Estudo que avaliou 104.980 participantes da coorte francesa NutriNet-Santé (2009-17) mostrou associação positiva entre o consumo de alimentos ultraprocessados e risco de câncer. Os dados foram publicados no British Medical Journal.
Um total de 104 980 participantes (22 821 homens (21,7%) e 82 159 mulheres (78,3%) foram incluídos no estudo, com idade média de 42,8 anos. A análise final mostrou que o mais alto grau de ingestão de alimentos ultraprocessados foi na população mais jovem, fumante e com menor escolaridade, menor nível de atividade física e com menos história familiar de câncer. Embora haja maior proporção de mulheres do que homens nesta coorte, a contribuição de alimentos ultraprocessados para a dieta geral foi muito semelhante entre homens e mulheres (18,74% para homens e 18,71% para mulheres, P = 0,7).
A ingestão de alimentos ultraprocessados foi associada a maior risco de câncer global (n = 2228 casos), HR 1,12 (intervalo de confiança de 95%, 1,06 a 1,18); P para tendência <0,001) e aumentou o risco de câncer de mama (n = 739 casos, hazard ratio 1,11 (1,02 a 1,22); P para tendência = 0,02).
Em conclusão, este grande estudo prospectivo mostrou que um aumento de 10% na proporção de alimentos ultraprocessados na dieta foi associado a um aumento significativo de mais de 10% no risco de câncer em geral e câncer de mama.
Os principais grupos de alimentos ultraprocessados foram produtos açucarados (26%) e bebidas (20%), seguidos de alimentos à base de amido e cereais para café da manhã (16%), frutas e legumes ultraprocessados (15%).
Alimentos ultraprocessados geralmente possuem maior teor de gordura total e gordura saturada, adição de açúcar e sal, além de menor densidade de fibras e vitaminas. E os problemas podem estar além da composição nutricional. O processamento dos alimentos pode gerar contaminantes neoformados, alguns com propriedades cancerígenas (como acrilamida, aminas heterocíclicas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos), gerados como resultado do tratamento térmico (reação de Maillard). O artigo do BMJ também alerta que embalagens de alimentos processados podem conter materiais carcinogênicos e endócrinos em contato com o alimento, como é o caso do bisfenol.
“Finalmente, os alimentos ultraprocessados contêm aditivos alimentares autorizados, mas controversos, como nitrito de sódio na carne processada ou dióxido de titânio (TiO2, pigmento alimentar branco), para o qual a carcinogenicidade foi sugerida em modelos animais ou celulares”, apontam os autores.
Mais estudos são necessários para compreender melhor o efeito das várias dimensões do processamento (composição nutricional, aditivos alimentares, materiais de contato e contaminantes neoformados) nessas associações.
O estudo de potenciais efeitos sobre a saúde dos alimentos ultraprocessados é um campo de pesquisa muito recente, facilitado pelo desenvolvimento da classificação NOVA de produtos de acordo com seu grau de processamento de alimentos. Os poucos estudos realizados observaram que a ingestão de alimentos ultraprocessados foi associada a maior incidência de dislipidemia em crianças brasileiras e maiores riscos de sobrepeso, obesidade e hipertensão em uma coorte prospectiva de estudantes universitários espanhóis.
Referências: Consumption of ultra-processed foods and cancer risk: results from NutriNet-Santé prospective cohort - BMJ 2018;360:k322 - doi: https://doi.org/10.1136/bmj.k322 - (Published 14 February 2018)