Em artigo publicado no New England Journal of Medicine1 em 5 de maio, pesquisadores do New York-Presbyterian and Weill Cornell Medicine questionam os resultados do estudo de larga escala PLCO (Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian trial) que buscou avaliar o valor do teste de PSA e serviu de base para as recomendações de 2012 do USPSTF2. Segundo os especialistas, existem limitações na metodologia do estudo que sublinham a necessidade de reavaliar a abordagem.
A análise foi apresentada por seu principal autor, o residente em urologia Jonathan Shoag, em Sessão Plenária da reunião anual da American Urological Association, em San Diego, Califórnia, dia 9 de maio3.
O PLCO4 é um dos dois grandes estudos que investigam o impacto do teste de PSA em uma grande população. Outro grande estudo, o European Randomized Study of Screening for Prostate Cancer5, descobriu que o teste de PSA está associado com uma redução substancial da mortalidade por câncer de próstata ao longo do tempo, contrariando as conclusões do estudo PLCO.
Para Igor Morbeck, oncologista do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês - Unidade Brasília - e membro do Grupo Brasileiro de Tumores Urológicos (GBTU), o estudo publicado na NEJM contribui efetivamente para corrigir falhas das recomendações polêmicas do PCLO e direcionam para uma necessidade de estudar melhor esta questão antes de mudar as diretrizes de rastreamento do câncer de próstata. "A detecção precoce, quando apropriadamente aplicada em populações específicas de maior risco, parece de fato reduzir a mortalidade do câncer de próstata. Entretanto, essa redução pode vir acompanhada do custo do overtreatment, que pode ocorrer em até 50% dos homens diagnosticado por PSA", acrescenta.
Para Shoag, embora existam riscos de overdiagnosis e overtreatment associados com o teste PSA, ele pode desempenhar um papel importante na prevenção de mortes por câncer de próstata como parte de uma abordagem personalizada para o rastreamento. "Nós vamos ter de reconsiderar esta questão", afirmou.
O estudo PLCO
No estudo PLCO, patrocinado pelo National Cancer Institute, um grupo de homens foi designado para receber o rastreamento do câncer de próstata, incluindo testes de PSA, e comparado com um grupo-controle que recebeu os cuidados habituais. Os pesquisadores concluíram que não houve diferença efetiva na taxa de mortalidade entre os dois grupos, o que levou aos questionamentos sobre a eficácia do PSA. No entanto, após examinar cuidadosamente a metodologia do estudo, os pesquisadores do New York-Presbyterian and Weill Cornell Medicine descobriram que cerca de 90% dos homens no grupo de controle do estudo tinham recebido o teste do PSA durante o estudo, o que significa que a comparação entre os braços não é útil para avaliar a eficácia do teste.
“Nós demonstramos que o estudo PLCO não comparou um grupo de homens que receberam o teste de PSA com um grupo de homens que não foram rastreados, mas sim homens que também foram rastreados, e por isso devemos reconsiderar quaisquer decisões com base no estudo", disse Shoag.
A principal crítica ao trabalho se refere ao grau de testes de PSA no grupo controle relatados na publicação dos resultados em 2009, que indicam que "aproximadamente 50% dos homens no grupo de controle receberam pelo menos 1 teste de PSA durante o estudo".
Segundo Shoag, esta é uma interpretação errada. As taxas de testes durante o estudo foram determinadas por uma pesquisa de acompanhamento, denominada Health Status Questionnaire (HSQ), administrada a um subgrupo de participantes do grupo controle.6 No HSQ, os homens foram questionados se já haviam recebido um teste de PSA para câncer de próstata, juntamente com perguntas sobre quando e por que o teste foi realizado. “No relatório publicado em 2009, a taxa de teste no grupo controle foi limitado aos homens que responderam que tinham sido testados no ano anterior como parte de um exame físico de rotina, mas as outras respostas não foram consideradas”, afirmou.
O trabalho de Shoag mostra que o teste PSA foi realizado em mais de 80% dos participantes do grupo de controle (para os quais o PSA foi definido como ≥ 2 testes 3 anos antes da entrada no estudo). Os respondentes relataram ter sofrido pelo menos um teste de PSA (mais de 50% no ano anterior e 70% nos últimos 2 anos). No geral, a proporção de participantes desse braço que relatou ter sido submetido ao teste no ano anterior ou durante o estudo chega próxima a 90%. Além disso, quando ambos os grupos foram pesquisados com o HSQ, os homens do grupo controle relataram ter tido mais testes PSA cumulativos do que os homens no grupo de intervenção. “Estes esclarecimentos devem ser considerados, principalmente dada a crescente evidência de que o teste de PSA intermitente diminui os custos e os danos do rastreamento anual”, conclui Shoag.
