Alan Roger dos Santos Silva (foto), da UNICAMP, é o autor correspondente e responsável pela pesquisa publicada no periódico Medicina Oral Patologia Oral y Cirugia Bucal, em análise que evidencia a necessidade urgente de aprimorar as habilidades diagnósticas de estudantes de graduação em odontologia no Brasil, assim como a educação continuada dos dentistas em atividade, para enfrentar os desafios do câncer oral no país e fortalecer a prevenção.
Os autores contextualizam o panorama epidemiológico do câncer oral (CO), hoje classificado como o oitavo câncer mais comum na população brasileira, o quinto mais incidente entre os homens. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Brasil deve diagnosticar 15.100 novos pacientes de CO para cada ano do triênio 2023-2025. O diagnóstico tardio do câncer oral persiste como importante problema de saúde pública, apesar do Brasil registrar o maior número de dentistas globalmente.
Neste estudo, os pesquisadores buscaram analisar um cenário paradoxal, marcado por uma força de trabalho odontológica massiva, em um território caracterizado por altas taxas de mortalidade por CO. O contexto levanta dúvidas sobre o potencial de cada profissional para identificar, diagnosticar e fornecer tratamento adequado e rápido para pacientes com câncer oral e lesões orais potencialmente malignas (OPMD, na sigla em inglês). Através de uma análise exploratória, o estudo estimou o número de pacientes com CO e OPMD que potencialmente cruzarão a trajetória profissional dos dentistas brasileiros ao longo de uma carreira de 35 anos.
Um modelo matemático foi empregado tanto para estimar os pacientes com lesões orais potencialmente malignas que procurariam atendimento odontológico, quanto para estimar pacientes com câncer oral que procurariam assistência odontológica. “Assumimos que todos os pacientes com CO no Brasil procurariam consulta odontológica pelo menos uma vez durante a história natural da doença, pois as estatísticas do INCA dependem de casos de câncer oral confirmados histopatologicamente, e a maioria desses diagnósticos foi definida por dentistas”, descrevem os autores.
Os resultados da análise revelam que, em alguns estados brasileiros e capitais, os dentistas têm mais probabilidade de diagnosticar pacientes com CO e OPMD, como no Ceará, Sergipe, Maranhão, Fortaleza, Rio Branco e Porto Velho. Silva e colegas mostram que os dentistas generalistas brasileiros podem enfrentar mais de dois casos de CO e 600 OPMD ao longo de suas carreiras. “Os patologistas orais e maxilofaciais brasileiros, bem como os estomatologistas (medicina oral) são os especialistas com maior possibilidade de diagnosticar CO e OPMD em todo o país”, sublinham.
Em conclusão, o estudo mostra que há uma necessidade urgente de investimentos para aprimorar o treinamento técnico e as habilidades de diagnóstico de estudantes de graduação em odontologia, assim como evidencia espaço para a educação profissional continuada de dentistas em atividade no Brasil.
“Existem oportunidades sólidas para a oferta de informações fundamentais aos pacientes sobre educação em saúde, fatores de risco associados, progressão da doença, tratamento e educação sobre os primeiros sinais e sintomas de CO e na triagem de OPMDs durante exames orais de rotina”, observam os autores.
Hoje, aproximadamente 48% da população brasileira busca rotineiramente consultas odontológicas, um comportamento que está intimamente ligado à detecção precoce de CO e OPMD. “Com uma prevalência estimada de 3,93% para OPMD na população brasileira, fica evidente que o Brasil encontra um número substancial de pacientes com OPMD, principalmente por sua grande população, mas também porque a população está exposta a desigualdades sociais, baixos níveis de alfabetização em saúde e uso de tabaco e álcool”, ressalta o estudo, destacando o papel fundamental que os dentistas brasileiros podem desempenhar, não apenas no diagnóstico de câncer oral, mas também no tratamento das lesões orais potencialmente malignas.
Ao lado de Alan Roger dos Santos Silva, o trabalho tem participação de João Paulo Gonçalves de Paiva (UNICAMP), como primeiro autor, e como coautores soma a contribuição dos pesquisadores Jacks Jorge (Unicamp), Erison Santana, Arn Migowski (INCA), Daniel Cohen-Goldemberg, Luiz Paulo Kowalski (AC Camargo Cancer Center), Thaís Bianca Brandão (ICESP), Ana Carolina Prado Ribeiro (ICESP), Marcio Ajudarte Lopes, Pablo Agustin Vargas (UNICAMP) e Alan Roger Santos-Silva (UNICAMP), além de Saman Warnakulasuriya (King's College London).
Referência:
Paiva JP, Jorge J, Santos ES, Migowski A, Cohen-Goldemberg D, Kowalski LP, Brandão TB, Ribeiro AC, Lopes MA, Vargas PA, Silva EA, Warnakulasuriya S. Estimating the burden of care for oral potentially malignant disorders and oral cancer in Brazilian dental practice. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2024 Aug 18:26701. doi: 10.4317/medoral.26701. Epub ahead of print. PMID: 39154252.