A oncogeriatra Isabella Gattás Vernaglia (foto), médica do ICESP e do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, é primeira autora de estudo que buscou avaliar o impacto da pandemia de COVID-19 na saúde física e psicológica no tratamento de pacientes ambulatoriais idosos com câncer. Os resultados foram publicados no Journal of Geriatric Oncology. Theodora Karnakis, coordenadora de oncogeriatria das institutições, é a autora sênior do trabalho.
Desde março de 2020, o distanciamento social tem sido incentivado como a principal forma de controlar a contaminação pela COVID-19, especialmente para indivíduos de alto risco. No entanto, muitos fatores dessa estratégia estão relacionados à diminuição da qualidade de vida. Entre elas: ficar sem visitas em casa, mudanças inevitáveis na dieta alimentar, falta de exercícios físicos, redução da estimulação cognitiva, interrupção terapias de reabilitação, que em última análise podem levar à fragilidade física e incapacidade funcional.
No estudo, pacientes com 60 anos ou mais foram recrutados no ambulatório de oncogeriatria (com câncer) e no ambulatório de geriatria geral (sem câncer) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). A análise excluiu pacientes com demência, com dependência grave para atividades da vida diária e aqueles que não conseguiam se comunicar de forma eficaz por telefone. Por apresentarem isolamento social menos restritivo, também foram excluídos os pacientes que necessitaram fazer visitas hospitalares frequentes (semanais) devido ao tratamento oncológico durante o período do estudo.
Os dados foram recuperados de prontuários médicos para fatores sociodemográficos, histórico médico, fragilidade de acordo com a escala FRAIL e a última pontuação do performance status ECOG para o grupo de câncer. Os pesquisadores completaram as avaliações iniciais por meio de uma entrevista estruturada por telefone, na qual foi investigado o acompanhamento de notícias sobre o COVID-19 e seu nível de preocupação sobre a pandemia. Eles também forneceram informações sobre a adesão ao tratamento, medidas de precaução de contato e status da vacina contra influenza.
Para a avaliação psicológica, foram utilizadas a Escala de Solidão da UCLA de 3 itens (UCLA-3) e o 4-Item Patient Health Questionnaire (PHQ-4), que avalia depressão e ansiedade. Também foi avaliado o impacto da pandemia na qualidade de vida, com três alternativas de resposta - “absolutamente nada”, “em certa medida” ou “muito”.
A saúde física foi avaliada através do Life-Space Assessment (LSA) e do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) Short Form. O impacto da pandemia na mobilidade espacial e nos níveis de atividade física foram analisados em dois diferentes momentos: antes da quarentena (fevereiro de 2020) e durante a quarentena. “Definimos a maior redução na mobilidade do espaço vital como uma diminuição de ≥20 pontos no escore LSA”, esclarecem os autores.
Os pesquisadores também investigaram outros aspectos sobre os participantes com câncer, como consulta telefônica de um oncologista, interrupção ou adiamento de tratamentos oncológicos e se tinham mais medo do câncer ou da COVID-19.
Resultados
Um total de 75 pacientes com câncer (casos) foi pareado com 125 pacientes sem câncer (controles), com idade média de 78 (DP ± 7) anos. No grupo de câncer, os tumores mais frequentes foram próstata (32%), trato gastrointestinal (19%) e mama (15%). A maioria dos pacientes apresentava doença estágio III (35%) ou IV (31%), e 52% tinham ECOG de 1.
Não houve diferença entre os dois grupos quando questionados sobre o impacto da COVID-19. A adesão às medidas preventivas contra a doença em geral foi boa. A prevalência de ansiedade foi relativamente alta, afetando 21% da amostra, mas não foram observadas diferenças significativas entre os grupos em relação à saúde psicológica. Quando questionados sobre o impacto da pandemia COVID-19 na sua qualidade de vida, 73% dos participantes responderam que a pandemia os afetou de alguma forma ou muito, sem diferença entre os grupos. No grupo de câncer, apenas quatro pacientes interromperam a medicação durante a pandemia e 20% receberam consultas médicas por telefone.
Embora os dois grupos não tenham apresentado diferença na medida de atividade física, foi observado um maior impacto da pandemia na mobilidade espacial dos participantes com câncer. Enquanto 73% do grupo de pacientes com câncer experimentou uma grande redução em sua mobilidade espacial, o mesmo aconteceu com apenas 47% do grupo controle (p <0,001).
“Descobrimos que ter câncer foi independentemente associado a apresentar uma grande redução da mobilidade espacial durante a pandemia, com um OR ajustado de 3,79 (IC 95% = 1,54–9,34). Fatores como subtipo ou estadiamento do câncer e modalidades de tratamento tiveram algum impacto na ocorrência de redução da mobilidade espacial (do inglês, Life-Space Assessment – LSA), embora não tenha atingido significância estatística. Também nos chamou a atenção o fato de 70% dos participantes do grupo de câncer relatarem mais medo da COVID-19 do que do próprio câncer”, ressaltam os autores.
Esse estudo faz parte de uma coorte ampla multicêntrica de idosos que estão sendo acompanhados por entrevistas telefônicas estruturadas ao longo dos meses da pandemia. Idosos dos serviços de geriatria do HCFMUSP, ICESP, INCOR e do Hospital do Coração (HCor) de São Paulo estão sendo seguidos com intuito de avaliar o impacto da restrição de mobilidade na saúde física e mental. “A literatura internacional prévia já apontava para uma associação entre uma redução no LSA e desfechos adversos (por exemplo, quedas, institucionalização, mortalidade) em idosos da comunidade. Uma publicação inicial do nosso grupo, de fato apontou para redução na qualidade de vida de idosos relacionada a restrição da mobilidade, em especial para idosos frágeis (Saraiva, M.D., Apolinario, D., Avelino-Silva, T.J. et al. The Impact of Frailty on the Relationship between Life-Space Mobility and Quality of Life in Older Adults During the COVID-19 Pandemic. J Nutr Health Aging (2020))”, esclarece Isabella.
Em conclusão, os pacientes ambulatoriais mais velhos com câncer apresentaram uma diminuição mais significativa na mobilidade espacial do que aqueles sem câncer durante a pandemia. “O isolamento social é uma medida fundamental no combate da COVID-19. Contudo, entender as consequências da restrição de mobilidade é crucial para promover os cuidados de saúde na população idosa com câncer no contexto atual. Nossos dados mostraram que idosos com câncer podem ter sido especialmente impactados pelo isolamento social e pelo medo de contrair COVID-19. Sendo assim, medidas proativas com foco em manter terapias de reabilitação multidisciplinar, atividade física, controle de comorbidades e atenção para saúde mental, além de melhora na qualidade de vida, possivelmente beneficiam o tratamento oncológico como um todo”, conclui Isabella.
Referência: Gattás-Vernaglia IF, Ramos PT, Perini MLL, Higa CS, Apolinario D, Aliberti MJR, Kanaji AL, Adriazola IO, Saraiva MD, Avelino-Silva TJ, de Assis Moura Tavares C, Jacob-Filho W, Karnakis T. Impact of the COVID-19 pandemic on the life-space mobility of older adults with cancer.J Geriatr Oncol. 2021 Feb 15:S1879-4068(21)00036-9. doi: 10.1016/j.jgo.2021.02.012. Epub ahead of print. PMID: 33640305; PMCID: PMC7883734.