Sociedades de oncologia e autoridades de saúde nacionais e internacionais emitiram diretrizes sobre o tratamento do câncer durante a pandemia de COVID-19, com orientações a oncologistas, cirurgiões oncológicos e médicos especialistas em radioterapia sobre adequações no gerenciamento de pacientes oncológicos.
A Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO) elaborou um site com informações gerais sobre o COVID-19, com uma seção de perguntas e respostas e links para recursos úteis. A ESMO recomenda que os oncologistas reforcem os serviços de telemedicina, reduzam as consultas clínicas e alterem para terapias subcutâneas ou orais, em vez de terapias intravenosas, quando possível. Há também conselhos sobre o apoio a pacientes e o controle de infecções.
A Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) também reúne em seu site informações sobre atendimento ao paciente e COVID-19, além de links para orientações de organizações como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e várias sociedades de oncologia. Entre as recomendações da ASCO estão conselhos sobre a equipe de assistência, preparação clínica, controle e prevenção de infecções e agendamento de pacientes. A Sociedade destaca recursos para melhorar o enfrentamento sob a perspectiva de saúde mental, como evitar a sobrecarga de informações e interromper as notícias e mídias sociais relacionadas ao COVID-19.
A Sociedade Europeia de Oncologia Cirúrgica (ESSO) também enfatizou a importância de garantir que a força de trabalho não se esgote. “O descanso e a recuperação, assim como o apoio psicológico, devem ser levados em consideração no planejamento”, afirmou em comunicado.
A Sociedade Americana de Hematologia (ASH) desenvolveu uma área específica para orientação de especialistas com perguntas clínicas sobre COVID-19 e sua relação com as diversas neoplasias hematológicas. O site também traz links para artigos que discutem a alocação de recursos médicos na época do COVID-19 e uma tabela de interações medicamentosas entre medicamentos comuns e tratamentos usados para o COVID-19.
O site da Sociedade Americana de Radioterapia (ASTRO) também contém uma seção sobre COVID-19 com recomendações específicas, baseadas nas descobertas de um grupo de trabalho dedicado, com perguntas frequentes para a tomada de decisão clínica e links para artigos de revistas e sites relevantes.
O National Health Service (NHS), do Reino Unido, alerta que certos grupos são particularmente vulneráveis a doenças graves se forem infectados pelo coronavírus com síndrome respiratória aguda grave 2, o que inclui pacientes em quimioterapia ativa ou radioterapia para câncer de pulmão, e pacientes com tumores hematológicos e da medula óssea. O NHS enfatiza que as decisões individuais dos pacientes devem ser tomadas por equipes multidisciplinares, estabelecendo grupos prioritários para cirurgia, tratamentos sistêmicos e radioterapia. “Para tratamentos sistêmicos, foram estabelecidos seis níveis de prioridade. Pacientes que estão na fila para terapia curativa com mais de 50% de chance de sucesso estão no nível mais alto. Os pacientes que aguardam terapia não curativa que dificilmente oferecerão paliação, controle de tumores ou extensão de vida superior a um ano recebem o nível de prioridade mais baixo. Para a radioterapia, existem cinco níveis de prioridade: pacientes com tumores em rápida proliferação e com pouco espaço para atraso estão no grupo mais alto”, observa.
Em relação à pesquisa clínica, a agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA) emitiu orientações sobre o gerenciamento de ensaios clínicos durante a pandemia, assim como o Instituto Nacional do Câncer dos EUA e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), que descreve as mudanças e adaptações que podem ser necessárias ao longo da pandemia, como o isolamento dos participantes, limitações de acesso a locais públicos ou necessidade dos profissionais de saúde assumirem diferentes funções, e sugere que os organizadores de estudos considerem suspensões, extensões e adiamentos, dependendo das circunstâncias.
No Brasil
A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) reuniu especialistas e fontes oficiais para elaborar uma série de orientações voltadas ao oncologista clínico. Segundo o posicionamento emitido pela SBOC, caso haja suspeita de infecção, a consulta deve ser priorizada e o paciente, enquanto aguarda, deve usar máscara cirúrgica e ficar em ambiente arejado. “O PCR em tempo real para o coronavírus só é indicado para pacientes sintomáticos. Dessa forma, não é recomendado colher PCR COVID-19 de pacientes assintomáticos ou com sintomas leves. As notificações devem ser feitas apenas em caso de internação”, ressalta o documento.
