A Sociedade Americana de Radiação Oncológica (ASTRO) atualizou a diretriz clínica para o uso de radioterapia no tratamento de pacientes com carcinoma espinocelular de orofaringe (CEO) causado pelo papilomavírus humano (HPV). As recomendações abordam a radioterapia como tratamento curativo independente ou em combinação com cirurgia e/ou quimioterapia, o planejamento do tratamento e a avaliação da resposta. O artigo foi publicado no Practical Radiation Oncology. Bernardo Salvajoli (foto), radio-oncologista do ICESP e do HCorOnco, analisa os resultados.
O carcinoma espinocelular de orofaringe HPV-positivo é o tipo mais comum de câncer associado ao HPV entre os homens, perdendo apenas para o câncer cervical em mulheres. Pelo menos 70% dos cânceres de orofaringe recém-diagnosticados estão relacionados ao HPV. Desde que a ASTRO publicou sua última diretriz para câncer de orofaringe em 2017, o carcinoma espinocelular de orofaringe HPV-positivo foi reconhecido como uma doença clinicamente separada do carcinoma espinocelular de orofaringe não-HPV.
Em contraste com a diminuição da incidência de carcinoma espinocelular de orofaringe relacionado com o tabaco e o álcool, as taxas de incidência de carcinoma espinocelular de orofaringe relacionado com o HPV estão aumentando na maioria dos países desenvolvidos, e as projeções estimam que o número de pessoas com carcinoma espinocelular de orofaringe HPV-positivo continuará a aumentar durante as próximas décadas, antes de eventualmente diminuir, à medida que as vacinas contra o HPV se tornem mais acessíveis e seu impacto total seja alcançado.
Foram abordadas questões-chave sobre o uso da radioterapia no tratamento do carcinoma espinocelular de orofaringe associado ao HPV: indicações para radioterapia e quimiorradiação definitiva e pós-operatória; regimes de fracionamento de dose e volumes de tratamento; técnicas preferidas de radioterapia e considerações sobre tecidos normais; e decisões de gestão pós-tratamento.
A força-tarefa não abordou as indicações de cirurgia primária versus RT. As recomendações foram baseadas em uma revisão sistemática de evidências de artigos publicados entre janeiro de 2000 e maio de 2023 e criadas usando uma metodologia e um sistema predefinidos de construção de consenso para classificar a qualidade da evidência e a força da recomendação.
Resultados
A cisplatina concomitante é recomendada para pacientes que recebem radioterapia definitiva com doença T3-4 e/ou um linfonodo >3 cm, ou múltiplos linfonodos. Para pacientes semelhantes que não são elegíveis para cisplatina, cetuximabe concomitante, carboplatina/5-fluorouracil ou terapia sistêmica à base de taxano são condicionalmente recomendados.
No pós-operatório, a RT com cisplatina concomitante (qualquer esquema) é recomendada para margens cirúrgicas positivas (PSM) ou extensão extranodal (ENE). A RT pós-operatória isolada é recomendada para doença pT3-4, >2 nódulos ou um único nódulo >3 cm. A observação é condicionalmente recomendada para doença pT1-2 e nódulo único ≤3 cm sem outros fatores de risco. Para pacientes tratados com RT definitiva com terapia sistêmica concomitante, recomenda-se 7.000 cGy em 33 a 35 frações, e para pacientes que recebem RT pós-operatória sem margens cirúrgicas positivas ou extensão extranodal, 5.600-6.000 cGy.
Para todos os pacientes que recebem RT, recomenda-se RT com intensidade modulada em vez de técnicas 3-D com redução da dose em órgãos críticos em risco (incluindo estruturas salivares e de deglutição). A reavaliação com PET-CT é recomendada aproximadamente 3 meses após RT/quimiorradiação definitiva, e o esvaziamento cervical é recomendado para evidências convincentes de doença residual; para achados duvidosos de PET-CT, recomenda-se o esvaziamento cervical ou a repetição da imagem.
“A radioterapia desempenha um papel crítico no tratamento do câncer de orofaringe HPV-positivo, oferecendo uma opção altamente eficaz para pacientes que buscam resultados curativos. Esta diretriz atualizada ressalta a importância de estratégias de radiação personalizadas que maximizam a sobrevida do paciente e minimizam os efeitos colaterais”, disse Danielle N. Margalit, vice-presidente da força-tarefa de diretrizes e radio-oncologista do Brigham & Women's/Dana-Farber Cancer Center, em Boston. “As recomendações são baseadas em dados recentes de ensaios clínicos, fornecendo uma base de evidências robusta que fortalece médicos e pacientes para tomar decisões de tratamento”, concluiu.
O estudo em contexto
Por Bernardo Salvajoli, radio-oncologista do ICESP e do HCorOnco
Diretrizes e guidelines são excelentes ferramentas para balizar condutas dentro da oncologia. Esses guias se baseiam em dados mais robustos e com alto nível de evidência para recomendar condutas já bem estabelecidas nos últimos anos. Neles não vamos encontrar resultados recentes que vimos nos congressos esse ano ou estudos pequenos de fase I ou II que sugerem novidades interessantes, esse não é o foco desse tipo de material.
A Sociedade Americana de Radio-Oncologia (ASTRO) tem um papel importante em desenvolver e publicar estas recomendações, que são usadas de rotina em grandes e pequenos centros e para educação contínua de formandos e especialistas.
Nesta última atualização, as recomendações se mantêm similares com o que já fazíamos de rotina, mais uma vez reforçando a recomendação de IMRT para esse tipo de tratamento, infelizmente ainda não disponível em muitos centros no Brasil.
O que todos esperamos, sabendo que o HPV tem melhor prognóstico, são os resultados e recomendações sobre desescalonamento dos tratamentos. Apesar de dados recentes, pouco robustos, apontarem para este caminho, reduzindo dose de radio e/ou quimioterapia, e selecionando esses pacientes com exames específicos como alguns tipos de PET e marcadores sanguíneos, ainda não temos material suficiente para usar esse de tipo de tratamento na rotina, muito menos recomendar sua utilização em guias de conduta.
Estudos maiores estão acontecendo e em breve começaremos a ver essa adaptação de tratamento para essa subpopulação HPV positivo, e claro, torcendo para que melhoras na cobertura vacinal da população consiga reduzir significativamente os casos relacionados ao HPV.
Referência:
Danielle N. Margalit, Christopher J. Anker, Michalis Aristophanous, Musaddiq Awan, Gopal K. Bajaj, Lisa Bradfield, Joseph Califano, Jimmy J. Caudell, Christina H. Chapman, Adam S. Garden, Paul M. Harari, Amanda Helms, Alexander Lin, Ellie Maghami, Ranee Mehra, Lance Parker, Yelizaveta Shnayder, Sharon Spencer, Paul L. Swiecicki, Jillian Chiaojung Tsai, David J. Sher, Radiation Therapy for HPV-Positive Oropharyngeal Squamous Cell Carcinoma: An ASTRO Clinical Practice Guideline, Practical Radiation Oncology, 2024, ISSN 1879-8500, https://doi.org/10.1016/j.prro.2024.05.007.