo sistema de informação, o SISCAN, que deveria ajudar a monitorar a Lei dos 60 dias, parece longe de alcançar a escala e os objetivos pretendidos. “Em que pesem as boas intenções, essa lei teve pouco efeito prático”, diz o médico Alexandre Fenelon, diretor da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “O governo tem a pretensão de resolver por decreto um problema estrutural”, critica.
O especialista argumenta que cerca de 80% de todos os procedimentos oncológicos de pacientes do Sistema Único de Saúde são realizados por hospitais privados e filantrópicos, mas reclama da política de remuneração do SUS. “O governo tem achatado de forma sistemática os valores pagos por esses serviços, com reajustes muito abaixo da inflação.
Se considerarmos a data da implantação da Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC), em outubro de 1998, temos uma inflação próxima de 200% no período, enquanto os procedimentos de quimioterapia foram reajustados, em média, em 16% e os de radioterapia em 80%, ou seja, a quimioterapia acumula uma defasagem de 60% e a radioterapia de 40%”, aponta. “A política do governo federal é uma receita para o desastre, com ou sem Lei dos 60 dias, pois o problema está ligado a uma questão que é, fundamentalmente, econômica”, avalia.
Outra crítica sobre a Lei dos 60 dias é de caráter técnico. Para a SBOC, o prazo de 60 dias é razoável para a maior parte das neoplasias, mas é longo demais para leucemias agudas e alguns sarcomas pediátricos. E mais: o prazo é fixado a partir do diagnóstico anatomopatológico, mas uma parte substancial do atraso ocorre antes da realização da biópsia.
“Por fim, a responsabilidade pelo cumprimento do prazo é atribuída ao gestor, usualmente o município, embora a responsabilidade pelos recursos seja do governo federal. Não é surpresa, portanto, que a lei não esteja sendo cumprida. Segundo dados do SISCAN, 40% dos pacientes são atendidos após esse prazo máximo de 60 dias, e é bem possível que esses dados sejam otimistas demais, uma vez que o SISCAN inclui apenas 1% dos casos de neoplasia diagnosticados no país”, esclarece o diretor da SBOC.
O Ministério da Saúde diz que todos os Estados já foram capacitados para utilizar o SISCAN. Atualmente, o sistema está presente em 10.970 serviços de saúde de 4.867 municípios, em diferentes estágios de implantação. O sistema possui 29.188 pacientes com câncer registrados, dos quais 13.810 estão em tratamento. O MS informa que dos pacientes em tratamento monitorados pelo SISCAN, aproximadamente 60% estão em cumprimento com a Lei dos 60 dias.
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