Depois da ASCO, grandes nomes da onco-hematologia brasileira participaram do 19º Congresso da European Hematology Association (EHA), encontro que é palco dos principais avanços terapêuticos. É nesse contexto que a evolução vivida pela especialidade fica ainda mais evidente. “Estamos diante de um novo paradigma no tratamento do câncer e na onco-hematologia posso dizer que essa nova era é sentida de forma ainda mais intensa, com a maior compreensão dos mecanismos biológicos das diversas doenças“, diz Carlos Chiattone, da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).
A experiência prática demonstra que identificar as vias de sinalização ligadas ao tumor é caminho preferencial para o desenvolvimento de agentes terapêuticos mais direcionados a alvos específicos. O racional que vale para os tumores sólidos também é verdadeiro no cenário das malignidades hematológicos. “Estamos longe ainda, mas de algum modo saímos da era da quimioterapia como opção isolada para entrar na era dirigida ao alvo”, resume.
A primeira grande mudança veio com a possibilidade de desenvolver em laboratório um anticorpo monoclonal específico para um antígeno presente na superfície dos linfócitos B, que é o antígeno CD-20. É a era do rituximabe, um agente anti-CD20 que trouxe grande impacto na prática clínica e no dia a dia dos pacientes do mundo inteiro.
Nos anos 90, o grupo francês de Lyon liderado pelo onco-hematologista Bertrand Coiffier demonstrou que associar o anticorpo monoclonal à quimioterapia trouxe resultados ainda melhores. “Foi um impacto enorme e uma série de resultados positivos passaram a ser demonstrados nas doenças linfoproliferativas de células B, principalmente no linfoma difuso de grandes células B, com ganho de aproximadamente 20% nas taxas de cura”, diz o especialista.
Foi um divisor de águas. De lá para cá, uma série de outras possibilidades terapêuticas ampliaram o arsenal à disposição da onco-hematologia. Agora, a bola da vez são os anti-CD-30 de última geração. “São anticorpos mais potentes, que ainda têm a capacidade de transportar drogas e toxinas para o interior do antígeno, como um exocet”, compara Chiattone.
O brentuximab vedotin ilustra esses agentes de última geração e combina as propriedades dos anticorpos monoclonais às vantagens dos ADCs, os anticorpos droga-conjugados. Em 2010, o conjugado demonstrou resultados no linfoma de Hodgkin, em pacientes refratários ou em recidiva, com quase 40% de remissão parcial da doença, promovendo redução do tumor em 94% dos pacientes. Na ASCO do ano passado, os resultados de um estudo de fase II também indicaram 42% de resposta objetiva ao brentuximab vedotin entre pacientes com linfoma difuso de grandes células B.
Outro agente celebrado é o inibidor de quinase ibrutinib, que apresentou na ASCO deste ano os resultados do ensaio clínico de fase 3 RESONATE e confirmou o perfil tolerável de toxicidade em pacientes idosos com leucemia linfocítica crônica (LLC).
Os anti-CD20 também vivem uma evolução, com anticorpos mais humanizados. Em pacientes de LCC refratários a fludarabina e a alemtuzumab, o novo agente ofatumumab mostrou taxa de resposta global de 51% como monoterapia. Vários estudos de combinações com ofatumumabe estão em curso e por ora os resultados da combinação com bendamustina (BendOfa) mostram um perfil de eficácia e toxicidade favorável.
“O mais relevante de tudo isso é que começamos a decifrar as vias moleculares que fazem a proliferação celular e que fazem com que as células cancerosas possam se reproduzir. Essa é a grande mudança”.
Registro e regulação brasileira
A pergunta que não quer calar é como difundir aqui as novidades que chegam à onco-hematologia se os altos custos ainda pesam na equação da saúde pública?
“O esporte predileto de muita gente é falar mal do SUS e não é bem assim”, diz o diretor da ABHH. “Acho que o SUS tem seus méritos, mas também quando há defeitos a sociedade precisa apontar. O que ocorre no Brasil hoje é um atraso muito grande, porque o mundo assistiu à introdução de novas drogas, com plena concordância das agências regulatórias internacionais, mas a nossa regulação não entendeu e não aprovou para os pacientes brasileiros”, lamenta.
A crítica da ABHH vem ilustrada pela bendamustina, que não é do repertório de última geração mas sim um quimioterápico recentemente rejeitado pelo governo, uma droga entendida como alternativa terapêutica para um perfil de paciente que hoje não dispõe de outras opções. “A agência brasileira deixou esse vácuo”.
Outro caso conhecido é a posição da Anvisa em relação à lenalidomida no mieloma múltiplo (MM). A Anvisa argumentou falta de evidência. A lenalidomida no tratamento do MM é tema de revisão sistemática da Cochrane e as conclusões do trabalho fortalecem as evidências em favor da utilização desse agente terapêutico em pacientes de MM.
Veja também artigo sobre o estudo RESONATE