A Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO, da sigla em inglês) publicou diretrizes para a preservação da fertilidade em pacientes com câncer e para o acompanhamento da gravidez pós-tratamento, incluindo novos tópicos além das recomendações publicadas em 2013. Jhenifer Kliemchen Rodrigues (foto), especialista em embriologia clínica e oncofertilidade, comenta o trabalho.
O câncer permanece globalmente como um problema de saúde pública e parcela significativa de pacientes enfrenta as consequências dos efeitos tardios relacionados ao tratamento. Considerando o impacto na fertilidade e nas chances futuras de concepção, as recomendações da ESMO buscam trazer respostas a um cenário que já começa a se anunciar: a demanda pela preservação da fertilidade e preocupações com a viabilidade e segurança da gravidez após a conclusão do tratamento deve aumentar.
Aconselhamento
Todos os pacientes com câncer em idade reprodutiva devem receber aconselhamento completo sobre oncofertilidade o mais cedo possível no processo de planejamento do tratamento, independentemente do tipo e estágio da doença. O guideline europeu recomenda incluir a discussão sobre o desejo atual ou futuro do paciente relativo a preservação de sua fertilidade, seu prognóstico, o impacto potencial da doença e / ou tratamento na fertilidade e função gonadal, chances de concepção futura, resultados de gravidez e descendência, bem como a necessidade de contracepção no contexto de tratamento sistêmico.
“Para garantir que os pacientes compreendam totalmente o risco de gonadotoxicidade relacionada ao tratamento, eles devem receber aconselhamento completo sobre oncofertilidade, mesmo que não haja interesse em filhos no momento do diagnóstico”, preconiza a ESMO.
O risco de azoospermia ou amenorreia varia de acordo com o tratamento oncológico, em homens e mulheres. No sexo masculino, os autores descrevem que a espermatogênese é afetada pelos tratamentos citotóxicos e o efeito depende da dosagem utilizada da droga, seu tipo, idade e condição geral do paciente. Os agentes alquilantes, compostos de platina e tratamento de longo prazo com hidroxiureia são potencialmente danosos à fertilidade futura. A radioterapia também pode ter impacto na fertilidade. “Doses de ≥6 Gy (ex. RT de corpo total com 10 ou 13 Gy) ou diretamente no testículo ou crânio (pineal) causam infertilidade a longo prazo ou permanente”, descreve a diretriz de conduta.
Em mulheres, os tratamentos oncológicos também têm o potencial de promover alterações hormonais e em muitos casos de induzir a falência ovariana precoce.
Jhenifer observa que existem diversas técnicas seguras e bem estabelecidas dentro da medicina reprodutiva que podem auxiliar o paciente oncológico a preservar seus gametas, tanto pacientes jovens pré-púberes, como homens e mulheres em idade reprodutiva. “Dentre as técnicas bem estabelecidas e usadas de rotina temos a criopreservação de espermatozóides – sêmen ou células individuais - e criopreservação de oócitos (óvulos)”, explica a especialista, professora na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretora técnica da In Vitro Embriologia Clínica.
“Ainda temos a criopreservação de tecido ovariano, que apesar de ser considerada experimental pelas Sociedades Médicas, apresenta taxas de gestação em torno de 30% e chance real de preservação da fertilidade para as pacientes, sendo importante considerá-la no momento da discussão com equipe médica e paciente sobre a conduta a ser seguida previamente ao tratamento oncológico”, destaca.
Referência: Lambertini, M., Peccatori, F. A., Demeestere, I., Amant, F., Wyns, C., Stukenborg, J.-B., … Jordan, K. (2020). Fertility preservation and post-treatment pregnancies in post-pubertal cancer patients: ESMO Clinical Practice Guidelines. Annals of Oncology. doi:10.1016/j.annonc.2020.09.006