A American Society for Radiation Oncology (ASTRO) publicou uma nova diretriz para radioterapia no câncer de pulmão não pequenas células localmente avançado, cenário que representa quase um quarto de todos os casos de câncer de pulmão. A recomendação está disponível para acesso aberto no periódico Practical Radiation Oncology (PRO). O radio-oncologista Eronides Batalha Filho, do Hospital de Câncer de Barretos, comenta o guideline da ASTRO com exclusividade para o Onconews.
A diretriz considerou 35 anos de dados para ajudar a orientar o tratamento atual e contou com o apoio de 14 experts mundiais nos EUA e Canadá, que analisaram 74 estudos de periódicos de língua inglesa no banco de dados PubMed, publicados no período de 1º de janeiro de 1966 a 15 de março de 2013. O painel desenvolveu cinco questões-chave sobre o papel da radioterapia definitiva e da radioterapia adjuvante (RT) para o câncer de pulmão não pequenas células localmente avançado (CPNPC LA), estágio que representa quase um quarto de todos os pacientes com câncer de pulmão. Além dos 74 estudos, a recomendação da ASTRO considerou 27 documentos clínicos de orientação prática que foram relevantes para um ou mais dos cinco critérios da revisão feita pela diretriz.
A primeira questão-chave aborda o fracionamento ideal da dose de feixe externo para tratamento curativo de CPNPC LA considerando o tratamento exclusivo com radioterapia (RT) sem quimioterapia. A evidência citada na diretriz sugere que a RT foi associada com melhora da sobrevida global quando comparada com as estratégias de observação ou quimioterapia . No entanto, os pacientes experimentaram efeitos secundários relacionados com o tratamento, tais como esofagite e pneumonite, mas a avaliação concluiu que a RT pode ser usada sozinha como tratamento radical definitivo para pacientes com CPNPC LA que não são elegíveis para terapia combinada. A dose mínima de 60 Gy é recomendada para otimizar os resultados clínicos e o controle local.
“Apesar de antigo e de avaliar técnica de radioterapia limitada, tal estudo realmente serve como ponto importante para definição da dose de 60Gy no tratamento de tumores de pulmão não pequenas células. A despeito de estudos explorando fracionamentos alternativos de radiação, essa dose foi reproduzida em importantes trabalhos, sendo consagrada não só no Brasil, mas mundialmente pela sua eficácia e segurança, mesmo quando combinada à quimioterapia”, diz Eronides Batalha Filho. “A grande maioria dos serviços brasileiros utiliza essa dose rotineiramente, confirmando a recomendação desta diretriz. É importante ressaltar que a radioterapia isolada para tumores localmente avançados de pulmão não pequenas células não é tratamento padrão, sendo este empregado quando a condição clínica do paciente não permite a associação do tratamento sistêmico à radioterapia”, esclarece o radio-oncologista do Hospital de Câncer de Barretos.
A segunda questão-chave examina o fracionamento da dose ideal de feixe externo para tratamento curativo em CPNPC LA, combinado com quimioterapia. A dose padrãode RT torácica para os pacientes tratados com quimioterapia simultânea é de 60 Gy, administrada com fracionamento de 2 Gy, uma vez por dia, durante seis semanas. Não há evidências de que o aumento da dose para além de 60 Gy está associado com quaisquer benefícios clínicos.
Para o especialista brasileiro, a linha de conduta reafirma a dose convencional de 60Gy, mas requer cautela em relação ao escalonamento. “Em relação à dose ideal de radiação para tratamento concomitante à quimioterapia, o estudo realizado através do protocolo RTOG 0617 nos mostrou resultado negativo em relação à sobrevida para o grupo de pacientes que recebeu dose final de 74Gy. Tais resultados nos levam a olhar com cautela para o escalonamento de dose de radiação e devem ser analisados minuciosamente quanto a doses de radiação nos órgãos de risco adjacentes e o tipo e frequência das toxicidades agudas encontradas. São dados preciosos para que possamos identificar os fatores preditivos de complicação relacionados ao tratamento. Nesse estudo, a sobrevida dos pacientes submetidos à dose convencional de 60Gy foi superior a estudos prévios realizados com o mesmo protocolo, o que pode estar relacionado ao emprego de técnicas modernas de radioterapia quando comparado a estudos anteriores”, avalia Batalha Filho.
A terceira questão-chave detalha o momento ideal para a RT de feixe externo em relação à quimioterapia sistêmica para tratamento com intenção curativa de CPNPC localmente avançado. A guia de conduta recomenda que, quando a RT e a quimioterapia são usadas de forma combinada, a RT deve idealmente começar ao mesmo tempo que a quimioterapia (radioquimioterapia concomitante). Para os pacientes que não toleram radioquimioterapia concomitante, o guideline recomenda quimioterapia seguida por tratamento com RT.
“Baseado em dados já consolidados, é sabido que o tratamento com radioterapia concomitante à quimioterapia nos mostra resultados em sobrevida global, controle local e taxa de resposta superiores quando comparado ao tratamento sequencial. Porém, devemos considerar que esses pacientes consistem em um grupo extremamente heterogêneo, de acordo com as diferentes apresentações do estadiamento clínico III do câncer de pulmão e, principalmente, quando analisadas as condições clínicas e comorbidades presentes”, esclarece. “Dessa forma, o desafio do médico passa a ser identificar os diversos fatores relacionados não apenas à doença, mas ao paciente para escolha ideal do tratamento. Apesar do claro benefício do tratamento concomitante, elevadas taxas de toxicidades agudas podem comprometer a tolerância e até levar a resultados desastrosos quando empregado de forma inadequada”, adverte o radio-oncologista.
