Evidências já apontavam para o comportamento indolente da variante folicular encapsulada do carcinoma papilífero de tireoide (EFVPTC, da sigla em inglês), mas até hoje a maioria dos pacientes continua a receber tratamento convencional, o que evidencia os riscos do overtreatment. Agora, estudo publicado no JAMA, com a participação do patologista brasileiro Venâncio Avancini Alves (foto), do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, propõe uma nova nomenclatura para definir adequadamente as características biológicas e clínicas desses tumores.
Foto: Bruno Marinho
“O grande conceito que esse documento de consenso introduziu em relação à variante folicular encapsulada é a importância de discriminar o tipo que invade a cápsula daquele que não invade. Carcinomas papilíferos não são todos iguais e têm comportamentos biológicos diferentes”, explica o médico patologista Venâncio Avancini Alves, diretor do Centro de Patologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, e professor titular e chefe do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP.
Os pesquisadores consideraram dados retrospectivos de pacientes com nódulos tireoidianos diagnosticados como EFVPTC, incluindo 109 pacientes com EFVPTC não invasivo observados por 10 a 26 anos, e 101 pacientes com EFVPTC invasivo, que foram acompanhados em um seguimento de 1 a 18 anos. A revisão histológica das lâminas recolheu dados de 13 centros, em 5 países, para reavaliação por 24 patologistas da tireoide, a partir de 7 países.
“Passamos dois anos examinando lâminas escaneadas, aprimoramos os critérios com uma série de teleconferências e até uma conferência presencial para, finalmente, estabelecer o documento de Consenso e um conjunto de critérios histológicos para o diagnóstico e a nova nomenclatura”, esclarece. “Uma tendência cada vez mais presente na oncologia é reduzir o overtreatment. Esse consenso traz critérios claros para selecionar casos indolentes e que podem ser poupados de tratamentos mais agressivos, realmente marcando um novo paradigma”, diz Alves.
A nova nomenclatura
Dos casos avaliados, todos os 109 pacientes com carcinoma papilífero folicular encapsulado não-invasivo estavam vivos sem evidência de doença no final do seguimento, sendo que 67 foram tratados apenas com lobectomia, nenhum recebeu ablação com iodo radioativo. No grupo invasivo, marcando claramente a distinção do comportamento biológico dos tumores, 5 pacientes desenvolveram metástases à distância e 2 morreram da doença.
Com base nessas informações, a nova nomenclatura adotada para o subgrupo sem permeação da cápsula ou de vasos é de "neoplasia tireoidiana folicular não-invasiva com núcleos papilares-like (NIFTP)”.
Um esquema de pontuação simplificado para o diagnóstico foi desenvolvido e validado, com sensibilidade de 98,6% (IC 95%, 96,3% -99,4%), especificidade de 90,1% (IC 95%, 86,0% -93,1%) e exatidão de classificação de 94,3% (IC de 95%, 92,1% -96,0%) para NIFTP.
Em conclusão, de acordo com os critérios desse consenso, os tumores até então diagnosticados como EFVPTC não invasivo passam a ser denominados NIFTP. Esta reclassificação irá afetar uma grande população de pacientes em todo o mundo e resultar em uma redução significativa de efeitos clínicos e psicológicos associados com o diagnóstico de câncer. “Esta compreensão é inovadora, prática, mas ainda requer trabalhos de validação e esperamos que até o final do ano a nova nomenclatura seja validada pela Organização Mundial de Saúde. Temos claramente o interesse de validar e divulgar este consenso”, diz o especialista.
O documento está disponível para acesso livre através da página do JAMA na internet, no endereço http://oncology.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=2513250
Referência: Nomenclature Revision for Encapsulated Follicular Variant of Papillary Thyroid CarcinomaA Paradigm Shift to Reduce Overtreatment of Indolent Tumors - JAMA Oncol. Published online April 14, 2016. doi:10.1001/jamaoncol.2016.0386