Onconews - Estudo analisa modelos de tomada de decisão e o respeito à autonomia de pacientes com câncer no fim da vida

Na assistência oncológica, os médicos respeitam a autonomia do paciente durante os cuidados de fim da vida? Estudo de Júlia Drummond de Camargo e Daniel Neves Forte (foto) avaliou o padrão de decisões médicas durante os cuidados de pacientes com câncer no fim da vida e mostra que modelos bastante heterogêneos embasaram a tomada de decisão na amostra avaliada, com apenas 38,0% baseados em uma abordagem de decisão compartilhada.

Nesta análise, os autores descrevem quatro modelos de relacionamento médico-paciente (compartilhado, paternalista, obstinado e consumista), assim como examinam desafios importantes que envolvem o processo de tomada de decisão nos cuidados de fim de vida.

“A obstinação terapêutica é mais extrema do que o paternalismo e é definida como o uso contínuo e persistente de medidas que sustentam a vida de pacientes com doenças avançadas, com manutenção prolongada de sistemas biológicos vitais e atraso da morte, apesar das preferências e valores dos pacientes”, descrevem. “Por outro lado, quando as decisões são delegadas aos pacientes e suas famílias, enquanto a equipe de saúde apenas oferece as opções, isso tem sido chamado de autonomia consumista”, prosseguem os autores, para quem esse modelo pode comprometer a assistência, privando pacientes e familiares da orientação profissional necessária para tomar decisões críticas no fim da vida.

Neste estudo transversal, o objetivo foi identificar se os provedores de cuidados de saúde respeitam a autonomia do paciente, investigando o padrão de decisões e suas características nos cuidados de fim de vida. Os pesquisadores utilizaram um questionário anônimo com casos clínicos hipotéticos e consideraram provedores de cuidados em um centro de oncologia. Os padrões de tomada de decisão foram pré-estabelecidos de acordo com o padrão de resposta.

Das 151 respostas obtidas, os padrões de decisão foram paternalistas em 38%, compartilhados em 38%, obstinados em 10,6% e consumistas em 13,2%. Dos provedores consumistas, 35% relataram nunca ter participado de uma aula de cuidados de fim de vida, enquanto 30% nunca haviam recebido treinamento em cuidados paliativos. Entre os provedores com padrão paternalista, 35,1% nunca haviam assistido a palestras sobre bioética. No grupo obstinado, 31,2% não tinham treinamento em cuidados paliativos.

Quando perguntados sobre como se viam em relação ao seu padrão de decisão, 100% dos obstinados, 95% dos consumistas e 89% dos que adotaram padrões paternalistas exibiram dissonância cognitiva. “No presente estudo, houve alta frequência de indivíduos com abordagens de tomada de decisão paternalista, obstinada e consumista sobre o tema, enquanto apenas 38,0% apresentaram uma abordagem de decisão compartilhada”,  analisam os autores.  No entanto, observam que a justificativa para respeitar a autonomia do paciente esteve presente em 75,0% das respostas, independentemente do perfil, e em 100,0% das respostas entre aqueles com perfil de decisão obstinada.

Em conclusão, foram observadas diferenças significativas entre as decisões e como os provedores avaliam suas próprias práticas. Esses achados demonstram que desafios

durante o cuidado no fim da vida vão além de evitar tratamento excessivo que pode causar sofrimento e custos desnecessários, mas pressupõem superar o modelo paternalista em que os clínicos agem unilateralmente ao tomar decisões em nome dos pacientes, assim como envolve treinamento em cuidados paliativos e bioética para valorizar a tomada de decisão compartilhada.

Júlia Drummond de Camargo é enfermeira paliativista do Hospital Samaritano, em São Paulo, e Daniel Neves Forte é médico do Instituto de Pesquisa e Ensino do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e médico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A íntegra do estudo está disponível em acesso aberto na Plos One.

Referência:

de Camargo JD, Forte DN (2024). Relationship between characteristics of health professionals and the respect for the autonomy of cancer patients at the end of life. PLoS ONE 19(11): e0313513. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0313513