A detecção de biomarcadores em pacientes com câncer de pulmão é amplamente afetada pela coleta e processamento de bioespécimes, limitando as estratégias de medicina personalizada. O alerta é de Rodrigo Dienstmann (foto) e colegas, em estudo que avaliou a eficiência de um programa de diagnóstico molecular em uma coorte brasileira de pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) com histologia não escamosa. Os resultados mostram que um terço dos pacientes não foram elegíveis para painéis amplos de sequenciamento de próxima geração (NGS).
Diretrizes de consenso internacionais recomendam a realização de NGS como parte da avaliação de rotina em pacientes com adenocarcinomas pulmonares avançados recém-diagnosticados. O sucesso da oncologia de precisão no CPCNP avançado não escamoso depende de avaliação molecular adequada para identificar alterações genômicas que orientem decisões terapêuticas e melhorem os resultados dos pacientes. Mas afinal, qual é a prevalência de drivers de adenocarcinoma de pulmão detectados usando painéis amplos de sequenciamento de DNA e RNA em pacientes do Brasil?
Neste estudo, Dienstmann et al. consideraram todas as amostras de câncer de pulmão não escamoso elegíveis para o programa de suporte ao paciente “Lung Mapping Consortium”, da Oncoclínicas & Co, obtidas de 2021 a 2023, refletindo os primeiros 2 anos de experiência do programa. As amostras foram avaliadas usando o painel FT (imuno-histoquímica para PD-L1 e cinase de linfoma anaplásico [ALK], reação em cadeia da polimerase para EGFR e BRAF e hibridização in situ de fluorescência para ROS1), além de um painel amplo de sequenciamento de DNA e RNA de 180 genes (painel ARCHER personalizado).
A análise descreve que das 1.272 amostras recebidas pelo laboratório, 3% não tinham tecido para nenhum teste molecular, 20% não foram elegíveis para o painel amplo NGS conforme avaliação do patologista (pureza e quantidade do tumor), 12% adicionais não atingiram os limites analíticos de pré-sequenciamento (quantidade e/ou qualidade de ácido nucleico) e 3% tiveram falha pós-sequenciamento.
Os resultados foram relatados no JCO Global Oncology e revelam que as alterações mais frequentes foram mutações KRAS (28,4%, KRASG12C 9,7%), mutações EGFR (23,6%, inserções do exon 20 2,9%), fusões ALK (6,4%), salto do exon 14 MET (4,4%), mutações ERBB2 (3,4%), fusões ROS1 (3,1%) e BRAFV600E (1,9%). Em 35% das amostras, os testes FT não-NGS foram os únicos diagnósticos moleculares: mutações EGFR (14%), fusões ALK (4,4%), fusões ROS1 (1,8%) e BRAFV600E (0,7%). No geral, alta expressão PD-L1 (≥50%) foi encontrada em 12,3%.
“Este estudo fornece dados sobre a epidemiologia molecular do adenocarcinoma de pulmão no Brasil, confirmando alta prevalência de mutações EGFR, fusões ALK e alteração de salto do exon 14 do MET. A detecção de biomarcadores é amplamente afetada pela coleta e processamento de bioespécimes, com um terço dos pacientes elegíveis apenas para testes não-NGS, o que apresenta cobertura e sensibilidade reduzidas para drivers acionáveis”, concluem os autores.
O câncer de pulmão de células não pequenas é a principal causa de morte por câncer no mundo. Terapias-alvo são consideradas para o tratamento de pacientes com CPCNP não escamoso avançado com mutações EGFR, KRASG12C, BRAFV600E, MET exon14 skipping e ERBB2, bem como fusões ALK, ROS1, NTRK1-3 e RET.
Além de Rodrigo Dienstmann, que assina como primeiro autor, este estudo tem a participação de Leonard M. da Silva, Amanda Muniz Rodrigues, Fernanda Christtanini Koyama, Layla Testa Galindo, Pedro de Marchi, Breno Jeha Araújo, Bruno Lemos Ferrari, Clarissa Mathias, Chesley Leslin e Carlos Gil Ferreira.
A íntegra do estudo está em acesso aberto no JCO Global Oncology.
Referência:
Rodrigo Dienstmann et al., Real-World Study on Implementation of Genomic Tests for Advanced Lung Adenocarcinoma in Brazil. JCO Glob Oncol 10, e2400354(2024). DOI:10.1200/GO-24-00354