Apesar de ainda subutilizados, os serviços de telemedicina já são uma realidade na prática diária dos profissionais de alguns centros de referência no tratamento do câncer no país. Aplicações vão desde o diagnóstico à distância, serviços de segunda opinião e acompanhamento de pacientes até a disseminação de conhecimento científico.
Uma mamografia é realizada durante a passagem de uma unidade móvel de prevenção do Hospital de Câncer de Barretos pelo interior de Rondônia. As imagens digitalizadas, enviadas para as unidades de laudo, em Barretos e São José do Rio Preto, indicam uma suspeita de malignidade, e informam à paciente que o caso deve ser investigado. A situação é um exemplo prático de como a telemedicina tem sido utilizada no dia a dia para diminuir distâncias e melhorar o atendimento e o tratamento do paciente com câncer. “Realizamos mensalmente cerca de 84 mil mamografias, e não é possível a presença de um especialista em todos os exames. O serviço de telemedicina é bem ativo, apresenta boas taxas de concordância e permite que a gente atinja esses números bem significativos”, explica o oncologista Ângelo Gustavo Zucca Matthes, coordenador médico da área. Além das mamografias, o serviço também conta com programas de telediagnóstico de lesões da pele e colo do útero.
O Brasil, particularmente, pode se beneficiar imensamente da prática, dada as dimensões do país e a concentração de instituições de referência em oncologia nos grandes centros. O uso de tecnologias avançadas de comunicação já é rotina nos Estados Unidos. Segundo o oncologista William Nassib William, do MD Anderson Cancer Center, na instituição a telemedicina tem um papel importante no estabelecimento de colaborações para projetos de pesquisa e coordenação de estudos clínicos multi-institucionais de maneira otimizada. “A complexidade associada ao tratamento do paciente com cancer faz da oncologia uma das areas mais propicias para se acelerar o desenvolvimento da telemedicina.”
William participa de reuniões multidisciplinares semanais com o Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes (COAEM) para discutir casos de neoplasias de tórax e cabeça e pescoço. “Posso me conectar via tablet à sala de reunião, com acesso a toda a equipe e exames de imagens, e discutimos em tempo real, dúvidas com relação ao diagnóstico e manejo dos pacientes para definirmos a melhor conduta para cada um dos casos”. Segundo William, a oportunidade de ouvir várias opiniões, com participação de colegas de diferentes disciplinas, é uma ferramenta valiosa. “As discussões contribuem não apenas para a conduta individual de cada caso, mas para o aumento do conhecimento de toda a equipe, além do estabelecimento de padrões de tratamento uniformes, embasados na mais recente literatura médica”, diz.
O oncologista Antonio Carlos Buzaid, chefe geral do COAEM, acrescenta que o centro também realiza reuniões multidisciplinares de tumores de mama e câncer ginecológico ligadas a um centro de câncer na cidade de Bagé. “Nossa ideia no futuro é nos ligarmos a outros centros dos Estados Unidos e do Brasil”, afirma.
Segunda opinião - O programa de telemedicina do COAEM possui também um serviço de segunda opinião, uma alternativa melhor e mais barata de melhorar a assistência prestada a pacientes que se encontram em regiões mais afastadas do país. “São consultas formais, médico a médico, pois o Conselho Federal de Medicina não permite o envolvimento do paciente. O médico envia os exames junto com um relatório, que é avaliado, discutido, e enviado ao paciente, que fica ciente de como foi a discussão e qual a recomendação final de tratamento”, explica Buzaid.
O serviço é realizado tanto em pacientes que nunca foram atendidos como aqueles que já foram seus pacientes e querem que ele mantenha um contato e um controle da situação ao longo do tempo.
“Em geral, a família expressa ao médico o interesse em ouvir uma segunda opinião. Os médicos que já estão acostumados orientam que a consulta pode ser feita por telemedicina ou presencial. “Exceto em situações onde o exame clínico seja importante, os exames de imagem conseguem frequentemente mostrar onde está o problema. O custo fica mais barato para o paciente. Na minha opinião, funciona muito bem”.
