Onconews - Câncer, poluição ambiental e o impacto das guerras

Depois do sucesso no WCLC 2024, o oncologista Felipe Roitberg (foto) se prepara para repetir a apresentação no próximo congresso da União Internacional do Controle do Câncer (UICC), em análise que explora os fatores de risco para câncer de pulmão em áreas de conflito. “É fundamental atualizar as evidências da exposição a carcinógenos decorrente de conflitos militares, para dar subsídios a agências como a IARC e, a partir deles, dar suporte à implementação de resoluções da ONU que serão vitais para garantir responsabilização jurídica por danos ambientais e à saúde”, resume Roitberg.

Evidências crescentes têm associado a poluição ambiental a diferentes agravos à saúde, incluindo o câncer de pulmão. Uma reflexão necessária e urgente revela uma perspectiva nem sempre considerada como dano colateral dos conflitos armados: a poluição e o enorme impacto ambiental - desmatamento, erosão do solo, perda da biodiversidade, contaminação das águas e emissão de gases que aumentam o efeito estufa. Roitberg ilustrou cenários e apresentou em números alguns dos indicadores que ajudam a dimensionar a extensão do problema, em análise que explorou a exposição a carcinógenos transportados pelo ar decorrente de conflitos militares e o risco de câncer de pulmão.

Os fatores de risco compreendem desde a inalação de asbestos, diante de sua prevalência nas construções de Gaza e Ucrânia, até o enorme volume de resíduos (debris) a serem manejados – um volume de milhões de toneladas, equivalente a 10 pirâmides de Gizé, Egito. “Manejar esse resíduo sem equipamento e planejamento pode novamente elevar material particulado e ampliar a contaminação na área, o que demandaria cerca de 600 milhões de dólares e 15 anos de trabalho”, explica o oncologista.

E os desafios vão além. A poluição por resíduos de acampamentos militares também contém carcinógenos para câncer de pulmão - desde fumaça de combustível tóxico, como diesel e querosene de aviação, até cádmio, por exemplo - produzidos em centenas de toneladas por dia. “A exposição trouxe consequências aos soldados americanos que estiveram no Iraque e que hoje buscam reparação pelo governo americano, mas as investigações são retrospectivas e sofrem com falta de evidências publicadas, além de embargos do governo na apuração, evidenciando a importância de mais pesquisas”, prossegue Roitberg. “Por fim, metais pesados e radioativos, como tungstênio e Urânio depletado, são usados desde e guerra do Iraque e se constituem potencial risco à saúde humana. 

Os número de conflitos armados ativos triplicou em 2023, atingindo o nível mais alto já registrado pelo Uppsala Conflict Data Program (UCDP), com as maiores taxas de mortalidade registradas desde o genocídio de Ruanda em 1994. “Os conflitos aumentaram cerca de 3 vezes na última década e os mais de 120 milhões de refugiados e asilados estão por todo o globo, uma agenda que nos afeta e, portanto, merece o olhar até hoje esquecido aos vulneráveis que estarão sobre nossos cuidados”, analisa.

Na apresentação no WCLC 2024, Roitberg sublinhou o esforço da assembleia geral da ONU, através da Resolução de 7 de dezembro de 2022, que estabelece princípios sobre a proteção do meio-ambiente em relação a conflitos armados. A Resolução recorda a necessidade urgente e os objetivos comuns de reforçar e promover a conservação, restauração e uso sustentável do meio ambiente para as gerações presentes e futuras, assim como prevê que os Estados respeitarão o direito internacional que fornece proteção ao meio ambiente em tempos de conflito armado. “Se implementada, a resolução também levará ao desenvolvimento de orientações técnicas muito necessárias sobre como medir danos ambientais”, diz Roitberg.

As revisões da IARC datam de mais de 20 anos. Atualizar essas revisões com o conhecimento acumulado e, ao mesmo tempo, gerar conhecimento, mensurando a exposição atual a carcinógenos em situação de guerra, são esforços para melhor caracterização e reclassificação dos riscos. “A partir disso, poderemos subsidiar esforços para garantir responsabilização jurídica, através de políticas e intervenções que penalizem o dano ambiental e à saúde, permitindo igualmente a reparação e os cuidados em saúde”, conclui o oncologista.

Referência:

PL05.07Airborne Carcinogen Exposure Arising from Military Conflict
Felipe Roitberg
PL05Plenary Session: Unmasking Lung Cancer: Exploring the Rising Influence of Non-Tobacco Factors