Onconews - Quimioterapia adjuvante e sobrevida no adenocarcinoma pancreático após mFOLFIRINOX neoadjuvante

Análise retrospectiva envolvendo 48 centros em 20 países sugere que os regimes de quimioterapia adjuvante multiagentes têm impacto na sobrevida global (SG) em pacientes com adenocarcinoma pancreático que receberam quimioterapia pré-operatória com (m)FOLFIRINOX e cirurgia para doença localizada, com menor benefício de SG entre os tratados com 8 ou mais ciclos de (m)FOLFIRINOX pré-operatório, pacientes que tiveram resposta radiológica e aqueles com doença ypN0. André Roncon Dias (foto), médico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), comenta os principais achados.

Nesta análise, os autores argumentam que o efeito da quimioterapia adjuvante após a ressecção de adenocarcinoma pancreático em pacientes tratados com (m)FOLFIRINOX pré-operatório não está claro porque os estudos atuais não levam em conta o número de ciclos de quimioterapia pré-operatória e o regime de quimioterapia adjuvante.

Este estudo de coorte retrospectivo incluiu pacientes com adenocarcinoma pancreático localizado tratados com 2 a 11 ciclos de (m)FOLFIRINOX pré-operatório seguido de ressecção, selecionados de 2010 a 2018, a partir de 48 centros em 20 países. O desfecho primário foi a sobrevida global, calculada a partir do marco de 3 meses. A análise de regressão de Cox, incluindo análises de interação, foi realizada para avaliar a associação da quimioterapia adjuvante com a sobrevida global. Os dados foram analisados ​​de 1º de fevereiro a 31 de dezembro de 2023.

A base de análise considerou 767 pacientes incluídos após a ressecção do adenocarcinoma pancreático (idade mediana [IQR], 62 [55-67] anos; 404 [52,7%] homens). Os resultados mostram que a quimioterapia adjuvante foi independentemente associada à sobrevida global prolongada (razão de risco [HR], 0,66; IC de 95%, 0,49-0,87), confirmada por curvas de SG ajustadas. A análise de interação avaliando o efeito estimado do tratamento entre os subgrupos não foi estatisticamente significativa. O gráfico florest plot e o teste de interação sugerem que a associação da quimioterapia adjuvante com SG foi menor entre os pacientes que receberam 8 ou mais ciclos de (m)FOLFIRINOX pré-operatório, aqueles que tiveram resposta radiológica e pacientes com doença ypN0.

Na comparação com a não quimioterapia adjuvante, o tratamento adjuvante com (m)FOLFIRINOX (uma combinação de leucovorina cálcica [ácido folínico], fluorouracil, cloridrato de irinotecano e oxaliplatina em dosagem completa ou modificada) foi associado à sobrevida global prolongada (HR, 0,57; IC de 95%, 0,40-0,80), assim como outros regimes adjuvantes multiagentes (HR, 0,61; IC de 95%, 0,41-0,92), enquanto a quimioterapia adjuvante de agente único não mostrou benefício de SG (HR, 0,75; IC de 95%, 0,55-1,03).

Em síntese, neste estudo de coorte, o tratamento adjuvante com (m)FOLFIRINOX e outros regimes de quimioterapia multiagente foram associados com melhor SG em pacientes com adenocarcinoma pancreático que receberam quimioterapia pré-operatória com (m)FOLFIRINOX e foram abordados cirurgicamente para doença localizada.

O estudo em contexto

Por André Roncon Dias, Professor Livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Cirurgião do Aparelho Digestivo - Cirurgia Gastrointestinal com foco em câncer

O recém-publicado artigo Adjuvant Chemotherapy After Resection of Localized Pancreatic Adenocarcinoma Following Preoperative FOLFIRINOX, de Stoop e colaboradores, é uma análise retrospectiva multicêntrica que investigou a controversa questão da adjuvância em pacientes com adenocarcinoma de pâncreas borderline ou localmente avançado e que receberam tratamento quimioterápico pré-operatório com FOLFIRINOX.

Ao analisar uma grande coorte de 742 pacientes, dos quais 551 receberam adjuvância, os autores observaram que aqueles que receberam tratamento adjuvante com FOLFIRINOX (ou outros regimes multiagentes) tiveram benefício de sobrevida, enquanto um regime de agente único não demonstrou ganho significativo. O benefício diminui após 30 meses, sugerindo que a adjuvância suprime a doença, ao invés de curar. Esse dado conflita com estudos randomizados que demonstraram benefício do tratamento multimodal após ressecção cirúrgica de princípio.

O presente estudo também demonstrou benefício limitado para determinados subgrupos: os que tiveram resposta patológica, os ypN0 e aqueles que receberam 8 ou mais ciclos no pré-operatório. Este último dado é de particular interesse, uma vez que Guidelines internacionais recomendam tratamento multimodal com 6 meses de quimioterapia (12 ciclos) baseados em estudo de tratamento adjuvante após cirurgia de princípio.

Apesar de robusto e de ser o principal estudo sobre o tópico, é necessário interpretar os dados com cautela e aguardar estudos prospectivos e controlados. Sua natureza retrospectiva traz consigo muitas limitações: o grupo da adjuvância teve menos complicações cirúrgicas maiores (11 vs 25%) sugerindo viés de seleção para indicar adjuvância; quase a metade do grupo da adjuvância recebeu regime quimioterápico monodroga (46,8%); este grupo também teve menos casos ypN0 (53,4 vs 57,8%); a incidência de margens livres foi maior que o esperado (talvez fruto da excelência dos centros, talvez por análise patológica inadequada); 44% dos pacientes receberam radioterapia pré-operatória; além disso há vários outros fatores de confusão (níveis de Ca19-9, tipo de resseção cirúrgica, tamanho tumoral, dentre outros).

Por fim, vale ressaltar que a análise multivariada favoreceu o grupo que recebeu adjuvância (Hazard Ratio: 0,66) e que o grupo FOLFIRINOX adjuvante foi o com maior sobrevida em 60 meses.

Referência:

Stoop TF, Sugawara T, Oba A, et al. Adjuvant Chemotherapy After Resection of Localized Pancreatic Adenocarcinoma Following Preoperative FOLFIRINOX. JAMA Oncol. Published online January 23, 2025. doi:10.1001/jamaoncol.2024.5917