O Hospital de Barretos também utiliza a telemedicina para discutir casos clínicos de forma multidisciplinar e multi-institucional, além de alinhar questões administrativas entre as unidades do hospital. “Fazemos algumas reuniões com a Harvard Medical School para tirar dúvidas e ouvir a opinião de profissionais que são referência mundial em sua área de atuação”, explica Gustavo.
Segundo William, em algumas áreas, a telemedicina para segunda opinião é extremamente valiosa. “Um exemplo disso é a análise de lâminas para exame anátomo-patológico utilizando sistemas que podem captar e transmitir imagens microscópicas para avaliação por patologista à distância”, diz.
Conhecimento compartilhado - A educação continuada é a situação mais usual do uso da telemedicina no A.C.Camargo Cancer Center. “Nossa experiência é com educação e disseminação do conhecimento em oncologia”, afirma o cirurgião Felipe José Fernandez Coimbra, Diretor do Núcleo de Cirurgia Abdominal do hospital. Ele conta que são realizadas transmissões de cursos online, por vídeo-conferência, para alguns centros universitários especializados em tratamento cirúrgico e oncológico do aparelho digestivo alto. “Há quatro anos realizamos cursos de técnicas cirúrgicas, com foco em cirurgia minimamente invasiva, em que um professor convidado, junto com a nossa equipe, realiza cirurgias ao vivo com transmissão para o auditório, onde todos os participantes podem interagir com a equipe cirúrgica durante o procedimento, em tempo real. Além disso, a gravação dos encontros fica disponível para acesso posterior”, diz.
Outro exemplo de a difusão de conhecimentosvia telemedicina é a transmissão inédita do 17th Milan Breast Cancer Conference, promovido pelo Istituto Europeo di Oncologia sob a coordenação dos médicos Umberto Veronesi, Aron Goldhirsch e Mário Rietjens. O evento acontece entre os dias 22 e 26 de junho e será retransmitido para um auditório em Barretos através de uma webcast. Serão quatro dias de eventos. Os dois primeiros dias são eminentemente cirúrgicos, com ênfase em reconstrução mamária. Os outros dois dias trazem discussões multidisciplinares relacionados ao câncer de mama. Uma senha será fornecida aos participantes, permitindo ao acesso na íntegra de todo o conteúdo por um ano.
Segundo Gustavo, a iniciativa partiu dos próprios organizadores, que ofereceram a possibilidade de retransmissão do evento. “É uma oportunidade de ter acesso a grandes experts sem precisar se deslocar para outro país, inclusive com a possibilidade de interação e diálogo em tempo real”.
Subutilização- Para Buzaid, não há dúvida de que o Brasil subutiliza esse tipo de serviço, por falta de cultura, falta de conhecimento de que isso pode ser útil. “Nos EUA agora tem uma tendência de consulta por telemedicina do médico com o paciente, remunerada pelas próprias seguradoras”, diz.
Segundo o médico e professor Chao Lung Wen, coordenador do Núcleo de Telemedicina e Telessaúde do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho Brasileiro de Telemedicina e Telessaúde, o Brasil subutiliza principalmente pelo fato haver pouco incentivo governamental no uso de telemedicina em oncologia, porque há carência de grupos com linhas de pesquisa para organização de serviços e avalição de impacto para a área, e ausência de critérios para a remuneração profissional por serviços prestados por meio de Telemedicina. “É preciso ter em mente que não se pode utilizar a telemedicina para reduzir a qualidade, substituir uma consulta presencial por uma consulta online. O que pode ser feito, no máximo, é uma triagem especializada à distância, para reconhecer, por exemplo, doenças em fase precoce, e realizar o encaminhamento. Por exemplo, muitos dentistas não sabem as características de câncer de boca, e você pode utilizar a telemedicina com um oncologista para uma pré-avaliação clínica”, diz.
Chao acredita que é preciso cuidado para não haver uma intensa mercantilização que coloque em risco a vida do paciente. “Qualquer novo serviço que utilize a telemedicina deve passar antes por um estudo clínico dentro da universidade, ser aprovado por uma comissão de ética onde os resultados, os parâmetros, sejam quantificados e analisados. A telemedicina tem muita chance de evoluir se for feito esse tipo de parceria, onde você trabalha com a universidade para avaliar a efetividade e depois implementar no mercado”, diz.