A SBOC destaca que algumas comorbidades e condições específicas merecem atenção especial no encaminhamento. Entre as condições especiais consideradas pela Sociedade estão pacientes com idade superior a 65 anos; doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), asma, pneumopatia estrutural; doença cerebrovascular; cardiopatias, incluindo hipertensão arterial severa; diabetes insulinodependente; insuficiência renal; pacientes imunossuprimidos; e gestantes. “Caso recebam alta, pacientes nessas condições devem ser monitorados pelo médico titular ou equipe de retaguarda quanto ao desenvolvimento de síndrome respiratória aguda ou deterioração clínica”, orienta, acrescentando que deve ser dedicada atenção especial aos fatores para imunossupressão como neutropenia; neoplasias hematológicas com ou sem quimioterapia; HIV positivo com CD4 <350; asplenia funcional ou anatômica; transplantes; quimioterapia nos últimos 30 dias; uso de corticosteroides por mais de 15 dias (prednisona >40 mg/dia, hidrocortisona >160 mg/dia, metilprednisolona >32 mg/dia ou dexametasona >6 mg/dia); outros imunossupressores; doenças autoimunes; e imunodeficiência congênita.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) também se pronunciou sobre a realização de cirurgias durante a pandemia. Para as regiões com transmissão horizontal de COVID-19, a SBCO recomenda a suspensão imediata de todas as cirurgias oncológica eletivas, para tumores de baixo risco, com realização de cirurgias oncológicas de pacientes caracterizados como urgências, com tumores extremamente agressivos, cujo atraso da cirurgia por 2 a 3 semanas pode resultar em dano maior irreversível ao paciente ou óbito. “Deve-se permanecer a realização de cirurgias oncológicas de emergência. Para a avaliação de casos novos, a sugestão é o uso de telemedicina para triagem dos pacientes que necessitam avaliação presencial e podem caracterizar-se como tumores de maior agressividade”, diz a declaração.
A SBCO recomenda ainda a suspensão imediata das consultas e exames de acompanhamento de pacientes assintomáticos, até segunda ordem. “Consultas para checar exames de acompanhamento podem ser realizadas por videoconferência. Deve-se suspender as cirurgias de pacientes com casos de menor gravidade ou com opções de tratamento capazes de substituir ou postergar a cirurgia com segurança, considerando que o atraso da cirurgia por 2 a 3 meses não acarretará aumento da mortalidade pelo tumor”.
A declaração da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) observa que pacientes em radioterapia ambulatorial normalmente não estão imunossuprimidos, mas deve ser dada especial atenção aos pacientes portadores de câncer de maior risco como aqueles em tratamento com quimioterapia combinada; portadores de neoplasias hematológicas e pacientes que realizaram transplante de medula óssea.
Aos departamentos de radioterapia, as recomendações são intensificar a frequência de higienização de áreas comuns, bem como do aparelho; reforçar a necessidade entre os técnicos de radioterapia da higiene das mãos após cada aplicação de radioterapia; organização das agendas de tratamento de modo a aumentar o intervalo entre os tratamentos, reduzindo o número de pacientes em salas de espera; adiar o início de tratamentos de baixo risco; limitar o número de acompanhantes nas consultas e tratamentos; adiar consultas de seguimento clinico e estimular a utilização remota de atividades possíveis como planejamento e reuniões clínicas.
“No caso de pacientes em radioterapia com diagnóstico de infecção por COVID-19, deve-se avaliar o risco oncológico de interrupção temporária de tratamento. Se for possível a interrupção, aguardar a recuperação clínica para reinício do mesmo. Quando não for possível a interrupção, organizar horário de tratamento separado de pacientes não infectados, de preferência no final do dia. Além disso, o procedimento deve ser conduzido por equipe devidamente paramentada com máscaras, luvas, proteção ocular e aventais, e o paciente infectado deve utilizar máscara cirúrgica durante todo o período dentro do departamento, com substituição da máscara após duas horas de uso ou quando ficar úmida”, destaca a SBRT.
Referência: Cancer guidelines during the COVID-19 pandemic - Talha Khan Burki - DOI: https://doi.org/10.1016/S1470-2045(20)30217-5