A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) elaborou um guideline com orientações baseadas em evidências para o tratamento sistêmico de pacientes com câncer anal em estágio I-III. Publicado no Journal of Clinical Oncology (JCO), o trabalho tem participação da oncologista Rachel Riechelmann (foto), Diretora de Oncologia do A.C.Camargo Cancer Center.
“Em 2024, estima-se que houve 10.540 novos casos e 2.190 mortes devido a cânceres anal e anorretal, um tipo de câncer relativamente raro, mas com taxas de mortalidade ajustadas pela idade aumentando em média 5,1% a cada ano entre 2013 a 2022”, observaram os autores.
O tipo mais comum de câncer anal é o carcinoma de células escamosas (CCE), e a maioria dos casos está relacionada à infecção pelo papilomavírus humano (HPV). Os fatores de risco comuns incluem infecção por HIV e tabagismo.
Esse aumento da incidência de câncer anal reforça a necessidade crescente de opções de tratamento mais avançadas e eficazes. “Além dos resultados de sobrevida, a resposta completa é um resultado de interesse importante, pois os respondedores completos à quimiorradiação definitiva (CRT) podem evitar a ressecção abdominoperineal, que envolve a perda do esfíncter anal e uma colostomia permanente”, destaca a publicação.
Para a elaboração das diretrizes, uma revisão sistemática da literatura foi conduzida pelo Minnesota Evidence-based Practice Center, fornecendo a base de evidências que foi revisada por um Painel de Especialistas da ASCO para estabelecer um consenso sobre o conjunto de recomendações.
A revisão sistemática incluiu três ensaios clínicos randomizados e três estudos não randomizados de intervenções que eram relevantes para o tópico da diretriz e informaram as recomendações.
Esta diretriz de prática clínica aborda quatro perguntas clínicas: 1 - Quais os agentes de quimioterapia dupla ou única radiossensibilizantes recomendados para pacientes com câncer anal em estágio I-III?; 2 - Quais são as doses e o cronograma recomendados para as opções de quimioterapia incluídas nas recomendações?; 3 - A quimioterapia de indução é recomendada para pacientes com câncer anal em estágio I-III?; e 4 - A quimioterapia adjuvante contínua é recomendada para pacientes com câncer anal em estágio I-III?
Recomendações
A diretriz recomenda a mitomicina-C (MMC) com uma fluoropirimidina (fluorouracil [FU] ou capecitabina) como o componente radiossensibilizador da quimiorradiação (CRT) para câncer anal. O Painel de Especialistas reconhece que a capecitabina é frequentemente usada como uma alternativa administrada oralmente à FU e está sendo usada atualmente em ensaios clínicos em andamento.
“Cisplatina com fluorouracil é uma combinação adicional de quimioterapia que pode ser recomendada como quimioterapia radiosensibilizante. Devido à mielossupressão associada à mitomicina-C, o regime preferível para pacientes com imunossupressão é cisplatina e FU”, observam os autores.
O Painel de Especialistas também não recomenda a cisplatina para pacientes com disfunção renal, neuropatia significativa ou perda auditiva, e reforça que não há evidências que recomendem a substituição da carboplatina pela cisplatina. As opções de dose e cronograma para os agentes quimioterápicos recomendados estão incluídas no texto completo da diretriz.
“A quimioterapia de indução de rotina antes da quimiorradioterapia (QRT) e a quimioterapia adicional após a QRT não são recomendadas para pacientes com câncer anal localizado”, afirmam os autores.
Rachel ressalta a importância de a diretriz endossar a substituição da mitomicina pela cisplatina, que é o medicamento utilizado no Brasil devido à falta nacional da mitomicina. “A mitomicina não está mais disponível no país, e quando a gente precisa é necessário a importação, o que torna a droga de alto custo. Além de endossar a utilização da cisplatina em substituição da mitomicina, a diretriz também endossa o uso da capecitabina em substituição ao fluororacil infusional, que muitas vezes é o que conseguimos fazer em serviços do SUS, porque evita a colocação de cateteres, a internação do paciente”, destaca, observando que apesar de não ter dado randomizado, os dados indiretos mostram que o resultado é muito parecido.
“Estudos conduzidos pelo nosso grupo, incluindo uma meta-análise, mostrou uma taxa de cura, de resposta completa, de 88%, com a substituição da capecitabina pelo fluoracil em combinação com a platina ou a mitomicina. Esse é um dos aspectos interessantes desta diretriz, endossar práticas que a gente já faz. Inclusive, esse foi o meu papel como coautora, trazer esse endosso pra que tenha uma aplicabilidade prática para o Brasil”, conclui Riechelmann.
Informações adicionais estão disponíveis em www.asco.org/gastrointestinal-cancer-guidelines.