Onconews - Diretrizes para o rastreamento do câncer anal em grupos de alto risco

A Sociedade Internacional de Neoplasia Anal (IANS) desenvolveu diretrizes de consenso para o rastreamento do câncer anal entre vários grupos de alto risco. As diretrizes foram publicadas no Internal Journal of Cancer e fornecem uma base fundamental para definir consensos e implementar rastreamentos orientados para o risco com foco na prevenção do câncer anal. A coloproctologista Bruna Vailati (foto) analisa as recomendações. 

As estimativas de incidência de câncer anal por idade entre grupos de risco forneceram a base para identificar limites de risco para recomendar o rastreio.

As diretrizes da IANS são guiadas por limiares de risco e recomendam o início do rastreamento aos 35 anos para homens que fazem sexo com homens (HSH) e mulheres transexuais (TW) com HIV. Para outras pessoas com HIV, assim como para HSH e TT sem HIV, a recomendação é iniciar a triagem aos 45 anos de idade.

Para receptores de transplante de órgãos sólidos, a recomendação é o início da triagem a partir de 10 anos após o transplante. Para pessoas com histórico de pré-câncer ou câncer vulvar, o início do rastreamento foi recomendado a partir de 1 ano após o diagnóstico de pré-câncer ou câncer vulvar.

Recentemente, evidências mostram que o tratamento de lesões anais intraepiteliais escamosas de alto grau (HSIL) reduz o risco de câncer anal em pessoas que vivem com HIV. Assim, as diretrizes da IANS propõem a expansão da infraestrutura de rastreamento do câncer anal a todas as populações em risco. Desde que haja capacidade adequada para realizar procedimentos diagnósticos (anuscopia de alta resolução - HRA), as diretrizes recomendam que pessoas com idade ≥45 anos com histórico de HSIL cervical/vaginal ou câncer, verrugas perianais, HPV16 cervical persistente (>1 ano) ou condições autoimunes devem ser consideradas para triagem com tomada de decisão compartilhada.

Citologia anal, teste de papilomavírus humano (HPV) de alto risco, incluindo genotipagem para HPV16 e teste de citologia de HPV de alto risco são estratégias usadas atualmente para rastreamento de câncer anal que mostram desempenho aceitável.

Quase todos os carcinomas espinocelulares do ânus são causados pelo HPV e são precedidos por lesões intraepiteliais escamosas de alto grau detectáveis pela triagem.

Em todo o mundo, ocorreram quase 30.500 novos casos de câncer anal em 2020. Embora raro entre a população em geral, o câncer anal afeta desproporcionalmente várias populações específicas, incluindo pessoas com HIV, homens que têm sexo com homens (HSH), receptores de transplante de órgãos sólidos e mulheres com histórico de câncer vulvar ou pré-câncer. A elevada incidência de câncer anal entre esses e outros grupos de alto risco justifica o desenvolvimento de recomendações de rastreamento do câncer anal direcionadas ao risco.

O estudo em contexto

Por Bruna Vailati, coloproctologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo e do Instituto A&J Gama

As novas diretrizes desenvolvidas pela International Anal Neoplasia Society (IANS) representam uma referência importante na prevenção e detecção precoce do câncer de ânus. A alta prevalência de infecção por HPV (papilomavírus humano), especialmente entre grupos de alto risco, destaca a necessidade de estratégias eficazes de rastreamento.

Essas diretrizes recomendam o início do rastreamento aos 35 anos para HSH e TW com HIV e aos 45 anos para outros grupos de risco, incluindo receptores de transplante de órgãos sólidos e pessoas com histórico de lesões pré-cancerosas vulvares. A padronização do rastreamento é essencial por vários motivos, entre eles: garantir a realização do exame nos grupos de risco, reduzir as variações na prática clínica para métodos e intervalos com maior custo-efetividade, facilitar a formação e o treinamento dos profissionais de saúde. A padronização permite que os sistemas de saúde monitorizem e avaliem a implementação e os impactos das políticas de saúde pública de forma mais eficaz, ajustando as estratégias conforme necessário para melhorar os resultados. Além disso, quando os pacientes sabem que há um protocolo padronizado e bem-estabelecido, eles tendem a ter mais confiança no sistema de saúde e são mais propensos a aderir aos programas de rastreamento recomendados.

No entanto, um desafio significativo é a limitada disponibilidade de locais que realizam anuscopia de alta resolução, um procedimento crucial para o diagnóstico preciso de lesões anais precoces. A capacidade restrita de realizar HRA pode limitar a efetividade das diretrizes, especialmente em áreas com menor acesso a cuidados especializados. Isso sublinha a necessidade de expandir a infraestrutura e treinar profissionais de saúde para realizar esses procedimentos. Até mesmo em grandes centros é comum que os pacientes tenham dificuldade de acesso a esse tipo de método. A popularização da citologia anal como método de rastreamento também é crucial, por sem um método simples e rápido, que pode ser feito em consulta ginecológica ou proctológica de rotina. Basta a orientação, treinamento dos profissionais e disponibilidade de material.

Por outro lado, a perspectiva de diminuição no número de casos de câncer de ânus com o uso amplo da vacina contra o HPV é promissora. A vacinação tem se mostrado altamente eficaz na prevenção de infecções por HPV e, consequentemente, na redução de lesões pré-cancerosas e cancerosas. A integração da vacinação contra o HPV como uma estratégia central de saúde pública pode, a longo prazo, transformar o panorama da prevenção do câncer anal.

As diretrizes da IANS estabelecem uma base para a condução de resultados anormais de rastreamento e para a implementação de um rastreamento direcionado por risco. É crucial que as políticas de saúde pública promovam a disseminação dessas diretrizes e a ampliação da capacidade de rastreamento para alcançar uma detecção precoce e prevenir o desenvolvimento do câncer de ânus em populações vulneráveis.

Resumidamente, enquanto as diretrizes enfrentam desafios significativos em termos de acesso a métodos de rastreamento, elas também oferecem a possibilidade do diagnóstico precoce das lesões anais, aliada a perspectiva de prevenção através da vacinação contra o HPV. A implementação eficaz dessas diretrizes pode levar a uma redução substancial na incidência de câncer de ânus e a um manejo melhorado de pacientes em risco.

Referência:

Stier EA, Clarke MA, Deshmukh AA, Wentzensen N, Liu Y, Poynten IM, Cavallari EN, Fink V, Barroso LF, Clifford GM, Cuming T, Goldstone SE, Hillman RJ, Rosa-Cunha I, La Rosa L, Palefsky JM, Plotzker R, Roberts JM, Jay N. International Anal Neoplasia Society's consensus guidelines for anal cancer screening. Int J Cancer. 2024 May 15;154(10):1694-1702. doi: 10.1002/ijc.34850. Epub 2024 Jan 31. PMID: 38297406.