Onconews - Estudo compara experiências de Brasil e Canadá no tratamento do câncer durante a pandemia de COVID-19

Erick Saldanha (foto) é o primeiro autor  de pesquisa que descreve a qualidade do tratamento do câncer no início da pandemia de COVID-19 em dois centros oncológicos,  em dois continentes: o Princess Margaret Cancer Center, no Canadá, e o A.C. Camargo Cancer Center, no Brasil, comparando os cuidados em pacientes com câncer de cólon, reto ou anal. Saldanha e colegas mostram que a fase inicial da pandemia de COVID-19 afetou a qualidade da assistência em ambos os centros, mas os resultados relatados no JCO Global Oncology revelam que a magnitude desse impacto foi maior no Brasil.

Um crescente corpo de evidências documenta a reorganização e as mudanças no tratamento do câncer durante a pandemia de COVID-19, que afetou o sistema de tratamento do câncer em todo o mundo, apresentando desafios sem precedentes para a prestação de cuidados oncológicos.  Neste estudo, o objetivo dos pesquisadores foi comparar o padrão de cuidados durante a fase inicial da pandemia com o mesmo período do ano anterior nas duas instituições. A base de análise considerou pacientes com câncer colorretal ou anal diagnosticados entre fevereiro e dezembro de 2019 e o mesmo período em 2020. As características sociodemográficas e clínicas, assim como indicadores individuais, foram avaliados usando o teste h de Cohen para medir as diferenças padronizadas entre os dois grupos.

Entre 925 pacientes, foram observados efeitos distintos do início da pandemia de COVID-19 nos dois serviços de oncologia. O AC Camargo Cancer Center experimentou redução de 50% nas consultas de pacientes (98 v 197) versus uma redução de 12,5% no Princess Margaret Cancer Center (294 v 336). Da mesma forma, o centro brasileiro experimentou uma proporção maior na apresentação de doenças em estágio IV (42,9% v 29,9%; P = 0,015) e um aumento no atraso do tratamento (61,9% v 9,7%; P < 0,001) em comparação com a pré-pandemia. No centro canadense, a análise mostra aumento de 10% na interrupção do tratamento (32,4% v 22,3%; P < 0,001) e uma maior taxa de descontinuação da radioterapia (9,4% v 1,1%; P < 0,001) durante a pandemia de Covid-19. O estudo também revela que as taxas de readmissão pós-cirúrgica aumentaram tanto no AC Camargo (20,9% v 2,6%; P < 0,001) quanto no Princess Margaret (10,5% v 3,6%; P < 0,01).

Para os autores, algumas das diferenças observadas no atendimento podem refletir práticas institucionais pré-pandêmicas, como o uso de regimes de agente único. No entanto, diferenças na dinâmica da fase inicial da pandemia de COVID-19 e a implementação heterogênea de medidas de saúde pública para mitigar a disseminação do vírus no Brasil versus Canadá podem explicar as maiores interrupções observadas na coorte brasileira.

Em conclusão, Saldanha e colegas mostram que a fase inicial da pandemia de COVID-19 afetou a qualidade da prestação de cuidados para cânceres colorretais e anais em ambos os centros. No entanto, a magnitude desse impacto foi maior no Brasil. A íntegra do estudo está disponível no JCO Global Oncology. “Quantificar o nível de interrupção no tratamento do câncer durante a COVID-19 em países com diferentes respostas à pandemia é fundamental para ajudar os formuladores de políticas a se prepararem e responderem melhor às crises atuais e futuras, aumentando, em última análise, a resiliência a futuros surtos de doenças”, analisam os autores.

Ao lado de Erick F. Saldanha, o trabalho conta com participação de Melanie Powis, Divya Sharma, Osvaldo Espin-Garcia, Saidah Hack, Felicia Cavalher, Maria Rita Costa, Maria Simoes, Huaqi Li, Abed Baiad, Kevin Chen, Zuhul Mohmand, Peter Nakhla, Samuel Aguiar Jr, Rachel Riechelmann e Monika K. Krzyzanowska.

Referência:

Erick F. Saldanha et al., Impact of the Early Phase of the COVID-19 Pandemic on the Quality of Care for Colorectal and Anal Cancers at Comprehensive Cancer Centers on Two Continents. JCO Glob Oncol 10, e2400037(2024). DOI:10.1200/GO.24.00037