Com base no baixo risco de recorrência local em pacientes idosas com câncer de mama após cirurgia conservadora seguida de irradiação total da mama (WBI), o Grupo Dinamarquês de Câncer de Mama iniciou o estudo de não-inferioridade avaliando a irradiação parcial de mama com feixe externo (PBI). Os resultados reportados no Journal of Clinical Oncology por Offersen et al. mostram que PBI de feixe externo não foi inferior a WBI em termos de endurecimento mamário para pacientes com câncer de mama de baixo risco. A médica especialista em radioterapia Ligia Casão Arteaga (foto) comenta os resultados.
Neste estudo, os pesquisadores inscreveram pacientes com câncer de mama de risco relativamente baixo submetidas à cirurgia conservadora de mama, randomizadas para WBI versus PBI, todas para frações de 40 Gy/15. O endpoint primário foi o endurecimento mamário grau 2-3 em 3 anos.
No total, 865 pacientes avaliáveis (434 WBI e 431 PBI) foram inscritos entre 2009 e 2016. A mediana de acompanhamento foi de 5,0 anos (morbidade) e de 7,6 anos (recidiva locorregional). A taxa de endurecimento em 3 anos de foi de 9,7% para WBI e de 5,1% para PBI, P = 0,014. O grande volume mamário foi significativamente associado ao endurecimento, com incidência em 3 anos de 13% (WBI) e 6% (PBI) para pacientes com mamas grandes versus 6% (WBI) e 5% (PBI) para pacientes com mamas pequenas. O PBI não mostrou risco aumentado de despigmentação, telangiectasia, edema ou dor, e a satisfação do paciente foi alta. Letrozol e tabagismo não aumentaram o risco de morbidade associada à radiação.
Um total de 16 pacientes tiveram recorrência locorregional (seis WBI e 10 PBI), P = 0,28, 20 pacientes tiveram câncer de mama contralateral e oito pacientes tiveram falha distante (cinco WBI e três PBI). Um segundo câncer não mamário foi detectado em 73 pacientes (8,4%) e não houve diferença entre os grupos.
“PBI de feixe externo para pacientes com câncer de mama de baixo risco não foi inferior a WBI em termos de endurecimento mamário. O tamanho grande da mama foi um fator de risco para o endurecimento associado à radiação. Poucas recorrências foram detectadas e não relacionadas a PBI”, concluem os autores.
Em síntese, o estudo dinamarquês sugere que o tratamento adjuvante com irradiação parcial da mama com feixe externo moderadamente hipofracionada (PBI) é segura para pacientes com baixo risco de recorrência (idade mínima de 60 anos) submetidas à cirurgia de conservação da mama para câncer de mama inicial com linfonodo negativo.
Os resultados estão de acordo com outros ensaios PBI de feixe externo. PBI de feixe externo moderadamente hipofracionado é recomendado como terapia adjuvante padrão para pacientes selecionados com câncer de mama inicial.
Resultados são promissores, mas é necessário seguimento mais longo
Por Ligia Casão Arteaga, médica especialista em radioterapia do HCor e do ICESP
O estudo publicado pelo grupo dinamarquês é um trial randomizado, fase III, que incluiu pacientes criteriosamente de baixo risco para recorrência local, >60 anos, tumor <20mm, unilateral, unifocal, margens livres >2mm ( se carcinoma invasivo ou in situ), grau I ou II, receptor de estrogênio e/ou progesterona positivos, Her-2 negativo, N0, histologia não lobular, com objetivo de avaliar se a PBI poderia ser empregado nessa população muito bem selecionada sem agregar mais toxicidade tardia, quando comparado a WBI.
Os pacientes alocados para o braço do PBI deveriam ter de 4-6 clipes inseridos no leito cirúrgico para auxílio da definição do alvo e eram excluídos se o leito tumoral não fosse bem definido devido à oncoplastia ou clipes não visualizados. Detalhe do estudo muito bem desenhado.
A PBI pode ser realizada com diferentes técnicas, como braquiterapia seja ela de baixa taxa de dose (LDR), dose pulsada ou alta taxa dose (HDR) ou com radioterapia externa (EBRT) com diversos fracionamentos, como o acelerado ou hipofracionado. Diante dessas diversas técnicas os dados de toxicidade com PBI também são variáveis. A escolha do autor ao selecionar a EBRT com o hipofracionamento (40Gy/15) já conhecido, nos permitiu compreender melhor a toxicidade relacionada exclusivamente a esta técnica. A PBI não demonstrou ter aumento de endurecimento em 3 anos quando comparado ao WBI, atingindo a significância estatística para não-inferioridade.
Questiona-se se fatores, como mama grande, uso de letrozol e tabagismo podem estar relacionados ao endurecimento da mama. Diante disso, o autor analisou os pacientes separadamente e concluiu que, os pacientes com mamas grandes apresentaram maior risco de endurecimento, porém quando utilizado PBI o risco foi praticamente reduzido pela metade. Esse dado é consistente com o DBCG HYPO trial, estudo publicado pelo mesmo grupo em 2020. O risco de endurecimento mamário se utilizado letrozol ou paciente tabagista também reduziu quando utilizado PBI.
No curto intervalo de tempo analisado não houve diferença em controle local quando comparado as diferentes técnicas. Porém esse intervalo é insuficiente para conclusão de não inferioridade para este objetivo, em especial para as características das pacientes analisadas.
A PBI de mama utilizando a técnica de EBRT com hipofracionamento moderado (40Gy/15) e a definição do alvo conforme o protocolo do estudo não se apresentou ser mais tóxica e aparenta ser uma possibilidade atrativa em especial para pacientes com mamas volumosas. Porém ainda necessitamos de um seguimento mais longo para podermos recomendar como tratamento padrão, mesmo para pacientes selecionados.
Referência: Offersen BV, Alsner J, Nielsen HM, Jakobsen EH, Nielsen MH, Stenbygaard L, Pedersen AN, Thomsen MS, Yates E, Berg M, Lorenzen EL, Jensen I, Josipovic M, Jensen MB, Overgaard J; Danish Breast Cancer Group Radiotherapy Committee. Partial Breast Irradiation Versus Whole Breast Irradiation for Early Breast Cancer Patients in a Randomized Phase III Trial: The Danish Breast Cancer Group Partial Breast Irradiation Trial. J Clin Oncol. 2022 Aug 5:JCO2200451. doi: 10.1200/JCO.22.00451. Epub ahead of print. PMID: 35930754.