Onconews - Diretrizes de tratamento do câncer de cabeça e pescoço durante a pandemia

Aline Chaves NET OKO Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço (GBCP) liderou uma iniciativa mundial para adequar os tratamentos dos pacientes com carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço (CECCP) durante a pandemia do COVID-19. A discussão gerou um editorial publicado online no periódico Oral Oncology. A oncologista Aline Chaves (foto), presidente do GBCP e primeira autora do artigo comenta as recomendações.

Por Aline Lauda Chaves, presidente do Grupo Brasileiro de Câncer de Cabeça e Pescoço (GBCP)

A infecção causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19) foi declarada pela OMS uma emergência mundial de saúde em 30 de janeiro de 2020. Desde então, os sistemas de saúde e hospitais estão lidando com vários desafios, desde cuidados sanitários, organização de leitos, cuidados com profissionais de saúde e tratamentos dos pacientes infectados.

A despeito da emergência causada pelo COVID-19, as outras doenças continuam com sua morbidade e mortalidade, necessitando da adaptação para um tratamento efetivo, sem comprometer o paciente e nem quem cuida do mesmo.

Especificamente em relação aos pacientes com carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço (CECCP), é importante pontuar que geralmente são mais velhos e com comorbidades que estão associadas a complicações da infecção pelo COVID-19 (como DPOC); estão submetidos a tratamentos que demanda maior exposição ao vírus (radioterapia diária, múltiplas consultas com equipe multidisciplinar); e por conta do tratamento do câncer estão em maior risco de complicações e mortalidade pela infecção pelo COVID-19.

A premissa inicial deste guideline foi tentar, ao máximo, não desviar do tratamento padrão, além de proteger o paciente e profissionais envolvidos com seu tratamento.

Recomendações gerais

- Não adiar ou interromper o tratamento dos pacientes com CECCP, a não ser que existam razões clínicas para isso. Adiar o tratamento ou interrompê-lo pode levar à progressão de doença e impactar negativamente na sobrevida. Se possível, testar os pacientes antes de iniciar o tratamento. Se o paciente estiver infectado, a sugestão é adiar o início do tratamento em duas semanas;

- Realizar endoscopia ótica flexível somente se necessário para definir o tratamento: a carga viral nasal é alta e expõe os profissionais de saúde que fazem o procedimento;

-  Manter o cuidado multidisciplinar: suporte nutricional/fonoaudiológico/ odontológico é fundamental durante o tratamento, diminuindo suas complicações e melhorando a qualidade de vida dos pacientes. Procedimentos profiláticos como o laser dever ser evitados devido ao risco oferecido aos profissionais que o executam;

- Individualizar o tratamento do CECCP inicial: cirurgia é um procedimento rápido, mas expõe mais os profissionais de saúde e pode não ser factível pela falta de leitos cirúrgicos/CTI. Se indicada (para pacientes sem sintomas gripais), a recomendação é testar o paciente previamente e realizar TC de tórax. Radioterapia (apesar de demandar mais idas a hospitais/clínicas) pode ser uma opção melhor, principalmente para tumores de laringe e orofaringe;

- Quimioterapia concomitante à radioterapia é o tratamento padrão para doença localmente avançada – o terceiro ciclo de cisplatina pode ser omitido em algumas situações, tendo em vista que a dose cumulativa de 200mg/m2 já demonstra ganho em sobrevida;

- Quimioterapia de indução não deve ser indicada rotineiramente como opção para adiar a cirurgia ou radioterapia. Estudos já demonstraram a falta de ganho de sobrevida com essa estratégia. Além disso, a imunossupressão secundária a este tratamento pode aumentar o risco dos pacientes. Não é recomendável o uso de fator de crescimento devido ao risco de “cytokine storm” em pacientes que se infectam pelo COVID-19, causando maior mortalidade pela síndrome hiperinflamatória;

- Cisplatina concomitante a radioterapia pós operatória deve ser indicada apenas para pacientes de alto risco, e mesmo nestes, o risco deve ser individualizado. O terceiro ciclo de cisplatina pode ser omitido em alguns casos;

- Doença recidivada ou metastática: em geral, manter o tratamento (seja quimio, imunoterapia ou antiEGFR); priorizar tratamentos menos tóxicos, com intervalos mais longos entre os ciclos;

- Radioterapia hipofracionada pode ser considerada para cuidados paliativos (para encurtar tempo de tratamento);

- Seguimento: para pacientes com baixo risco de recidiva, o indicado é adiar consultas de rotina ou optar por teleconsultas.

A pandemia causada pelo COVID-19 é uma emergência que demanda nossa adaptação e resiliência, principalmente nos cuidados com os pacientes. Porém, a mortalidade causada pelo CECCP é alta, principalmente se não tratado de forma adequada e junto à equipe multidisciplinar.

Referência: Emergency changes in International Guidelines on Treatment for Head and Neck Cancer Patients During the COVID-19 Pandemic – Aline Lauda Freitas Chaves et al - Available online 24 April 2020. - https://doi.org/10.1016/j.oraloncology.2020.104734