Onconews - ASTRO 2021: estudo mostra resultados da radioterapia hipofracionada pós-prostatectomia

bernardo salvajoli 2020 bxA radioterapia hipofracionada no tratamento de pacientes com câncer de próstata pós-prostatectomia não aumenta os efeitos colaterais tardios (2 anos) ou impacta a qualidade de vida em comparação com o tratamento radioterápico convencional. Os resultados do estudo fase III NRG Oncology GU003 foram apresentados no Congresso Anual da American Society for Radiation Oncology (ASTRO). Bernardo Salvajoli (foto), médico especialista em radioterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Hospital do Coração (HCorOnco), comenta os resultados.

O uso de cursos de radioterapia mais curtos já é um padrão de prática bem estabelecido para pacientes que optam por não fazer a prostatectomia, com base nos resultados de vários ensaios clínicos randomizados. Este estudo é o primeiro de fase III a testar se a radioterapia hipofracionada também é uma opção viável após a prostatectomia. “A radioterapia de salvamento é indicada para pacientes com níveis crescentes de PSA após a cirurgia, hoje utilizando valores cada vez mais baixos a partir de 0,1ng/ml ou subidas consecutivas. Já a radioterapia adjuvante está sendo reservada para pacientes com doença muito avançada localmente, com muitos fatores de risco de recorrência e/ou linfonodos positivos”, esclarece Salvajoli.

Neste estudo, foram apresentados dados de um dos endpoints primários, onde os pesquisadores buscaram determinar se a radioterapia pós-operatória hipofracionada no leito da próstata (HYPORT) não aumenta a toxicidade geniturinária (GU) ou gastrointestinal (GI) relatada pelo paciente em relação à radioterapia pós-operatória com fracionamento convencional (COPORT).

Os pacientes elegíveis tinham adenocarcinoma da próstata e PSA indetectável (<0,1 ng / mL) com margem negativa pT3pN0 / X ou margem positiva pT2pN0 / X; ou PSA detectável (≥ 0,1 ng / mL) e doença pT2 / 3pN0 / X. O HYPORT foi de 62,5 Gy para o leito da próstata em 25 frações de 2,5 Gy. COPORT foi de 66,6 Gy em 37 frações de 1,8 Gy. A radioterapia de linfonodo não foi permitida; e os pacientes podiam ter recebido terapia de privação androgênica (ADT) ≤ 6 meses.

Os pacientes foram estratificados de acordo com o score do Expanded Prostate cancer Index Composite (EPIC) no baseline (quatro níveis baseados em pontuações GU e GI) e uso de ADT (sim vs. não), e então randomizados 1: 1.

Resultados

Entre julho de 2017 e julho de 2018, 296 foram randomizados: 144 para HYPORT e 152 para COPORT. A conformidade com o EPIC foi de 100% no início do estudo, 83% no final da radioterapia, 77% em 6 meses, 78% em 12 meses e 73% em 24 meses. No final da radioterapia, os escores médios de mudança de GU do HYPORT e COPORT não foram clinicamente significativos nem significativamente diferentes, e permaneceram assim em 6 e 12 meses.

Os escores médios de alteração GI para HYPORT e COPORT foram ambos clinicamente significativos e significativamente diferentes no final da radioterapia (GI médio de HYPORT = -15,0 vs GI médio de COPORT = -6,8 p ≤ 0,01). No entanto, as diferenças clinicamente e estatisticamente significativas de ambos os escores médios de alteração GI HYPORT e COPORT foram resolvidos em 6 e 12 meses.

Os escores médios de 24 meses de alteração GU e GI para HYPORT e COPORT não permaneceram nem clinicamente nem estatisticamente significativos (HYPORT médio GU = -5,2 vs COPORT médio GU = -3,0, p = 0,81; HYPORT GI médio = -2,2 vs COPORT GI médio = -1,5, p = 0,12). Com um acompanhamento médio para pacientes censurados de 2,1 anos, não houve diferença entre HYPORT e COPORT para falha bioquímica definida como um PSA ≥ 0,4 ng / mL seguido por um valor superior ao primeiro por qualquer valor (2 anos atuarial, 12% vs 8%, p = 0,29) ou falha local (atuarial de 2 anos, 0,7% vs 0,8%, p = 0,35).

Em conclusão, a radioterapia hipofracionada não foi inferior à radioterapia convencional em termos de toxicidade gastrointestinal ou geniturinária tardia relatada pelo paciente. “É necessário um acompanhamento maior para avaliar adequadamente os desfechos de controle da doença. Em alguns cenários clínicos, HYPORT pode ser considerado um padrão de prática aceitável”, observaram os autores.

