O oncologista Maurício Ribeiro (foto), do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, é primeiro autor de relato de caso que descreve a experiência da terapia combinada com dabrafenibe, trametinibe e osimertinibe no resgate de um paciente com adenocarcinoma de pulmão avançado EGFR mutado que desenvolveu a mutação BRAF V600E como um dos mecanismos de resistência ao tratamento de segunda linha com osimertinibe. O trabalho foi publicado no npj Precision Oncology, periódico do Grupo Nature, em artigo que tem a pesquisadora Franciele Hinterholz Knebel como coprimeira autora.
Os resultados de sobrevida global do estudo FLAURA suportam o uso do inibidor osimertinibe como a terapia de escolha para pacientes diagnosticados com carcinomas de não pequenas células de pulmão avançados albergando mutações ativadoras em EGFR e virgens de tratamento. Entretanto, apesar dos excelentes resultados iniciais, a maioria dos tumores se torna resistente, o que limita seu benefício clínico a longo prazo.
Embora incomum, a mutação BRAF V600E surge como mecanismo de resistência adquirida em aproximadamente 3% dos pacientes em tratamento com osimertinibe, e até o momento, não existem estudos prospectivos que respaldem o bloqueio simultâneo da via da MAP quinase.
Neste artigo, os pesquisadores relatam um caso de importante resposta radiológica e dos níveis de DNA tumoral circulante (ctDNA) a partir do tratamento combinado com dabrafenibe, trametinibe e osimertinibe em um paciente com adenocarcinoma de pulmão avançado EGFR mutado que desenvolveu, como mecanismos de resistência ao tratamento de segunda linha com osimertinibe, as mutações BRAF V600E e PIK3CA E545K, além de amplificação em EGFR.
“Empregamos o PCR digital (ddPCR) como um método adicional de vigilância durante todo o tratamento do paciente, e observamos uma interessante concordância entre as variações nos níveis das alterações genômicas de interesse avaliadas no ctDNA com os achados de imagem por PET-CT”, observam os autores.
“O caso sugere a importância de estudos prospectivos avaliando a eficácia e segurança da combinação em linhas posteriores de tratamento e demonstra o potencial do ctDNA no monitoramento dos mecanismos de resistência e da performance do tratamento na prática clínica”, acrescentam.
Os pesquisadores descrevem o caso de um paciente do sexo masculino de 50 anos, não fumante, diagnosticado com adenocarcinoma de pulmão em estadio IV com EGFR del19 (E746_A750) em setembro de 2016. Após progressão de doença à segunda linha de tratamento com osimertinibe em dezembro de 2018, o sequenciamento de nova geração (NGS) realizado em amostra de biópsia óssea revelou as mutações BRAF V600E e PIK3CA E545K, bem como uma amplificação em EGFR. “Em janeiro de 2020, após aproximadamente um ano de regimes baseados em quimioterapia, ele se apresentou em nosso consultório queixando-se de dor óssea intensa e limitante no quadril a despeito do uso de analgésicos opióides em doses elevadas, bem como fadiga e inapetência”, relatam.
Considerando o bom performance status e funções orgânicas do paciente, os médicos iniciaram tratamento com dabrafenibe 75 mg 2x/dia, trametinibe 1 mg 1x/dia e osimertinibe 80 mg 1x/dia.
Após 2 semanas do início do tratamento, o paciente obteve resolução da forte dor óssea (dispensando o uso de analgésicos), além de referir melhora acentuada do apetite e da qualidade de vida. Como eventos adversos, o paciente apresentou fadiga leve, disgeusia, febre e náuseas, o quais foram manejados com sucesso com medicamentos sintomáticos.
Em abril de 2020, um novo PET-CT revelou resposta completa em linfonodos e uma resposta parcial notável no pulmão e nos ossos, como redução de 67% da carga tumoral pré-existente. “Houve negativação das mutações EGFR T790M, BRAF V600E e PIK3CA E545K no plasma do paciente, com redução substancial da mutação ativadora EGFR del19 (E746_A750del), sugerindo que a combinação de dabrafenibe, trametinibe e osimertinibe é estratégia potencialmente eficaz para superar a resistência ao osimertinibe mediada por PIK3CA E545K e BRAF V600E”, destaca a publicação.
O paciente permaneceu em resposta até outubro de 2020, quando desenvolveu progressão de doença óssea assintomática na coluna lombar, ísquio esquerdo e osso ilíaco direito, 8 meses após o início desta terapia combinada.
Devido ao considerável benefício clínico, boa tolerância e falta de opções de tratamento sistêmico, os pesquisadores decidiram manter o paciente em tratamento, aumentando as doses de dabrafenibe (150 mg 2x/dia) e trametinibe (2 mg 1x/dia) em dias alternados.
“Este relato de caso contribui para uma melhor compreensão do comportamento biológico e do manejo de pacientes com câncer de pulmão que evoluem com a mutação BRAF V600E como mecanismo de resistência a osimertinibe, acrescentando informações valiosas à limitada literatura sobre o assunto, uma vez que relata uma tentativa bem-sucedida de atacar tais alterações genômicas simultaneamente e fornece dados de ctDNA ao longo do todo o tratamento. Investigações adicionais visando otimizar a eficácia e mitigar o perfil de toxicidade dessa associação de drogas representam uma questão de grande importância para o melhor manejo desses pacientes”, concluem os autores.
Comentários adicionais sobre o artigo podem ser acessados na Nature Portfolio Community.
Referência: Ribeiro, M.F.S.A., Knebel, F.H., Bettoni, F. et al. Impressive response to dabrafenib, trametinib, and osimertinib in a metastatic EGFR-mutant/BRAF V600E lung adenocarcinoma patient. npj Precis. Onc. 5, 5 (2021). https://doi.org/10.1038/s41698-021-00149-4