O estudo de Masatoshi Kudo e colegas1 publicado no Lancet é o primeiro estudo multicêntrico, randomizado, de fase 3, a demonstrar resultados positivos no carcinoma hepatocelular desde 2007, com a publicação dos dados de sorafenibe. No entanto, um provocativo artigo publicado simultaneamento na mesma edição do Lancet2 levanta uma questão central: esse estudo de não-inferioridade tem poder para mudar a prática clínica? A oncologista Renata D'Alpino (foto), coordenadora de Tumores Gastrointestinais e Neuroendócrinos do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e membro do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG), comenta o trabalho.
O estudo inscreveu 954 pacientes, estratificados de acordo com a região e critérios clínicos para receber sorafenib (n=476) na dose estabelecida para a terapia sistêmica ou lenvatinib (n=478) a uma dose ajustada por peso corporal. O endpoint primário foi sobrevida global. Endpoints secundários incluíram sobrevida livre de progressão, tempo de progressão, resposta objetiva e qualidade de vida.
O design de não-inferioridade deste estudo mostrou que os dois tratamentos tiveram eficácia semelhante. A sobrevida global não foi diferente entre os braços (13 · 6 meses versus 12 · 3 meses, hazard ratio 0 · 92 [IC 95% 0 · 79-1 · 06].
No entanto, um provocativo editorial publicado simultaneamente na mesma edição do Lancet2 levanta uma questão central: esse estudo de não-inferioridade tem poder para mudar a prática clínica?
O editorial, assinado por Maria Reig e Jordi Bruix, sustenta que os dados de sobrevida mais promissores com lenvatinib em comparação com sorafenib podem ser explicados pela exclusão de pacientes com envolvimento de mais de 50% do fígado ou invasão da veia porta principal ou árvore biliar. “Curiosamente, a duração do tratamento com sorafenib foi menor do que em estudos prospectivos anteriores, mas como esperado a duração do tratamento foi semelhante ao tempo para progressão. No entanto, este efeito não foi observado com lenvatinib e o tempo sob tratamento foi menor que o tempo para progressão (5,7 vs 8,9 meses)”, diz o editorial. “Até que ponto isso poderia implicar um viés?”, questiona.
Entender questões como essas é fundamental na hora de decidir entre sorafenib ou lenvatinib.
“Apesar deste estudo ter sido o primeiro a mostrar que uma droga não é inferior a sorafenibe na primeira linha de tratamento de hepatocarcinoma, ele não muda a prática clínica, principalmente no Brasil, onde o lenvatinibe (inibidor multiquinase anti-VEGFR 1, 2 e 3) não é disponível”, afirma a oncologista Renata D'Alpino.
“As taxas de resposta e a sobrevida livre de progressão foram interessantemente maiores com lenvatinibe, porém, a sobrevida global foi numericamente semelhante entre as duas drogas. Além disso, o tempo sob tratamento dos pacientes que receberam lenvatinibe foi inferior ao tempo para progressão tumoral, fato curioso e que, possivelmente levanta a suspeita de vieses a favor do lenvatinibe”, observa a especialista.
Referências: 1 - Kudo M, Finn R, Qin S, et al. Lenvatinib versus sorafenib in first-line treatment of patients with unresectable hepatocellular carcinoma: a randomised phase 3 non-inferiority trial. Lancet 2018; published online Feb 9. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)30207-1
2 - Reig, María et al. - Lenvatinib: can a non-inferiority trial change clinical practice? - Lancet 2018; published online Feb 9 - DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)30208-3