Revisão sistemática e meta-análise publicada no British Medicial Journal buscou quantificar a associação entre o atraso no início do tratamento do câncer e mortalidade. Os resultados demonstram que adiar o ínicio do tratamento em quatro semanas está associado ao aumento da mortalidade considerando indicações cirúrgicas, de tratamento sistêmico e radioterapia para sete diferentes tumores”, destacam os autores.
A maioria dos países experimentou o adiamento das cirurgias eletivas do câncer e os impactos sobre o uso de radioterapia e terapia sistêmica por causa do COVID 19. “A pandemia evidenciou a necessidade de um melhor entendimento do impacto do atraso do tratamento nos resultados”, ressalta a equipe de pesquisadores do Canadá e do Reino Unido liderada por Timothy Hanna, do Instituto de Pesquisa do Câncer de Ontário e pesquisador da Queen’s University.
O trabalho considerou trabalhos publicados no Medline entre 1º de janeiro de 2000 a 10 de abril de 2020. Foram incluídos estudos que avaliaram indicações curativas, neoadjuvantes e adjuvantes para cirurgia, tratamento sistêmico ou radioterapia em tumores de bexiga, mama, cólon, reto, pulmão, colo uterino e cabeça e pescoço, que juntos representam 44% de todos cânceres incidentes em todo o mundo. A principal medida de desfecho foi o hazard ratio para a sobrevida global para atraso de quatro semanas em cada indicação.
O atraso foi medido desde o diagnóstico até o primeiro tratamento, ou a partir da conclusão de um tratamento até o início do próximo. A análise primária incluiu apenas estudos de alta validade controlando os principais fatores prognósticos, e as taxas de risco foram assumidas como logarítmicas lineares em relação à sobrevida geral e foram convertidas em um efeito para cada atraso de quatro semanas.
Resultados
A revisão incluiu 34 estudos para 17 indicações, em uma análise que envolveu mais de 1,2 milhão de pacientes (n=1 272 681 pacientes). “A associação entre atraso e aumento da mortalidade foi significativa (P <0,05) para 13 de 17 indicações. Não foram encontrados dados de alta validade para cinco das indicações de radioterapia ou para cirurgia de câncer cervical”, destacam os autores.
Os achados da cirurgia foram consistentes, com um risco de mortalidade para cada atraso de quatro semanas de 1,06-1,08 (por exemplo, colectomia 1,06, 95% CI 1,01 a 1,12; cirurgia de mama 1,08, 1,03 a 1,13).
As estimativas para o tratamento sistêmico variaram (intervalo de hazard ratio 1,01-1,28). As estimativas de radioterapia foram para radioterapia radical para câncer de cabeça e pescoço (hazard ratio 1,09, 95% CI 1,05 a 1,14), radioterapia adjuvante após cirurgia conservadora de mama (0,98, 0,88 a 1,09) e radioterapia adjuvante de câncer de colo do útero (1,23, 1,00 a 1,50 ) Uma análise de sensibilidade dos estudos que foram excluídos por falta de informações sobre comorbidades ou estado funcional não alterou os achados.
“Os resultados demonstram que quatro semanas de atraso entre o diagnóstico e a cirurgia está associado a um aumento relativo de 6 a 8% em todas as causas de mortalidade. Os aumentos correspondentes na mortalidade associados a outros atrasos foram de 9-23% para radioterapia e 1-28% para quimioterapia adjuvante ou neoadjuvante”, ressalta a publicação.
Em editorial que acompanha a publicação, Kelvin Chan e Ambica Parmar, professores no Sunnybrook Health Sciences Centre, da Universidade de Toronto, observam que apesar de um grande corpo de evidências já demonstrar o impacto deletério do tempo de espera excessivo sobre os resultados de pacientes com câncer que precisam de tratamento com intenção curativa, os esforços de modelagem até agora têm sido prejudicados pela falta de dados de alta qualidade, em particular pela heterogeneidade nas evidências do mundo real relacionadas a atrasos no tratamento com aumento da mortalidade.
“Ao quantificar o impacto relativo dos atrasos no tratamento, os dados de Hanna e colegas podem ser usados como um recurso para modelar estudos que exploram como os atrasos no tratamento futuro podem influenciar medidas absolutas, como anos de vida perdidos para pacientes com câncer ou, em pandemias, o balanço de risco e benefício associado a medidas sanitárias em nível populacional”, avaliam.
Os autores ressaltam que a pandemia da Covid-19 aumentou a urgência de desenvolver novas iniciativas para lidar com as limitações de dados reveladas por esta revisão. “Iniciativas globais devem ser projetadas para gerar dados de alta qualidade e focadas no paciente sobre o impacto dos atrasos no tratamento, o que é essencial para os esforços em fornecer cuidados oncológicos oportunos e eficazes durante e após esta pandemia”, concluem.
Referência: Mortality due to cancer treatment delay: systematic review and meta-analysis - BMJ 2020; 371 doi: https://doi.org/10.1136/bmj.m4087 (Published 04 November 2020)