A quarta questão-chave examina as indicações para RT adjuvante pós-operatória para tratamento com intenção curativa. O uso de RT pós-operatória em CPNPC LA completamente ressecado com doença mediastinalN2 está associado a um melhor controle local, mas não impacta a sobrevida global. De acordo com a diretriz, a RT pós-operatória geralmente não é recomendada para pacientes com N0 ou doença mediastinal N1. A diretriz recomenda que os pacientes com doença primária residual microscópica ou macroscópica e / ou doença nodal devem receber RT pós-operatória para melhorar o controle local.
“Pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico com resultado anatomopatológico mostrando presença de neoplasia no linfonodo mediastinal ou doença residual após cirurgia, através de margens comprometidas ou extensão extra capsular linfonodal, devem ser submetidos a tratamento adjuvante com quimioterapia e radioterapia”, diz Batalha Filho. “A quimioterapia oferece claro benefício em sobrevida global e a radioterapia melhora o controle local. No entanto, apesar do alto índice de recomendação neste guideline, não possuímos um nível de evidência sólido, pois encontramos dados em que a radioterapia salta de um benefício no controle da doença para detrimento na sobrevida de pacientes que não possuem os fatores indicados acima para radioterapia adjuvante”, explica. “Outros fatores que nos levam a interpretar com cuidado tais dados são o fato de alguns estudos não terem sido desenhados para investigar especificamente o papel da radioterapia adjuvante, a variação na dose e volume nos tratamentos realizados, o período decorrido da cirurgia até realização da radioterapia e a influência do emprego de tratamento neoadjuvante. Acredito que com técnicas mais modernas de radioterapia, conhecimento de fatores prognósticos, como o perfil molecular, novos estudos podem ser realizados para identificar qual perfil de paciente claramente se beneficia do tratamento adjuvante. Enquanto isso, é clara a recomendação da radioterapia adjuvante frente aos fatores de risco identificados, através do exame anatomopatológico”, recomenda.
Finalmente, a quinta questão-chave é quando indicar quimioirradiação ou RT neoadjuvante. De acordo com a diretriz, não há evidências de nível I para recomendar o uso rotineiro de radioterapia ou quimioirradiação pré-operatória para a gestão do CPNPC localmente avançado. No entanto, a diretriz fornece informações sobre a seleção de pacientes para receber RT no cenário neoadjuvante.
“A radioterapia e quimioterapia neoadjuvantes foram explorados em alguns estudos e atualmente essa prática é discutida para pacientes que apresentam boa condição clínica, volume de doença mediastinal favorável e cirurgia planejada diferente de pneumectomia. Esse perfil de paciente, quando submetido a essa conduta, apresentou ganho de sobrevida comparado à radioterapia e quimioterapia concomitantes somente para um subgrupo de pacientes com resposta patológica completa linfonodal. Para os demais pacientes, os dados mostram uma equivalência na sobrevida. Assim, a cirurgia deve ser indicada para casos selecionados, através de discussão multidisciplinar entre médico patologista, oncologista clínico, cirurgião torácico e rádio-oncologista”, propõe Batalha Filho.
O especialista brasileiro também argumenta que as vantagens do hipofracionamento foram pouco valorizadas no guideline da ASTRO. “A prática da multidisciplinaridade e o tratamento em instituição especializada contribuem para resultados favoráveis e na adequação da melhor estratégia terapêutica. Quando avaliamos o perfil dos serviços de atenção oncológica no Brasil, a crescente incidência do câncer de pulmão e o número deficitário de centros de tratamento, observamos que a radioterapia com hipofracionamento acelerado, modalidade que utiliza doses maiores de radiação por fração e menor duração do tratamento, é extremamente adequada a nossa realidade”, lembra o especialista. “Tal prática é conveniente para pacientes que moram distante dos centros de tratamento, acarreta menores custos, auxilia na fila de pacientes que aguardam início da radioterapia, combate a repopulação tumoral acelerada, com encurtamento do tempo de tratamento, e consegue entregar doses biológicas mais elevadas quando comparado ao fracionamento convencional. Todo esse racional é explorado pela literatura e utilizado exaustivamente há cerca de quinze anos em importantes centros europeus, principalmente no Reino Unido. Com as técnicas atuais de radioterapia, o hipofracionamento apresenta-se como tratamento seguro e eficaz, conforme dados prospectivos publicados recentemente pela literatura internacional, apesar de pouco explorado nesse guideline”, conclui Batalha Filho.
A radioterapia é um componente central de protocolos de tratamento para pacientes com câncer de pulmão não pequenas células localmente avançado, com taxas de sobrevida em torno de 30% em cinco anos em uma população desafiadora de pacientes.
Referências:
Definitive radiation therapy in locally advanced non-small cell lung cancer: Executive summary of an American Society for Radiation Oncology (ASTRO) evidence-based clinical practice guideline
George Rodrigues, Hak Choy, Jeffrey Bradley, Kenneth E. Rosenzweig, Jeffrey Bogart, Walter J. Curran Jr., Elizabeth Gore, Corey Langer, Alexander V. Louie, Stephen Lutz, Mitchell Machtay, Varun Puri, Maria Werner-Wasik, Gregory M.M. Videtic
http://www.practicalradonc.org/issue/S1879-8500(15)X0003-8