Onconews - Modelo de risco ajuda a prever futilidade da ressecção inicial para câncer de pâncreas anatomicamente ressecável

Um modelo de risco demonstra que a capacidade de prever a pancreatectomia fútil pode ajudar a selecionar pacientes para ressecção inicial ou terapia neoadjuvante no adenocarcinoma ductal pancreático, como relatam Crippa et. al, no Jama Sugery. Felipe José Fernandez Coimbra (foto), líder do Centro de Referência de Tumores do Aparelho Digestivo Alto do A.C.Camargo Cancer Center, analisa o estudo.

O tratamento primário do adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC, na sigla em inglês) é uma questão controversa no cenário da doença anatomicamente ressecável. “Embora as diretrizes da Sociedade Europeia de Oncologia Médica de 2023 endossem uma abordagem de cirurgia upfront, as diretrizes da NCCN (versão 1.2024) recomendam ressecção inicial (na ausência de características de risco para doença metastática oculta) ou tratamento neoadjuvante (independentemente da presença ou ausência de características de risco)”, lembram os autores. No entanto, o conceito de alto risco é principalmente qualitativo.

Neste estudo multicêntrico italiano, os pesquisadores investigaram as variáveis ​​de pré-tratamento associadas a uma ressecção primária fútil (morte por complicações pós-operatórias, eventos relacionados ao PDAC ou recorrência da doença dentro de 6 meses de pós-operatório) e implementaram um modelo de risco para futilidade. O modelo foi desenvolvido usando um banco de dados multi-institucional, com critérios que consideraram a probabilidade de futilidade abaixo de um limite de segurança de 20%.

Dados de 5 centros italianos de alto ou muito alto volume foram coletados de janeiro de 2010 a dezembro de 2021, considerando pacientes consecutivos submetidos à pancreatectomia inicial nas instituições participantes. Os dados foram analisados ​​durante abril de 2024. A principal medida de resultado foi a taxa de pancreatectomia fútil, definida como uma cirurgia que resulta em morte do paciente ou recorrência da doença em 6 meses. Critérios dicotômicos foram construídos para manter a probabilidade de futilidade abaixo de 20%, correspondendo à possibilidade de não receber ressecção pós-neoadjuvante a partir dos dados agrupados existentes.

Os resultados mostram que 1426 pacientes foram incluídos na base analítica, com mediana de 69 anos; 53,2% homens; 75,4% com câncer de cabeça do pâncreas. Crippa e colegas descrevem que 73,7% receberam tratamento adjuvante. Para a construção do modelo, a amostra do estudo foi dividida em uma coorte de derivação (n = 885) e uma de validação (n = 541). A taxa de pancreatectomia fútil foi de 18,9% (19,2% na coorte de derivação e de 18,6% na coorte de validação).

As variáveis ​​pré-operatórias associadas à ressecção fútil foram a classe da American Society of Anesthesiologists (IC de 95% para coeficientes, 0,68-0,87), níveis séricos de antígeno de câncer (CA) 19,9 (IC de 95%, para coeficientes 0,05-0,75) e tamanho do tumor (IC de 95% para coeficientes, 0,28-0,46).

O modelo resultante identificou 3 categorias de risco associadas a uma probabilidade crescente de ressecção fútil, piores características patológicas e piores resultados. Quatro condições discretas (definidas como critérios de níveis de CA 19.9 ajustados ao tamanho: tamanho do tumor menor que 2 cm com níveis de CA 19.9 menores que 1000 U/mL; tamanho do tumor menor que 3 cm com níveis de CA 19.9 menores que 500 U/mL; tamanho do tumor menor que 4 cm com níveis de CA 19.9 menores que 150 U/mL; e tamanho do tumor menor que 5 cm com níveis de CA 19.9 menores que 50 U/mL) foram associadas a uma probabilidade de futilidade abaixo de 20%. Os autores destacam que tanto a sobrevida livre de doença quanto a sobrevida global foram significativamente maiores em pacientes que preencheram esses critérios.

