A taxa de mortalidade da COVID-19 parece ser maior na população caucasiana do que na população asiática. É o que sugere artigo de Passaro, A et al no Annals of Oncology, que enfatiza a importância de reconhecer pacientes com câncer de pulmão como população prioritária para testes da COVID-19 e anuncia a criação de um registro global, o TERAVOLT (Thoracic Cancers International coVid 19 Collaboration), para avançar nas pesquisas de avaliação de risco. Quem comenta é o cirurgião oncológico Riad Younes (foto), Diretor Geral do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
“Apesar da falta de dados robustos, é essencial estabelecer um consenso internacional sobre testes para SARS-CoV-2 em pacientes com câncer de pulmão, onde a identificação precoce de SARS-CoV-2 pode resultar em gerenciamento personalizado”, sustentam os autores.
O artigo apresenta dados da China e da Itália, os dois primeiros países com maior incidência da COVID-19, para descrever uma absoluta maioria de infectados assintomáticos ou com sintomas leves no trato respiratório superior. “No entanto, cerca de 14-24% dos pacientes desenvolveram pneumonite e necessitaram de hospitalização e suporte de oxigênio. Cerca de 5% dos pacientes desenvolveram síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) ou disfunção aguda de órgão relacionada à sepse, exigindo internação em unidades de terapia intensiva”, reportam.
O estudo também levanta reflexões importantes acerca do comportamento da doença em diferentes populações. A taxa de mortalidade de casos (CFR =%), definida como o número de óbitos em pacientes positivos para COVID-19 dividido pelo número de pessoas com teste positivo, é significativamente mais alta para pacientes com doenças concomitantes, como cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias crônicas e câncer. “Esse fenômeno é observado nas populações chinesa e italiana, mas parece ser mais pronunciado na população caucasiana”, descreve o artigo. O CFR geral na China foi de 2,3% em comparação com 7,2% na Itália, uma diferença significativa, mesmo consideradas possíveis diferenças metodológicas entre os testes.
Passaro, A et al lembram que pacientes com câncer de pulmão representam uma população especialmente sensível. Uma proporção significativa de pacientes com câncer de pulmão precisa de corticosteroides para profilaxia, tratamento e controle dos sintomas relacionados ao câncer. No entanto, corticosteroides são possivelmente deletérios no manejo da COVID-19 e podem mascarar alguns dos primeiros sintomas da infecção por SARS-CoV-2, argumentam os autores, que defendem o teste rotineiro de SARS-CoV-2 em pacientes com câncer de pulmão em tratamento com esteroides.
“Na era do COVID-19, o manejo ideal de pacientes com câncer de pulmão permanece desconhecido e a comunidade oncológica deve aumentar a conscientização para evitar o aumento da mortalidade relacionada ao câncer e à infecção”, concluem os autores.
Câncer de pulmão e COVID-19: Projeto TERAVOLT para criar estratégias de manejo
Por Riad Younes, Diretor Geral do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
Com a explosão do número de pessoas infectadas pelo COVID-19, assim como do número de óbitos apesar de intensos esforços terapêuticos em pacientes com quadros graves, vários estudos tentaram estratificar o risco de evolução para quadro clínico mais severo, complicações graves e mortalidade eventual.
As grandes séries publicadas por pesquisadores na China e na Itália identificaram nos pacientes portadores de câncer riscos maiores de evolução desfavorável após a infecção por COVID-19.
Interessante notar que um estudo mais recente, extenso (5.688 pacientes infectados) realizado em New York, não observou correlação entre câncer e casos fatais pós-COVID-19 (N Engl J Med 2020:382:1589). Um outro estudo recente, também na população americana, não observou mortalidade maior em pacientes com câncer, apesar de necessitarem mais frequentemente de entubação e assistência ventilatória (Miyashita H, Ann Oncol, Maio 2020). Em todos os estudos, porém, doenças pulmonares crônicas e tabagismo foram correlacionados com pior evolução pós-exposição ao COVID-19 (Wu Z, Jama, Março 2020).
Recentemente, os oncologistas chamaram a atenção às situações clínicas peculiares dos pacientes com câncer de pulmão que impactam tanto o diagnóstico, quanto o tratamento e a evolução de pacientes com câncer de pulmão infectados pelo coronavírus: maioria fumantes ou ex-fumantes, sintomas respiratórios muito comuns, frequentes alterações radiológicas do parênquima pulmonar, associação com DPOC, uso frequente de corticosteroides, infiltrados inflamatórios intensos nos pulmões, frequente terapia-alvo com inibidores de tirosina quinase (TKIs) e de imunoterapia, ambas podendo levar a quadros de pneumonite potencialmente confundível com COVID-19.
Estas dificuldades de manejo de pacientes com câncer na era do Coronavírus levaram oncologistas torácicos ao redor do mundo a criar um registro global, o TERAVOLT - Thoracic cancERs international coVid 19 cOLlaboraTion) com o objetivo de coletar o máximo de informações a respeito de câncer de pulmão e COVID-19, e consequentemente criar estratégias de manejo sólidas e baseadas nos dados coletados.
Ao mesmo tempo, os autores recomendam avaliar a possibilidade de testar mais frequentemente todos os pacientes com câncer de pulmão, principalmente antes de iniciar tratamentos locoregionais ou à distância, além de convidar os oncologistas torácicos a participarem ativamente deste registro.
Referência: Passaro, A., Peters, S., Mok, T. S. K., Attili, I., Mitsudomi, T., & de Marinis, F. (2020). Testing for COVID-19 in lung cancer patients. Annals of Oncology. doi:10.1016/j.annonc.2020.04.002