Em um corredor no andar térreo do prédio central do HCor, no bairro do Paraíso em São Paulo, uma porta dá acesso a uma das maiores promessas da ciência na pesquisa e tratamento do câncer: um biobanco de tumores e de biópsia líquida com foco em células tumorais circulantes (CTCs), coordenado pela farmacêutica bioquímica Ludmilla Thomé Domingos Chinen (foto). Identificado com uma placa que traz os nomes de Telmo Porto e Laís Zogbi Porto, o biobanco de tumores nasceu de um sonho. “Telmo teve um glioblastoma e queria que seu tumor fosse armazenado para pesquisas futuras. Ele e a esposa doaram recursos e foi desse ideal que veio a construção do biobanco, concluída em 2023”, explica Ludmilla.
É ela quem está à frente da operacão do biobanco. Cada detalhe do fluxo do trabalho foi cuidadosamente pensado, desde a coleta de sangue e tumores no centro cirúrgico, até a chegada das amostras pelo pass through. A partir desse momento, cada amostra é anonimizada e lançada no REDCap, uma sofisticada plataforma para coleta, gerenciamento e disseminação de dados de pesquisas. A sigla vem de Research Electronic Data Capture, sistema que é considerado o padrão mundial para o armazenamento e gerenciamento de dados aplicados à Saúde.
O biobanco de tumores do HCor funciona dentro de todas as normas regulatórias e de bioética, com chancela do sistema CEP/Conep e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na entrada, uma antessala com pressão negativa força a saída de eventuais contaminantes, que são retidos em filtros de alta eficiência. Todo o sistema de ventilação e iluminação foi pensado de acordo com as necessidades do biobanco, assim como a sala dos freezers, certificados para armazenar de forma segura o material biológico, mantido a 80ºC negativos.
É nesses equipamentos que as amostras de sangue são armazenadas em membranas de policarbonato, cada uma com 10 spots. “Cada spot corresponde a 1 ml de sangue. A membrana tem minúsculos poros, de 8 micrômetros, por onde passam as células sanguíneas, mas não as células tumorais circulantes, que ficam retidas”, explica Ludmila. Com as CTCs, é possível fazer pesquisa de ponta, incluindo análises de perfil de expressão de proteínas e de expressão gênica, explorando o universo de possibilidades da chamada biópsia líquida.
Hoje direcionado a amostras de glioblastoma, tumores de tireoide, tumores abdominais, de mama e pulmão, o biobanco do HCor está entre as poucas instituições do mundo que inclui o armazenamento de CTCs. “É um biobanco muito direcionado. A expectativa é ter aproximadamente 200 amostras de cada um desses tumores, em até dois anos. É uma expectativa ambiciosa, mas estamos confiantes de que é possível atingir esse volume”, projeta.
Significa que, em um futuro próximo, o meio acadêmico-científico vai poder ampliar a pesquisa em câncer a partir das CTCs do biobanco de tumores do HCor. “É um patrimônio para o benefício da Ciência”, diz Ludmilla, que enfatiza o caráter da iniciativa. “O biobanco não pertence a um grupo de médicos ou a um grupo de pesquisadores. O biobanco de tumores é institucional, não tem dono”, diz. Outra característica importante é que o objetivo do biobanco de tumores não pode ser medido de maneira imediatista. Essas células tumorais circulantes vão alimentar a pesquisa em câncer como uma cultura perene, indicando que os avanços na oncologia de precisão impulsionados pelas CTCs estão só começando.
A instalação do HCor reflete um trabalho coletivo, que soma o apoio institucional e a contribuição de médicos clínicos, cirurgiões, patologistas, sem falar das equipes de enfermagem e, principalmente, dos pacientes que assinam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), autorizando a utilização de amostras. Esse esforço colaborativo é vital para o biobanco de tumores. “O biobanco é nosso, por favor colaborem”.
CTCs, um universo de possibilidades na pesquisa do câncerAs células tumorais circulantes (CTCs) são células tumorais que se libertam do tumor primário e passam a circular na corrente sanguínea. Assim, as CTCs são um caminho para a detecção precoce e o diagnóstico de vários tipos de câncer, além de monitorar a resposta ao tratamento e identificar sinais de recidiva. As CTCs também são capazes de prever a ocorrência de metástases, mas apesar dessa multiplicidade de aplicações e do potencial de outras tantas, a pesquisa com CTCs ainda esbarra nas limitações impostas pelo sistema CellSearch®, o único aprovado pelo FDA. “É um sistema falho e a maior parte dos ensaios baseados em CTCs foi feita com ele – e por isso não se chega à conclusão alguma. Agora, os esforços estão sendo feitos com outros sistemas, como o ISET, que usamos aqui no biobanco”, diz Ludmilla Chinen, coordenadora do biobanco de tumores do HCor. O CellSearch® usa EpCAM (molécula de adesão de células epiteliais) e citoqueratina para isolar de forma positiva a célula tumoral circulante, além de utilizar CD 45 para depletar os leucócitos. “A questão é que as CTCs se fundem com os leucócitos como forma de escapar do sistema imune. Então, quando usamos um sistema que depleta CD 45, na verdade estamos depletando também a CTC”, explica Ludmilla. “Por outro lado, a expressão de EpCAM nem sempre é o melhor marcador. Câncer de pulmão, por exemplo, tem baixa expressão de EpCAM, assim como o câncer de cabeça e pescoço. Nesses casos, o CellSearch® está jogando fora as CTCs, o que é um grande problema do método de análise”, diz. |