Apesar de resultados satisfatórios, ainda é necessário cautela antes de incorporar abordagem na rotina para todos os pacientes

Por Bernardo Salvajoli

Hipofracionamento é a palavra mais utilizada em radioterapia no momento. Seja pelas melhorias técnicas, que estão nos possibilitando tratamentos mais precisos, e/ou pela pandemia de COVID-19 e a necessidade que tivemos em realizar tratamentos mais rápidos com menor exposição de risco.

Encurtar tratamento de próstata já é uma realidade há alguns anos para pacientes com câncer de próstata. Diversos estudos de não inferioridade demonstraram segurança e eficácia em realizar tratamentos mais curtos em 20 a 28 frações ao invés de 35 a 40 frações realizadas tradicionalmente.

Avanços mais recentes também já incorporaram a radioterapia ablativa estereotáxica (SBAR) para tratamentos ainda mais curtos, também chamados de ultra-hipofracionamento, onde apenas 05 frações são utilizadas para todo tratamento da próstata, com segurança e sem piora de efeitos colaterais.

Já num cenário pós-operatório, o medo de complicações em uma área manipulada, menos vascularizada, com anastomoses delicadas, justificava a necessidade de estudos clínicos para comprovar segurança como em próstata presente. Este foi o primeiro estudo randomizado de fase III a responder, em partes, esta questão.

Alguns pontos de cautela devemos ter antes de incorporar esta abordagem na rotina para todos os pacientes. Primeiro que este estudo ainda é uma análise inicial de toxicidade aguda e tardia. Em 2 anos os resultados foram bastante satisfatórios, porém 02 anos para avaliação de complicações tardias em próstata ainda são resultados preliminares.

Podemos extrapolar dados de segurança em hipofracionamento em próstata presente, porém não completamente com relação a desfechos de incontinência e/ou estenose de uretra a longo prazo. Este estudo também mostrou um leve incremento de toxicidade gastrointestinal aguda, porém que se reverteu nos efeitos tardios. Isto pode estar relacionado a dose equivalente do braço hipofracionado, um pouco maior que o controle, mais semelhante a doses na faixa de 70Gy com 2Gy/dia que hoje sabemos estar relacionado a maior toxicidade baseado no estudo SAKK 09/10.

O segundo ponto é a população, relativamente um grupo favorável, com maioria dos pacientes pT2 e Gleason 7, sem linfonodos positivos, merecendo alguma cautela em extrapolar para grupos mais desfavoráveis. E, por último, a técnica do estudo, onde foi realizado tratamento apenas da loja prostática e hoje existem sugestões do estudo RTOG 0534 de que a radioterapia da drenagem linfática pélvica e deprivação androgênica sejam necessárias para alguns subgrupos destes pacientes.

Apesar destas ressalvas, este tipo de tratamento, mais curto para os pacientes, menos custoso ao sistema e equivalente ao convencional deve ser incorporado na rotina nos próximos anos. Devem ocorrer de forma ainda mais curta, como por exemplo o estudo brasileiro em 15 frações de Fase II do ICESP, em que pude participar, ou provavelmente ainda mais rápido, com esquemas de ultrahipofracionamento de SABR em 05 frações, já em andamento em estudos clínicos.

Referências: Abstract 3 - Buyyounouski MK, Pugh SL, Chen RC, Mann MJ, Kudchadker RJ, Konski AA, Mian OY, Michalski JM, Vigneault E, Valicenti RK, Barkati M, Lawton CAF, Potters L, Monitto DC, Kittel JA, Schroeder TM, Hannan R, Duncan CE, Rodgers JP, Sandler HM. (2021, October). Primary Endpoint Analysis of a Randomized Phase III Trial Hypofractionated versus Conventional Post-Prostatectomy Radiotherapy NRG Oncology GU003. Paper presented at the annual meeting of the American Society for Radiation Oncology

McCormick, B. (2018). Randomized trial evaluating radiation following surgical excision for “good risk” DCIS: 12-year report from NRG/RTOG 9804. International Journal of Radiation Oncology, Biology, Physics, 102(5), 1603.

Ghadjar, P., Hayoz, S., Bernhard, J., Zwahlen, D. R., Hölscher, T., Gut, P., ... & Vandaele, F. (2021). Dose-intensified Versus Conventional-dose Salvage Radiotherapy for Biochemically Recurrent Prostate Cancer After Prostatectomy: The SAKK 09/10 Randomized Phase 3 Trial. European Urology.

Leite, E. T. T., Ramos, C. C. A., Ribeiro, V. A. B., Salvajoli, B. P., Nahas, W. C., Salvajoli, J. V., & Moraes, F. Y. (2021). Hypofractionated Radiation Therapy to the Prostate Bed With Intensity-Modulated Radiation Therapy (IMRT): A Phase 2 Trial. International Journal of Radiation Oncology* Biology* Physics, 109(5), 1263-1270.