Onconews - Critérios aprimorados para estadiamento do câncer pancreático

Felipe CoimbraEstudo de coorte retrospectivo avaliou pacientes com adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) localizado tratados em cinco centros de câncer nos Estados Unidos e Holanda, com alto volume de tumores pancreáticos. Os resultados mostram que a anatomia, o biomarcador CA 19-9 e o status de desempenho foram fatores prognósticos independentes para sobrevida global e devem ser considerados no estadiamento no momento do diagnóstico. “Esse estudo traz insights valiosos que reforçam aspectos já vistos na nossa prática clínica, como os fatores anatômicos, os níveis de CA 19-9, e o status de performance como partes vitais no estadiamento do adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) localizado”, diz Felipe Coimbra (foto), Head do Centro de Referência em Oncologia Digestiva Alta e da Cirurgia Abdominal do A.C.Camargo Cancer Center. Ele comenta abaixo os achados do estudo. 

Estudos anteriores sugerem que, além da anatomia (A: ressecável, limítrofe ressecável [BR], ou localmente avançado [LA]), também fatores biológicos (B: antígeno de carboidrato 19-9 [CA 19-9]) e condicionais (C: status de desempenho) devem ser considerados no estadiamento de pacientes com PDAC.

Neste estudo de coorte retrospectivo, os pesquisadores utilizaram análise multivariável de riscos proporcionais de Cox para investigar o impacto dos fatores ABC na sobrevida global (SG) de pacientes com PDAC localizado tratados com fluorouracil inicial (modificado) com leucovorina, irinotecano e oxaliplatina ([m]FOLFIRINOX) em cinco centros de câncer pancreático holandeses e norte-americanos, durante o período de 2012 a 2019.

No geral, foram incluídos 1.835 pacientes com PDAC localizado. O estágio do tumor no momento do diagnóstico era potencialmente ressecável em 346 (18,9%), BR em 531 (28,9%) e LA em 958 (52,2%) pacientes. O CA 19-9 basal foi >500 U/mL em 559 pacientes (32,5%). O status de desempenho foi ≥1 em 1.110 pacientes (60,7%). Fatores de mau prognóstico independentes para SG foram doença BR (razão de risco [HR], 1,26 [IC 95%, 1,06 a 1,50]), doença LA (HR, 1,71 [IC 95%, 1,45 a 2,02]), CA 19-9 > 500 U/mL (HR, 1,36 [IC 95%, 1,21 a 1,52]) e status de desempenho da OMS ≥1 (HR, 1,31 [IC 95%, 1,16 a 1,47]). Os pacientes receberam 1 ponto para cada fator ABC ruim e 2 pontos para doença LA. A SG mediana para pacientes com pontuação de 0 a 4 foi de 49,7, 29,9, 22,0, 19,1 e 14,9 meses, com taxas correspondentes de SG em 5 anos de 47,0%, 28,9%, 19,2%, 9,3% e 4,8%, respectivamente.

Em conclusão, os fatores ABC, compreendendo a anatomia do tumor, CA 19-9 e status de desempenho ao diagnóstico, foram fatores prognósticos independentes para SG em pacientes com PDAC localizado tratados com (m)FOLFIRINOX inicial. “O estadiamento de pacientes com PDAC localizado no momento do diagnóstico deve ser baseado na anatomia, CA 19-9 e no status de desempenho”, destacam os autores.

Este estudo foi realizado pelo Trans-Atlantic Pancreatic Surgery (TAPS) Consortium.

De acordo com Felipe Coimbra, o estudo representa uma evolução significativa na personalização do tratamento de pacientes com adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) localizado. Acompanhe abaixo sua análise:

"A confirmação de que a anatomia do tumor, o nível do biomarcador CA 19-9, e o status de desempenho são fatores prognósticos independentes para sobrevida global enfatiza a necessidade de uma avaliação mais ampla do paciente no momento do diagnóstico. Tradicionalmente, a decisão de ressecabilidade era predominantemente anatômica. No entanto, este estudo reforça dados anteriores de estudos de escolas como o MD Anderson e aqui no Brasil, no AC Camargo Cancer Center, da importância de considerar também os aspectos biológicos e condicionais do paciente.

Na prática clínica, isso significa que podemos oferecer conselhos mais personalizados e prognósticos mais precisos aos nossos pacientes, levando em conta não apenas a localização, a extensão do tumor e sua relação com grandes vasos como tronco celíaco, artéria mesentérica e sistema venoso portal, mas também sua atividade biológica (como refletido pelo CA 19-9) e a capacidade do paciente de tolerar tratamentos intensivos, como o (m)FOLFIRINOX.

A estratificação dos pacientes com PDAC em categorias de risco com base nesses três fatores (ABC) nos permite, além disso, identificar aqueles que podem se beneficiar mais de abordagens terapêuticas mais agressivas e, inversamente, aqueles para quem tais tratamentos podem não ser a opção mais adequada. Isso é particularmente relevante em um campo onde o equilíbrio entre eficácia do tratamento e qualidade de vida do paciente é muitas vezes difícil de alcançar. Estudos anteriores que estratificaram os grupos de estudos de pacientes apenas por critérios anatômicos terão que ser revistos!

Além disso, os dados apresentados sugerem que o sistema de pontuação apresentado pode ser uma ferramenta útil na orientação de discussões multidisciplinares, ajudando a definir estratégias de tratamento mais alinhadas com as perspectivas de cada paciente. Chama atenção a necessidade de ações que possam

Modificar possíveis pontos negativos, como uso de protocolos de pre-abilitação multimodal e neoadjuvância.

Em resumo, o conhecimento gerado pode levar a mudanças significativas na prática clínica, oferecendo aos pacientes com PDAC localizado uma abordagem de tratamento mais personalizada e potencialmente melhorando suas perspectivas de sobrevida." 

Referência: Esther N. Dekker et al., Improved Clinical Staging System for Localized Pancreatic Cancer Using the ABC Factors: A TAPS Consortium Study. JCO 0, JCO.23.01311. DOI:10.1200/JCO.23.01311