Análise agrupada de três ensaios clínicos (Estados Unidos, China e Coreia do Sul) demonstrou que a acupuntura reduziu significativamente os fogachos e outros efeitos colaterais hormonais da terapia endócrina realizada por mulheres com câncer de mama. Ricardo Caponero (foto), oncologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, comenta os resultados publicados na Cancer, periódico da American Cancer Society.
“Os fogachos são um efeito colateral comum da terapia endócrina (TE) que contribui para a má qualidade de vida e diminuição da adesão ao tratamento. Estudos avaliaram o impacto da acupuntura nos fogachos em mulheres com câncer de mama em estágio inicial submetidas à terapia endócrina, com resultados mistos”, contextualizaram os auores.
Para fornecer mais informações sobre o potencial da acupuntura no controle dos efeitos colaterais da terapia endócrina, os investigadores conduziram um projeto multinacional coordenado que consiste em três ensaios clínicos randomizados paralelos nos Estados Unidos, China e Coreia do Sul que utilizaram os mesmos critérios de elegibilidade, protocolo de acupuntura e medidas de estudo.
Um total de 158 mulheres com câncer de mama em estágio 0-III foram randomizadas para os grupos de acupuntura imediata ou acupuntura de controle tardia (Estados Unidos, n = 78; China, n = 40; Coreia do Sul, n = 40). As participantes do grupo de acupuntura imediata receberam acupuntura duas vezes por semana durante 10 semanas e foram acompanhadas por mais 10 semanas sem acupuntura. As participantes do grupo de acupuntura de controle tardia receberam cuidados habituais durante 10 semanas, depois passaram para acupuntura com intensidade reduzida (uma vez por semana) durante 10 semanas.
O endpoint primário foi uma mudança no escore na subescala de sintomas endócrinos da Avaliação Funcional da Terapia do Câncer (FACT) – Sintomas Endócrinos entre o início do estudo e a semana 10. Endpoints secundários incluíram o escore dos fogachos e o escore FACT-Breast. Uma análise agrupada planejada de dados individuais de pacientes foi realizada utilizando modelos mistos longitudinais.
Resultados
Na semana 10, as participantes do grupo de acupuntura imediata relataram melhorias estatisticamente significativas no escore da subescala de sintomas endócrinos (mudança média ± erro padrão: 5,1 ± 0,9 vs. 0,2 ± 1,0; p = 0,0003), no escore de fogachos (-5,3 ± 0,9 vs. - 1,4 ± 0,9; p < 0,003) e no escore total do FACT-Breast (8,0 ± 1,6 vs. −0,01 ± 1,6; p = 0,0005) em comparação com participantes do de acupuntura de controle tardia. O efeito da intervenção de acupuntura diferiu por local (p = 0,005).
Entre a semana 10 e a semana 20, os escores não mudaram significativamente para os participantes do grupo de acupuntura imediata, e as participantes do braço de de acupuntura de controle tardia que receberam acupuntura semanalmente durante esse período tiveram melhorias significativas nos escores de sintomas em relação à semana 10. Não houve efeitos colaterais relacionados à acupuntura relatados por nenhuma das participantes.
Em síntese, a acupuntura levou a melhorias estatisticamente e clinicamente significativas nos fogachos, nos sintomas endócrinos e na qualidade de vida específica do câncer de mama em mulheres submetidas a terapia endócrina para câncer de mama nos Estados Unidos, China e Coreia do Sul.
“Ao manejar os efeitos secundários, a nossa abordagem torna mais fácil para as pacientes continuarem com a medicação prescrita, o que tem o potencial de reduzir o risco de recorrência do câncer e melhorar os resultados a longo prazo para as sobreviventes do câncer de mama”, disse o autor principal Weidong Lu, do Dana-Farber Cancer Institute.
O estudo em contexto
Por Ricardo Caponero, oncologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
A menopausa é uma etapa normal da vida das mulheres, e está associada ao surgimento de diversos sintomas. Alguns, como a perda de massa óssea, passam despercebidos pelas mulheres, mas outros, como fadiga, fogachos, secura vaginal e perda de libido, causam muito desconforto e diminuição da qualidade de vida.
Os fogachos, os Síndrome Vaso-Motora, ocorrem pela desregulação dos centros responsáveis pelo controle da temperatura corpórea, mediado pela interação de receptores de estrógeno e neurotransmissores, entre os quais, a neuroquinina 3.
Os sintomas vasomotores atingem mais de 80% das mulheres, e são muito intensos e desconfortáveis em 30% delas.
Há um aspecto sociocultural na manifestação dos sintomas da menopausa, e ele varia com hábitos e estilo de vida, sendo mais intenso em fumantes, obesas e sedentárias. Os sintomas vasomotores também são mais intensos em pacientes mais jovens, e com a supressão mais profunda dos níveis de estrogênio (são piores com a supressão ovariana e com o uso de inibidores da aromatase).
A terapia de reposição hormonal alivia os sintomas em 85% das mulheres, mas é contraindicada na maioria das pacientes diagnosticadas ou com risco para a neoplasia de mama, fazendo com que seja necessária a busca por outras opções de tratamento, não hormonais.
É relevante que até 30% das mulheres melhoram com placebo, o que demonstra os aspectos psicogênicos que compõem esse sintoma. Há diversas opções farmacológicas não hormonais, desde o uso de Cemicifuga racemosa até o mais moderno Fezolinetanto, um inibidor de neuroquinina 3, de benefício modesto e custo elevado (US$ 500,00 ao mês). Costumo dizer que quando há muitas opções, nenhuma delas é ótima, nem péssima, ou as escolhas seriam mais fáceis.
Além da terapia farmacológica, diversos outros métodos foram avaliados. Os mais efetivos foram dieta e exercícios físicos. A terapia cognitivo comportamental, meditação, yoga e outras práticas também têm relatos de melhora na qualidade de vida. Um sintoma tão prevalente leva a inúmeras pesquisas, e entre elas está a acupuntura.
Existem inúmeros problemas metodológicos com a acupuntura, que não temos espaço para detalhar aqui, mas isso produz resultados muito variáveis, de forma que as meta-análises se tornam pouco confiáveis e os consensos, em geral, atribuem baixo nível de evidência para a acupuntura.
O trabalho aqui apresentado mostra resultados favoráveis, mas a interpretação dos dados deixa dúvida se os resultados são clinicamente significativos ou fruto dos desfechos escolhidos para a mensuração. De qualquer forma, é mais um trabalho que lança luz sobre essa abordagem, mas que não é suficiente, na minha visão, para fazer da acupuntura uma recomendação rotineira.
Referência:
Acupuncture for Hot Flashes in Hormone Receptor-Positive Breast Cancer, A Pooled Analysis of Individual Patient Data from Parallel Randomized Trials.” Weidong Lu, Anita Giobbie-Hurder, Anna Tanasijevic, Sylvia Baedorf Kassis, Sung Hwan Park, Young Ju Jeong, Im Hee Shin, Chang Yao, Hyun Jung Jung, Zhiyuan Zhu, Chao Bao, Ting Bao, EunMee Yang, Barbara E. Bierer, and Jennifer A. Ligibel. CANCER; Published Online: June 24, 2024 (DOI: 10.1002/cncr.35374).