“Neste estudo, um modelo pré-operatório (MetroPancreas) e critérios dicotômicos para determinar o risco de pancreatectomia fútil foram desenvolvidos. Isso pode ajudar na seleção de pacientes para ressecção upfront ou terapia neoadjuvante”, concluem os autores.

O estudo em contexto
Por Felipe José Fernandez Coimbra, líder do Centro de Referência de Tumores do Aparelho Digestivo Alto do A.C.Camargo Cancer Center
A ferramenta online, chamada de MetroPancreas, foi desenvolvida com a finalidade de oferecer uma previsão personalizada da futilidade da cirurgia com base em variáveis pré-operatórias, permitindo uma melhor estratificação de risco, podendo ser usada por cirurgiões oncológicos e equipes multidisciplinares para tomar decisões mais informadas sobre o manejo de pacientes com PDAC.
 
Dentre os principais critérios, destacou-se o CA 19.9 ajustado ao tamanho do tumor, sendo categorizado em quatro  grupos pré-operatórios que mantêm a probabilidade de uma pancreatectomia fútil abaixo de 20%:
     - Tumor < 2 cm com CA 19.9 < 1000 U/mL
     - Tumor < 3 cm com CA 19.9 < 500 U/mL
     - Tumor < 4 cm com CA 19.9 < 150 U/mL
     - Tumor < 5 cm com CA 19.9 < 50 U/mL
 
Por exemplo, se considerarmos pacientes reais, imagine as seguintes situações:
 
Caso 1. Paciente com tumor de 2,5 cm e níveis de CA 19.9 de 90 U/mL se enquadra nos critérios de baixo risco e provavelmente se beneficiaria da ressecção inicial, com menor risco de recorrência precoce.
 
Caso 2. Paciente com tumor de 4,5 cm e níveis de CA 19.9 de 600 U/mL está em alto risco de futilidade da cirurgia e pode ser mais bem tratado com terapia neoadjuvante antes da consideração da cirurgia.
 
Do ponto de vista cirúrgico especializado, vale salientar as possíveis aplicações destes resultados: 
 
A adoção do modelo MetroPancreas pode indicar uma estratificação de risco mais precisa e personalizada, fundamental para a otimização dos resultados cirúrgicos em pacientes com PDAC. Mais especificamente no Brasil, onde a variabilidade nos recursos diagnósticos e terapêuticos pode ser grande, esta ferramenta pode auxiliar na padronização e melhoria dos cuidados. A implementação deste modelo pode reduzir significativamente o número de cirurgias fúteis, melhorando a qualidade de vida dos pacientes ao evitar procedimentos desnecessários e seus riscos associados.
 
Para oncologistas clínicos e cirurgiões o conhecimento destes resultados devem colaborar para integrar essa ferramenta na prática diária, discutindo os casos em reuniões multidisciplinares e tomando decisões baseadas em evidências. A identificação precoce de pacientes que se beneficiariam mais da terapia neoadjuvante pode melhorar a taxa de sucesso global do tratamento. Em centros que já realizam a terapia neoadjuvante de rotina a discussão deve ser pesada em cima de eventual terapia neoadjuvante em casos de baixo risco oncológico e clínico.
 
Por fim, o estudo oferece uma ferramenta valiosa para prever a futilidade da pancreatectomia “upfront”em pacientes com PDAC anatomicamente ressecável, com o potencial de melhorar significativamente a prática cirúrgica e oncológica. A adoção de tais modelos na clínica diária pode levar a decisões mais informadas e a uma melhor alocação de recursos terapêuticos mais adequada, beneficiando tanto os pacientes quanto o sistema de saúde no tratamento do câncer de pâncreas.
Referência:

Crippa S, Malleo G, Mazzaferro V, et al. Futility of Up-Front Resection for Anatomically Resectable Pancreatic Cancer. JAMA Surg. Published online July 24, 2024. doi:10.1001/jamasurg.2024.2485