Onconews - Estudo analisa epidemia de diagnósticos do câncer de tireoide em 63 países nos 5 continentes

Estudo de base populacional que avaliou a evolução dos padrões epidemiológicos do câncer de tireoide e estimativas de sobrediagnóstico em 63 países revela que a magnitude do sobrediagnóstico ainda preocupa, com expansão importante de 2013 a 2017 nos países em transição epidemiológica, projetando o sobrediagnóstico do câncer de tireoide como um desafio global de saúde pública que precisa ser abordado. O oncologista Gilberto de Castro Júnior (foto), médico do Centro de Oncologia do Hospital Sírio Libanês e chefe da área de Oncologia Torácica e de Câncer de Cabeça e Pescoço do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), analisa o trabalho.

A incidência do câncer de tireoide tem aumentado em muitos países, principalmente em razão do sobrediagnóstico. Neste estudo, os pesquisadores buscaram avaliar as características da epidemia de diagnósticos de câncer de tireoide, além de fornecer estimativas de sobrediagnóstico em países dos cinco continentes, identificando áreas onde estratégias de enfrentamento são necessárias.

O mapeamento considerou a base de dados do Observatório Global do Câncer da Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC). A incidência anual do câncer de tireoide por sexo e faixa etária foi obtida de registros populacionais disponíveis no Cancer Incidence in Five Continents (CI5), com 97 registros de 43 países selecionados, no período de 1980 a 2017.

Casos de câncer de tireoide específicos por sexo e idade, e por subtipo, juntamente com contagens populacionais correspondentes foram recuperados de todos os registros incluídos o último volume do CI5 (CI5-XII), com 385 registros de 63 países. Dados de mortalidade anual de 1980 a 2022 foram obtidos da Organização Mundial de Saúde (OMS), com contagens populacionais suplementadas por estimativas populacionais da ONU. A análise também estimou taxas padronizadas por idade (ASRs) de incidência e mortalidade por câncer de tireoide. As tendências anuais de longo prazo de ASRs foram comparadas entre incidência e mortalidade desde 1980. A distribuição de subtipos foi calculada para incidência de câncer de tireoide no período de 2013–17. Os casos de câncer de tireoide e casos superdiagnosticados foram calculados por método previamente desenvolvido e validado.

Os autores descrevem que as taxas de incidência do câncer de tireoide aumentaram durante 1980–2017 para a maioria dos países, sendo as maiores taxas observadas na Coreia do Sul, Chipre, Equador, China e Turquia. Uma tendência ascendente foi observada até o início da década de 2010, seguida por uma tendência descendente na Coreia do Sul, EUA, Canadá e Israel, além de alguns países da Europa Ocidental, como França, Itália, Áustria e Irlanda.

A análise também mostra que a diferença entre as taxas de incidência mais altas e mais baixas variou de menos de 10,0 por 100.000 mulheres no início da década de 1980 a 101,4 por 100.000 mulheres em 2012. Para os homens, a diferença entre as taxas de incidência mais altas e mais baixas variou de 2,7 por 100.000 a 23,5 por 100.000 durante o período do estudo.

Em relação às taxas de mortalidade, os autores apontam que foram substancialmente menores no período avaliado, com diferença entre as taxas mais altas e mais baixas entre os países de cerca de 1,0–2,0 por 100.000 para ambos os sexos. “No período de 2013 a 2017, o câncer papilar de tireoide contribuiu para a grande variação nas ASRs de incidência do câncer de tireoide”, destacam os pesquisadores, esclarecendo que as taxas de mortalidade do câncer de tireoide aumentaram com a idade para todos os países, enquanto as taxas de incidência específicas por idade mostraram um formato de U invertido na maioria dos países.

A magnitude do sobrediagnóstico também teve variações expressivas entre os países, variando de nenhum sobrediagnóstico (em Uganda, Zimbábue e Trinidad e Tobago) a mais de 85,0% dos casos de câncer de tireoide sendo sobrediagnosticados em mulheres (em Chipre, China, Coreia do Sul e Turquia). Entre 2.297.057 casos, 75,6% foram atribuíveis ao sobrediagnóstico.

O estudo em contexto
Por Gilberto de Castro Júnior, médico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), onde chefia a área de Oncologia Torácica e Câncer de Cabeça e Pescoço; médico do Centro de Oncologia do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.

Esses dados da IARC deixam muito claro que a maior parte do sobrediagnóstico (overdiagnosis) está, principalmente, em países mais desenvolvidos, que neste estudo são os chamados ‘high income countries’. Por outro lado, nenhum sobrediagnóstico é visto em países em desenvolvimento ou em países subdesenvolvidos. Logo, o que está acontecendo é que se observa um aumento do diagnóstico, mas sem impacto na mortalidade, ou seja, muitos diagnósticos estão sendo feitos e isso não está impactando na diminuição de mortalidade, o que aponta contra métodos de rastreamento.

Minha leitura do estudo é que de alguma maneira está se empregando algum rastreamento de câncer de tireoide. Como se trata de uma neoplasia de curso clínico muito indolente, com disseminação metastática muito rara, e um tratamento muito efetivo das fases precoces, o que acontece é que esta doença não se presta ao rastreamento. Alguma política para evitar este rastreamento precisa, sem dúvida alguma, ser implementada, porque isso está impactando em custos, sem impacto na mortalidade.

Referência:

Evolving epidemiological patterns of thyroid cancer and estimates of overdiagnosis in 2013–17 in 63 countries worldwide: a population-based study. Li, Mengmeng et al. The Lancet Diabetes & Endocrinology