Para Fernando Cotait Maluf, diretor do Serviço de Oncologia Clínica do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes e oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, o fato é que os estudos, em sua grande maioria, têm problemas metodológicos importantes. "Mas a despeito desses problemas, o que acontece é que o rastreamento não é inteligente, nem do ponto de vista de frequência, nem do ponto de vista de melhores exames para se fazer”, afirma
Segundo o especialista, a percepção hoje é que talvez o rastreamento anual não seja necessário para a grande maioria dos homens. “Os exames atuais são úteis, mas no modo como são feitos eles acabam diluindo seu valor, e aumentando seu custo pela frequência. Mas a priori, mesmo com essas deficiências, existe um benefício para um grupo de homens, que pode ser melhorado do ponto de vista da custo-efetividade. Atualmente, vários grupos estão avaliando essas estratégias mais personalizadas, baseadas no nível do primeiro PSA, e proposto um rastreamento mais espaçado. Se o resultado do PSA for muito baixo, você joga o próximo teste para alguns anos. É para essa nova direção que as coisas estão caminhando”, esclarece.
O segundo aspecto citado pelo oncologista diz respeito a outros marcadores que vêm sendo estudados e parecem ser melhores que o PSA, como biomarcadores urinários, por exemplo. “Esses marcadores são mais inteligentes porque se mostram alterados em doenças clinicamente mais relevantes, poupando o diagnóstico de pacientes com doenças mais indolentes que não precisariam de tratamento”, diz.
Ele acrescenta que mesmo que o rastreamento não seja preconizado em vários países, em sua maioria desenvolvidos, os homens desses países costumam ir aos médicos fazer o acompanhamento da sua saúde. Já o homem brasileiro não tem esse hábito. “É por causa disso, na nossa opinião, que a mortalidade por câncer de próstata no Brasil é, proporcionalmente, quase o dobro dos Estados Unidos. O rastreamento teria como outro potencial benefício fazer o indivíduo ir ao médico, uma vez que a população brasileira masculina negligencia a atividade médica regular preventiva”, conclui.
Atualização das recomendações do USPSTF
O US Preventive Services Task Force (USPSTF) está atualizando suas recomendações para o rastreamento de câncer de próstata. Um plano de pesquisa7 deve orientar uma revisão sistemática das evidências disponíveis sobre o rastreamento do câncer de próstata e formar a base da declaração de recomendação atualizada da USPSTF.
Em 2012, a organização se posicionou contrária ao PSA de rotina em homens saudáveis, independentemente da idade. No entanto, o documento deixou espaço para utilização do teste na clínica. "Os médicos devem entender a evidência, mas individualizar a tomada de decisões para o paciente ou situação específica", dizia o documento final, que foi publicado no Annals of Internal Medicine (2012;157:120-134). O fato é que desde então o uso do teste de PSA decresceu, especialmente entre os prestadores de cuidados de saúde primários.
Ao todo o documento contempla cinco questões-chave. A primeira aborda a efetividade da triagem com base no PSA na redução da mortalidade e morbidade por câncer de próstata. A segunda questão avalia os danos da triagem com base no PSA e avaliação diagnóstica (biópsia), enquanto a terceira e quarta questões abordam a eficácia do tratamento da doença em estágio inicial ou câncer de próstata detectado por rastreamento na redução da morbidade e mortalidade, e os danos do tratamento nesse perfil de pacientes.
A última questão é direcionada à eficácia dos cálculos de risco de câncer de próstata combinados com o rastreamento baseado no PSA para aumentar a detecção do câncer de próstata clinicamente significativo, mais provável de causar sintomas ou levar à doença avançada.
Referências:
1 - Reevaluating PSA Testing Rates in the PLCO Trial - N Engl J Med 2016; 374:1795-1796- May 5, 2016 DOI: 10.1056/NEJMc1515131
2 - Screening for prostate cancer: U.S. Preventive Services Task Force recommendation statement - Moyer VA. Ann InternMed 2012;157:120-134
3 - Abstract 1140: Reevaluating PSA testing rates in the PLCO trial - Jonathan Shoag*, SameerMittal, Joshua Halpern, Richard Lee, Douglas Scherr, Christopher Barbieri, Peter Schlegel, Jim Hu, New York, NY
4 - Mortality results from a randomized prostate-cancer screening trial - Andriole GL, Crawford ED, Grubb RL III, et al. N Engl J Med 2009;360:1310-1319
5 - Screening and Prostate-Cancer Mortality in a Randomized European Study
6 - Assessing contamination and compliance in the prostatecomponent of the Prostate, Lung, Colorectal, and Ovarian (PLCO) Cancer Screening Trial - Pinsky PF, Blacka A, Kramer BS, Miller A, Prorok PC, Berg C ClinTrials 2010;7:303-311
7- Final Research Plan for Prostate Cancer: Screening