Uma colaboração internacional desenvolveu um novo sistema de estadiamento prognóstico para o câncer de próstata não metastático que pode contribuir para a avaliação das opções terapêuticas, bem como refinar o desenho de futuros ensaios clínicos. Os resultados foram publicados no JAMA Oncology, em artigo com participação do médico especialista em radio-oncologia Fabio Ynoe de Moraes, professor assistente no Departamento de Oncologia na Queen’s University, Canadá.
Até a data do estudo, nenhum biomarcador preditivo validado prospectivamente está disponível para uso clínico no câncer de próstata localizado e as recomendações de tratamento são baseadas em variáveis prognósticas. Enquanto alguns tumores podem ser indolentes e não necessitar de intervenção imediata, alguns homens apresentam doença localizada agressiva com alto risco de mortalidade específica por câncer de próstata (PCSM), mesmo com tratamento multimodal.
Por mais de 6 décadas, o American Joint Committee on Cancer (AJCC) agrupou (baseado em opinião de especialista e evidência) os pacientes por estádios da doença, que são usados para estimar o prognóstico. As categorizações foram baseadas na extensão local do tumor primário (categoria T), junto com padrões anatômicos de disseminação para linfonodos (categoria N) e locais de metástase à distância (categoria M). Fatores não anatômicos, como o grau de Gleason, em 2002, e o nível de antígeno específico da próstata (PSA), em 2010, foram incorporados ao longo do tempo nos grupos de estádio prognóstico AJCC. Em sua atualização mais recente, em 2016, o AJCC incorporou mais modelos estatísticos avançados para personalizar melhor as estimativas de prognóstico, mas nenhum modelo de câncer de próstata localizado foi endossado pelo comitê Precision Medicine Core, e a 8ª edição de estadiamento foi baseada no consenso de especialistas.
O novo sistema atribui os pacientes a um estádio específico por meio de um sistema de pontos com base em variáveis-chave, incluindo a idade do paciente, a categoria T e N, o grau de Gleason e os níveis de PSA pré-tratamento, estabelecendo nove estádios de câncer de próstata não metastático com base em sua pontuação - do estágio 1 ao estágio 3, com cada estágio dividido em subestágios de A, B e C.
O estudo
O estudo de coorte utilizou dados de 19684 homens com câncer de próstata não metastático de 55 centros nos Estados Unidos, Canadá e Europa, e incluiu o registro Cancer of the Prostate Strategic Urologic Research Endeavor (CaPSURE - coorte STAR-CAP).
Foram incluídos pacientes com adenocarcinoma de próstata cT1-4N0-1M0 tratados entre 1º de janeiro de 1992 e 31 de dezembro de 2013 (acompanhamento concluído em 31 de dezembro de 2017). A coorte STAR-CAP foi dividida aleatoriamente em conjuntos de dados de treinamento e validação; os estatísticos eram cegos para os dados de validação até que o modelo fosse bloqueado.
Uma coorte Surveillance, Epidemiology, and End Results (SEER) foi utilizada como um segundo conjunto de validação. A análise foi realizada entre 1º de janeiro de 2018 e 30 de novembro de 2019. Os pacientes haviam sido submetidos à prostatectomia radical (RP) com intenção curativa ou radioterapia com ou sem terapia de privação de androgênio.
O principal desfecho foi a mortalidade específica por câncer de próstata (PCSM). Com base em um modelo de regressão de risco competitivo, foi desenvolvido um sistema de teste baseado em pontos. A discriminação do modelo (C-index), calibração e desempenho global foram avaliados nas coortes de validação.
Resultados
Entre os 19684 pacientes incluídos na análise (idade mediana, 64,0 [intervalo interquartil (IQR), 59,0-70,0] anos), 12421 foram tratados com prostatectomia radical e 7263 com radioterapia. O acompanhamento médio foi de 71,8 meses (IQR, 34,3-124,3); 4.078 (20,7%) foram acompanhados por pelo menos 10 anos.
Foram incluídos como variáveis a idade, categoria T, categoria N, grau de Gleason, nível de PSA pré-tratamento e a porcentagem de resultados de biópsia positiva entre as biópsias realizadas.
No conjunto de validação, o PCSM previsto em 10 anos para os 9 grupos do score variou de 0,3% a 40%. O C-index de 10 anos (0,796; 95% CI, 0,760-0,828) excedeu o da AJCC 8ª edição (0,757; 95% CI, 0,719-0,792), que foi melhorado em todas as idades, raças e modalidades de tratamento e dentro da Coorte de validação SEER.
O sistema de pontuação teve desempenho semelhante à modelagem de Random Survival Forest individualizada e aos modelos de interação, e superou o desempenho da National Comprehensive Cancer Network (NCCN) e do sistema de classificação de grupo de risco Cancer of the Prostate Risk Assessment (CAPRA) de 3 e 4 camadas (C-index de 10 anos para NCCN 3-tier, 0,729; para NCCN 4-tier, 0,746; para Score, 0,794), bem como CAPRA (C-index de 10 anos para CAPRA, 0,760; para Score, 0,782).
“Utilizando uma grande coorte internacional diversa tratada com opções de tratamento curativo padrão, desenvolvemos um sistema de grupo de estadiamento prognóstico clínico em conformidade com a AJCC para câncer de próstata. Este sistema pode permitir a consistência de relatórios e interpretação dos resultados, bem como embasar o desenho de futuros ensaios clínicos”, concluíram os autores.
“O STAR-CAP é o primeiro modelo prognóstico para câncer de próstata não metastático que pode ser usado em qualquer lugar do mundo, e é o único modelo que atende a todos os critérios propostos pelo núcleo de medicina de precisão da AJCC para estadiamento do câncer de próstata”, enfatiza o Dr. Fabio Moraes
O sistema de pontuação está disponível por meio de um aplicativo web e pode ser acessado em www.STAR-CAP.org.
A pesquisa foi apoiada por suporte da Prostate Cancer Foundation (Dr. Spratt), National Institutes of Health (CA186786, CA240991-05, CA231219) e doações filantrópicas de pacientes.
Referência: Dess RT, Suresh K, Zelefsky MJ, et al. Development and Validation of a Clinical Prognostic Stage Group System for Nonmetastatic Prostate Cancer Using Disease-Specific Mortality Results From the International Staging Collaboration for Cancer of the Prostate. JAMA Oncol. Published online October 22, 2020. doi:10.1001/jamaoncol.2020.4922