Onconews - PSA e RNM podem reduzir sobrediagnóstico no rastreamento do câncer de próstata

Estudo populacional que envolveu  13.153 homens para avaliar a eficácia e segurança do uso do antígeno prostático específico (PSA) e ressonância nuclear magnética (RNM) no rastreamento do câncer de próstata mostrou que, em um seguimento mediano de 3,9 anos, omitir biópsia em pacientes com resultados negativos de RNM eliminou mais da metade dos diagnósticos de câncer de próstata sem significância clínica e foi associado um risco muito baixo de detecção de cânceres incuráveis ​​ ou de intervalo em rodadas de triagem repetidas. Flavio Mavignier Cárcano (foto), oncologista da Oncoclínicas em Minas Gerais, analisa os resulatdos.

Neste estudo populacional iniciado em 2015, homens de 50 a 60 anos de idade foram convidados para se submeter ao rastreamento do antígeno prostático específico (PSA). Homens com nível de PSA de 3 ng por mililitro ou mais foram submetidos à RNM da próstata. Os homens foram randomizados para o grupo de biópsia sistemática, no qual foram submetidos à biópsia sistemática e, se lesões suspeitas fossem encontradas na RNM, biópsia direcionada ou o grupo de biópsia direcionada por RNM, no qual foram submetidos apenas à biópsia direcionada por RNM. Em cada visita, os participantes foram convidados para um novo rastreamento 2, 4 ou 8 anos depois, dependendo do nível de PSA. O desfecho primário foi a detecção de câncer de próstata clinicamente insignificante (International Society of Urological Pathology [ISUP] grau 1); a detecção de câncer clinicamente significativo (ISUP grau ≥2) foi um desfecho secundário, e a detecção de câncer clinicamente avançado ou de alto risco (metastático ou ISUP grau 4 ou 5) também foi avaliada.

Após um acompanhamento mediano de 3,9 anos (aproximadamente 26.000 pessoas-ano em cada grupo), os autores descrevem que o câncer de próstata foi detectado em 185 dos 6.575 homens (2,8%) no grupo de biópsia direcionada por ressonância magnética e 298 dos 6.578 homens (4,5%) no grupo de biópsia sistemática. O risco relativo de detecção de câncer clinicamente insignificante no grupo de biópsia direcionada por ressonância magnética em comparação com o grupo de biópsia sistemática foi de 0,43 (intervalo de confiança [IC] de 95%, 0,32 a 0,57; P < 0,001) e foi menor em rodadas repetidas de triagem do que na primeira rodada (risco relativo, 0,25 vs. 0,49); o risco relativo de um diagnóstico de câncer de próstata clinicamente significativo foi de 0,84 (IC de 95%, 0,66 a 1,07).

A análise mostra que apenas cinco casos de câncer no grupo de biópsia direcionada por RNM e sete no grupo de biópsia sistemática foram de risco muito alto (grau 5 do ISUP) ou câncer metastático avançado detectado na nova triagem ou como um câncer de intervalo dos cinco casos de câncer de alto risco (grau 5 do ISUP) detectados no grupo de biópsia direcionada por RNM, quatro ocorreram em homens com um nível de PSA de menos de 3 ng por mililitro na visita de triagem anterior. “Esse achado levanta a questão se o limite de PSA de 3 ng por mililitro deve ser revisado, pois a maioria dos casos de câncer potencialmente incurável foi detectada em homens que receberam o diagnóstico na primeira rodada de triagem ou tiveram o câncer detectado em uma visita de triagem repetida após terem tido um nível de PSA de menos de 3 ng por mililitro”, destacam.

Ocorreram cinco eventos adversos graves que levaram à hospitalização (três no grupo de biópsia sistemática e dois no grupo de biópsia direcionada por ressonância magnética), quatro deles provavelmente relacionados à biópsia.

Em síntese, após um acompanhamento mediano de 3,9 anos, o risco de detecção de câncer de próstata sem significância clínica foi significativamente menor no grupo de biópsia direcionada por RNM do que no grupo de biópsia sistemática. No entanto, o risco de um diagnóstico de câncer clinicamente significativo não diferiu substancialmente entre os grupos. “Nossos dados indicam fortemente que a maioria dos cânceres de próstata se tornam visíveis na ressonância magnética antes de se tornarem incuráveis”, analisam os autores.

A íntegra do estudo está disponível em artigo de Hugosson et al. na New England Journal of Medicine.

O estudo em contexto
Por Flavio Mavignier Cárcano, oncologista do Cancer Center Oncoclínicas em Belo Horizonte e Nova Lima, especializado em tumores geniturinários

O rastreamento do câncer de próstata sempre foi um tema de debate e estudos anteriores conflitavam entre os benefícios ou não da prática do rastreamento. Embora possa ser argumentado que o rastreamento levaria a um diagnóstico precoce e consequente aumento nas taxas de cura, existe o argumento do “lead time bias” para uma doença com uma história natural longa em que é difícil provar o benefício real desta prática na sobrevida global dos pacientes. 

Adicionalmente, a prática do rastreamento pode levar a um “overtreatment”, muitas vezes de um paciente com uma doença biologicamente insignificante, de muito baixo risco, em que o mesmo não seria beneficiado ao submeter-se a tratamentos mórbidos como a prostatectomia radical ou a radioterapia.
 
Este estudo traz resultados muito interessantes e incluiu um número significativo de pacientes, sugerindo a possibilidade de incorporarmos novas tecnologias, como a ressonância, na tomada de decisão diagnóstica do câncer de próstata, sem que isso impacte na taxa de detecção do câncer de próstata com ISUP’s mais altos. Outro ponto relevante é a possibilidade de pouparmos muitos pacientes de biópsias desnecessárias.
 
Mais recentemente, outros estudos tem incorporado o PET-PSMA junto da ressonância e os resultados tem sido promissores na capacidade de detecção precoce do câncer de próstata, mostrando que novas tecnologias podem cada vez mais melhorar as taxas de detecção de canceres clinicamente significativos, assim como evitar diagnósticos sem impacto nos desfechos clínicos.
 
É importante salientar que, como em toda nova tecnologia, é necessário ter cautela na interpretação dos resultados e sua migração para a prática clínica, já que a qualidade dos aparelhos de ressonância podem diferir, interferindo na sua reprodutibilidade. Além disso, todo estudo carrega algum viés de seleção e ainda é preciso entender se encontraremos os mesmo resultados em populações brasileiras, por exemplo. Além disso, os custos de agregar novas tecnologias a uma prática de rastreamento, merece melhor estudo para cada realidade regional.
 
Entretanto, não há dúvidas que os exames de imagem são cada vez mais uma realidade na prática de rastreamento e diagnóstico precoce do câncer de próstata e poderão em breve selecionar melhor pacientes entre um diagnóstico de canceres mais agressivos que merecem tratamento, daqueles em que o overdiagnosis e overtreatment pode ser evitado.
Referência:

Results after Four Years of Screening for Prostate Cancer with PSA and MRI
Published September 25, 2024. N Engl J Med 2024;391:1083-1095
DOI: 10.1056/NEJMoa2406050