Análise que buscou avaliar a consistência interobservador envolvendo 36 patologistas e 50 espécimes cirúrgicos consecutivos de câncer de mama previamente diagnosticados como IHC HER2- 0 mostrou que a baixa consistência entre patologistas na distinção de casos HER2-nulo e HER2-ultralow pode impactar a elegibilidade do paciente para novas terapias. A patologista Helenice Gobbi (foto), Professora Titular de Patologia Especial da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), comenta o trabalho.
Nos últimos anos, trastuzumabe deruxtecana (T-DXd) demonstrou benefícios clínicos significativos no câncer de mama irressecável e/ou metastático em pacientes com receptor 2 do fator de crescimento epidérmico humano (HER2)-low [imuno-histoquímica (IHC) 1+ ou IHC 2+/hibridização in situ negativa], após o sucesso da série de ensaios clínicos DESTINY-Breast (DB), instituindo um novo paradigma de tratamento. Os resultados preliminares do ensaio clínico DB-06, anunciados em junho de 2024, demonstraram ainda que T-DXd oferece benefícios clínicos para pacientes com câncer de mama avançado HER2-ultralow (definido como HER2 IHC >0 e <1+), com impacto significativo na sobrevida livre de progressão. Portanto, o diagnóstico preciso de HER2-nulo e HER2-ultralow é essencial para dar suporte a estratégias de tratamento individualizadas para pacientes com câncer de mama.
Neste estudo, 36 patologistas de quatro centros na China conduziram avaliações visuais microscópicas em lâminas de IHC HER2 de 50 espécimes cirúrgicos consecutivos de câncer de mama, todos previamente diagnosticados como IHC HER2 0.
Os resultados relatados na ESMO Open por Wu, S et al. revelam que a consistência interobservador na diferenciação de HER2-nulo de HER2-ultralow, medida por Fleiss κ, foi de apenas 0,230 — menor do que a consistência para casos combinados de IHC HER2 0 (Fleiss κ = 0,344) e classificação binária (HER2-nulo versus HER2-não nulo; Fleiss κ = 0,292). Alta concordância para diferenciação de HER2-nulo versus HER2-ultralow foi alcançada em apenas 4% dos casos, enquanto combiná-los em IHC HER2 0 elevou os casos de alta concordância para 32%, maior do que os 18% observados na classificação binária. Assim, o consenso entre os 36 patologistas alinhados com pontuações históricas em 72% dos casos, não se confirmou na presente análise, pois ao subdividir HER2 IHC 0 em HER2-nulo e HER2-ultralow, a consistência caiu para 54%.
“A baixa consistência entre patologistas na distinção de casos HER2-nulo, HER2-ultralow e HER2-1+ pode impactar a elegibilidade do paciente para novas terapias com conjugados anticorpo-medicamento. Para enfrentar esse desafio, há uma necessidade de métodos de detecção aprimorados, avaliações quantitativas assistidas por inteligência artificial e conjuntos de dados clínicos maiores para refinar a definição de HER2-ultralow”, destacam os autores.
As diretrizes de 2023 da Sociedade Americana de Oncologia Clínica/Colégio de Patologistas Americanos (ASCO/CAP) reconhecem esse problema e oferecem recomendações de prática clínica para distinguir HER2 IHC 0 de IHC 1+. No entanto, a avaliação de casos HER2-low continua desafiadora.
“Nosso estudo demonstrou que ao distinguir entre HER2 IHC 0 e 1+, 34% dos casos alcançaram alta consistência, semelhante aos 26% relatados por Fernandez et al. ao distinguir entre HER2 IHC 0 e 1+. As pontuações de consenso reavaliadas mostraram uma concordância de 72% com as pontuações históricas, o que se alinha com os 69,9% relatados por Viale et al. No entanto, quando os patologistas diferenciaram ainda mais entre HER2-nulo, -ultralow e 1+, apenas 4% dos casos alcançaram alta consistência. Embora a proporção de casos com alta consistência tenha aumentado para 18% ao distinguir entre HER2-nulo e HER2-não nulo, ela permaneceu menor do que os resultados para distinguir apenas HER2 IHC 0 e 1+. Isso indicou que diagnosticar HER2-ultralow foi mais desafiador para os patologistas”, analisam.
O estudo em contexto
Por Helenice Gobbi, Professora Titular de Patologia Especial da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM)
O trabalho de Wu et al. analisou a variação inter e intraobservador na avaliação de cânceres de mama com níveis baixos, muito baixos ou zero de HER2, e relataram baixa consistência na concordância interobservador. Os autores concluem que para contornar estes desafios há a necessidade de aprimorar os métodos de detecção e usar outros métodos de avaliação como o uso de inteligência artificial. Eles também indicam a utilização das recomendações mais recentes (2023) feitas pelo comitê da ASCO/CAP para melhorar esta avaliação.
Além destes aspectos abordados pelos autores, compartilho abaixo alguns pontos importantes:
1- Os métodos imuno-histoquímicos e anticorpos que temos disponíveis foram padronizados para detectar a superexpressão do HER2, casos 2+ e 3+. É possível que novos anticorpos mais sensíveis venham a ser desenvolvidos para detecção de níveis muito baixos da proteína. E maior treinamento dos patologistas, além do uso de ferramentas como IA, para melhorar o diagnóstico destes casos.
2- No Brasil, devemos acrescentar o cuidado com peça cirúrgica/ amostra tumoral, em especial da fase pré-analítica que envolve colheita, fixação imediata, transporte ao laboratório e clivagem mais rápida. Estas etapas são fundamentais para garantir que as proteínas fiquem preservadas e possam ser detectadas pela imuno-histoquímica em todos os níveis de expressão.
3- O comitê ASCO/CAP sugere, além dos cuidados com a peça e padronização do método IHQ, que em casos de muito baixa expressão um segundo examinador avalie a coloração.
4- Na minha opinião, o uso de IA pode ajudar, mas depende do estabelecimento de padrões, intensidade de coloração e limites (thresholds) que são determinados por patologistas treinados que alimentam o programa com milhares de imagens para “ensinar” e calibrar o computador para detectar todos os diferentes níveis da coloração. Além disso, a lâmina que será escaneada e analisada por IA deverá ter qualidade suficiente para permitir esta avaliação automatizada.
Referência:
Interobserver consistency and diagnostic challenges in HER2-ultralow breast cancer: a multicenter study. Wu, S. et al. ESMO Open, Volume 10, Issue 2, 104127