Onconews - Associação da gravidez com progressão tumoral em pacientes com glioma

A gravidez após o diagnóstico de glioma foi associada a menor sobrevida livre de progressão em estudo que considerou cerca de 10 anos de acompanhamento. O tempo médio para a progressão desde o início da gravidez foi de 53,6 meses, como apontam os resultados de Leibetseder et al. publicados no European Journal of Cancer. "Pacientes em idade fértil enfrentam dilemas significativos devido às possíveis interações entre os mecanismos biológicos da gravidez – hormonais e imunológicos – e o crescimento tumoral", observa a oncologista Camilla Yamada (foto), Líder da Neuro-Oncologia da BP- A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Uma proporção significativa de mulheres em idade reprodutiva é diagnosticada com gliomas difusos, resultando na necessidade de abordar a segurança da gravidez na consulta ao paciente. No entanto, os dados sobre a progressão do glioma durante e após a gravidez são escassos e controversos.

Nesta análise, mulheres em idade reprodutiva (≥18 anos e <46 anos) com diagnóstico histológico de glioma entre 01/01/2000 e 01/12/2019 foram incluídas, a partir de 2 centros acadêmicos da Áustria. As participantes foram reclassificadas de acordo com a classificação de tumores do Sistema Nervoso Central da Organização Mundial de Saúde de 2021. A coorte foi dividida em 3 grupos, definidos como (A) nulíparas, (B) primíparas/multíparas antes do diagnóstico de glioma e (C) primíparas/multíparas após o diagnóstico de glioma. As análises de sobrevida consideraram a paridade como covariável dependente do tempo.

Os resultados revelam que 159/368 mulheres atenderam aos critérios de inclusão, resultando em 47 (29,6%) nulíparas, 88 (55,3%) primíparas/multíparas antes do diagnóstico de glioma e 24 (15,1%) primíparas/multíparas após o diagnóstico.

Em um acompanhamento mediano de 127,4 meses (intervalo de 0,7 a 341,9), a sobrevida global mediana e a sobrevida livre de progressão foram de 247,6 meses (intervalo de 0,4 a 269,1) e 67,9 meses (intervalo de 0,7 a 341,9), respectivamente.  Os autores descrevem que 113/159 (71,1%) pacientes apresentaram progressão tumoral e 53/159 (33,3%) faleceram. No total, 57,4% das nulíparas, 76,1% das primíparas/múltiplas antes do diagnóstico de glioma e 79,1% das primíparas/múltiplas após o diagnóstico de glioma apresentaram progressão tumoral (p>0,05). Na análise multivariada dependente do tempo, primíparas/multíparas após o diagnóstico de glioma apresentaram menor sobrevida livre de progressão (HR 2,45, p=0,0079), mas não sobrevida global (HR 0,54, p>0,05) em comparação aos outros dois grupos.

Em conclusão, a gravidez após o diagnóstico de glioma foi associada a menor sobrevida livre de progressão. Acompanhamento mais longo e coortes maiores são necessários para investigar o potencial impacto da gravidez na sobrevida global.

Estudo em contexto

Por Camilla Yamada, oncologista clínica, líder da neuro-oncologia da BP- A Beneficência Portuguesa de São Paulo

Este artigo aborda uma questão crucial e frequente no consultório de oncologia: o desejo de engravidar após o diagnóstico de glioma, especialmente entre pacientes jovens com gliomas de grau 2 e 3 que apresentam mutação IDH. Essas pacientes estão em idade fértil e enfrentam dilemas significativos devido às possíveis interações entre os mecanismos biológicos da gravidez – hormonais e imunológicos – e o crescimento tumoral.

Os principais achados indicam que nenhuma paciente apresentou piora do quadro durante a gestação e não houve diferença na sobrevida global. Embora tenha sido observada uma redução na sobrevida livre de progressão entre pacientes que engravidaram após o diagnóstico, é importante destacar que os dados ainda são imaturos, derivam de uma análise retrospectiva e o número de participantes é limitado.

O estudo contribui para enriquecer a discussão complexa que envolve pacientes com gliomas que desejam ter filhos após o diagnóstico. A abordagem ideal inclui um debate conjunto entre a equipe multidisciplinar, paciente e seu parceiro, considerando cuidadosamente todos os dados disponíveis.

Referência:

Annette Leibetseder, Maximilian J. Mair, Anika Simonovska Serra, Zoltan Spiro, Martin Aichholzer, Georg Widhalm, Franziska Eckert, WohrerAdelheid Wöhrer, Raimund Helbok, Serge Weis, Matthias Preusser, Josef Pichler, Anna Sophie Berghoff, Association of pregnancy with tumour progression in patients with glioma, European Journal of Cancer, 2025, 115259, ISSN 0959-8049, https://doi.org/10.1016/j.ejca.2025.115259.