Estudo de Li et al. fornece o primeiro mapeamento imune de pacientes com hepatocarcinoma associado a esteatose hepática não alcoólica (HCC-EHNA), com achados que indicam um alvo potencialmente acionável nessa população de pacientes. “Nosso trabalho oferece pela primeira vez um roteiro que integra informações espaciais, fenotípicas e funcionais do microambiente imune do HCC-EHNA e destaca mecanismos potenciais que causam o fracasso da terapia com inibidores de checkpoint imune nesses pacientes”. O oncologista Duílio Reis da Rocha Filho (foto) comenta os resultados.
Neste estudo pioneiro, os autores lembram que o hepatocarcinoma (HCC) é uma das principais causas de mortes relacionadas ao câncer em todo o mundo. As infecções hepáticas crônicas associadas à hepatite viral B ou C são os principais fatores de risco para HCC, mas a esteatose hepática não alcoólica cresce como importante fator de risco para hepatocarcinoma.
Com um microambiente tumoral muito diferente comparado ao HCC associado a vírus, o HCC resultante da EHNA apresenta respostas terapêuticas divergentes ao bloqueio do checkpoint imune (ICB). Em contraste com os subtipos de HCC associados a vírus, a terapia com ICB está paradoxalmente associada a efeitos prejudiciais e baixa sobrevida em pacientes com HCC resultante de esteatose hepática não alcoólica.” Portanto, há uma necessidade não atendida de compreender o microambiente imunológico tumoral único do HCC-EHNA”, ressaltam os autores.
Os pesquisadores aplicaram a citometria de massa de imagem para construir um atlas unicelular a partir de tecido fixado em formalina e embebido em parafina de pacientes com HCC-EHNA e HCC viral (B ou C), comparados a doadores saudáveis. “Com base em 35 biomarcadores, mais de 750.000 células individuais foram categorizadas em 13 tipos celulares distintos, juntamente com a expressão dos principais marcadores imunofuncionais”, descreve a análise.
Os resultados mostram que houve maior infiltração de células T, células supressoras derivadas de mieloides (MDSCs) e macrófagos associados a tumores (TAMs) no HCC em comparação aos controles. A distribuição de células imunes no HCC-EHNA foi espacialmente heterogênea, enriquecida em tecidos normais adjacentes, mas com declínio em direção aos tumores. A análise das conexões célula-célula revelou a interação de MDSCs e TAMs com células T CD8+ no HCC-EHNA. Em particular, células T CD8+ de morte celular programada 1 (PD-1+) conectadas com MDSCs e TAMs de ligante de morte celular programada 1 (PD-L1+) /coestimulador de células T induzíveis (ICOS+) foram observadas no HCC-EHNA, mas não no HCC decorrente de vírus. Em contraste, as células T CD4+/CD8+ com positividade para granzima B aparecem reduzidas no HCC-EHNA. As células tumorais expressaram baixo PD-L1 e mostraram poucas conexões com células do sistema imunológico.
“Nosso trabalho fornece o primeiro mapa espacial detalhado de fenótipos unicelulares e conexões multicelulares no hepatocarcinoma resultante de esteatose hepática não alcoólica. Demonstramos que as interações entre MDSCs e TAMs com células T efetoras estão subjacentes à imunossupressão no HCC-EHNA e são um alvo acionável”, concluem os autores.
O estudo em contexto
Por Duílio Reis da Rocha Filho, chefe da Unidade de Oncologia do Hospital Universitário Walter Cantídio (UFC-CE)
Regimes baseados em imunoterapia são o tratamento preferencial para pacientes com carcinoma hepatocelular (CHC) não passível de terapia local. Todavia, o CHC é uma doença heterogênea. Diversas evidências indicam que o CHC associado a esteatose hepática não alcoólica (NASH) têm sensibilidade menor à imunoterapia, quando comparado com o CHC de origem viral. A incidência crescente da NASH torna fundamental a compreensão deste fenômeno.
A publicação de Li et al traz uma nova luz sobre o complexo microambiente tumoral (TME) do CHC. Ao associar informações espaciais, fenotípicas e funcionais, os autores assinalam potenciais mecanismos de resistência à imunoterapia do CHC associado à NASH, incluindo o papel de MSDCs e TAMs na promoção da exaustão de células T.
Em conjunto, os dados apontam para a exploração de células como MDSCs e TAMs como potenciais alvos terapêuticos no CHC associado a NASH, com a intenção de maximizar a sensibilidade à imunoterapia. É um campo de estudo que pode trazer avanços ao manejo da doença no futuro.
Referência: Hepatology 79(3):p 560-574, March 2024. | DOI: 10.1097/HEP.0000000000000591