Onconews - Epigenoma e heterogeneidade étnica de morbidades relacionadas ao tabagismo

casaliO impacto da exposição ao tabaco na saúde varia de acordo com a raça e a etnia e está intimamente ligado à dose interna de nicotina, um marcador da absorção de agentes cancerígenos. Estudo que analisou como a metilação do DNA responde ao tabagismo em seis grupos raciais e étnicos em três coortes prospectivas traz novos insights para explicar essa heterogeneidade como preditor de morbidades relacionadas ao tabagismo. O oncogeneticista José Claudio Casali (foto) analisa os resultados.

Para compreender a dose interna de nicotina, Huang et al. estudaram a associação entre o epigenoma de leucócitos no sangue (EWAS) de equivalentes totais de nicotina na urina (TNEs; uma medida de absorção de nicotina) e sua correlação com a medida de metilação do DNA usando o MethylationEPIC v1.0 BeadChip (EPIC) em diferentes grupos raciais e étnicos. A análise considerou o Multiethnic Cohort Study, um estudo de coorte prospectivo estabelecido entre 1993-1996 para investigar fatores de risco para câncer e doenças crônicas.

Foram considerados 1994 participantes com história de tabagismo que se identificaram como afro-americanos (n=364), brancos (n = 397), japoneses (n = 522), latinos (n = 400) e nativos havaianos (n= 311).

Os resultados revelam que TNEs urinários foram mais elevados em afro-americanos (média = 56,1 nmol/mL) e mais baixos em japoneses (nipo-americanos; 33,7 nmol/mL). A média de cigarros fumados por dia e por maços-ano foi mais alta entre os brancos (europeus-americanos) e mais baixa entre os latinos.

A análise mostrou que os TNEs estavam significativamente associados à metilação diferencial do DNA em 408 locais CpG (citosina-fosfato-guanina) em> 250 regiões genômicas (p <9 × 10-8 em todo o genoma), todos com metilação decrescente com o aumento de TNEs. Os pesquisadores identificaram 45 novos locais CPG, dos quais 42 eram exclusivos do array EPIC e oito em genes não previamente ligados à metilação do DNA relacionada ao tabagismo.

O sinal mais significativo em um novo gene foi cg03748458 em MIR383; SGCZ. Dos 408 locais CpG identificados, 51 foram validados no Singapore Chinese Health Study (n = 340) e no Southern Community Cohort Study (n = 394) (Correção de Bonferroni p < 1,23 × 10−4). A heterogeneidade significativa por raça e etnia foi detectada para locais CpG em MYO1G e CYTH1. Além disso, os TNEs mediaram significativamente a associação entre cigarros por dia e metilação do DNA em 15 locais (média de proporção de 22,5% a 44,3% mediada)

“Nosso estudo multiétnico destaca as associações de metilação trans-étnicas e étnicas específicas com a dose interna de nicotina, um forte preditor de morbidades relacionadas ao tabagismo”, concluem os autores.

O tabagismo é importante fator de risco global para câncer de pulmão. Estudos epidemiológicos demonstram que o risco de câncer do pulmão relacionado ao tabagismo difere por raça e a etnia, mesmo depois de contabilizados os antecedentes de tabagismo auto-relatados. Agora, os achados de Huang et al. ampliam a base de evidências sobre a heterogeneidade dos efeitos do tabagismo por raça e etnia, capturando ainda novos dados sobre os efeitos trans- étnicos.

Prevenção de precisão

Por José Claudio Casali

Estudos epidemiológicos moleculares em populações de risco na era pós-genômica vem avaliando o impacto dos fatores ambientais na expressão do nossos genes, especialmente causando alterações genéticas físicas, como as mutações pontuais condutoras (“drivers”) e estruturais, tais como grandes deleções, amplificações e rearranjos gênicos. No entanto, são as alterações epigenéticas as mais sutis, porque modificam o DNA quimicamente, invisíveis ao sequenciamento NGS, e que causam alterações na expressão do genes tão dramáticas como as mutações físicas. A metilação das citosinas desliga interruptores gênicos nas regiões promotoras ricas em ilhotas CpG e os chamados micro-RNAs de interferência (MIRs) interferem na expressão pós-transcricional, clivando os RNAs antes que a tradução em proteínas ocorra.

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O estudo provoca o leitor para
uma aplicação prática dos resultados, especialmente
numa população miscigenada
como a nossa do Brasil 

O estudo demonstra pela primeira vez que, além dos fatores ambientais e comportamentais, como o hábito do tabagismo e carga tabágica, os fatores relacionados ao indivíduo são igualmente relevantes. Certamente, há aqueles que são mais sensíveis que outros e que irão sofrer maior impacto com o mesmo fator de risco. O background étnico carrega a ancestralidade dos povos originários de cada população e as pressões seletivas por que passaram seus ancestrais que sobreviveram e se adaptaram às novas condições. Diferenças étnicas foram relacionadas a uma maior eficiência ou deficiência em detoxificar os adutos do tabaco e se relacionam com o grau de metilação do DNA em leucócitos periféricos.

Em um momento no qual a oncologia de precisão se volta e dá relevância à prevenção de precisão, o estudo provoca o leitor para uma aplicação prática dos resultados, especialmente numa população miscigenada como a nossa do Brasil. Haverá um tempo em que poderemos avaliar epigeneticamente o risco individual ao tabaco em tempo real por uma pequena amostra de sangue, antes mesmo que as mutações condutoras do câncer ocorram para traçar medidas preventivas ou terapias-alvo desmetilantes. Mesmo que tudo seja possível, melhor mesmo é não fumar!

Referência: https://doi.org/10.1016/j.ajhg.2024.01.012