Artigo de Aronson et al. no Lancet Oncology apresenta resultados finais de sobrevida após 10 anos de acompanhamento do ensaio de fase 3 (OVHIPEC-1) e confirma a melhora significativa na sobrevida livre de progressão e global com a adição de HIPEC à cirurgia citorredutora de intervalo em pacientes com câncer de ovário FIGO estágio III. O oncologista Eduardo Paulino (foto) comenta os resultados.
Dados nicialmente reportados com 4,7 anos de acompanhamento mostraram que a adição de quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (HIPEC) à cirurgia citorredutora de intervalo resultou em melhora da sobrevida livre de progressão e sobrevida global em comparação com a cirurgia citorredutora isoladamente sem diferença de eventos adversos severos.
Neste ensaio clínico de fase 3, aberto, randomizado e controlado, pacientes com câncer de ovário epitelial em estágio III foram recrutadas em oito centros na Holanda e na Bélgica. Foram elegíveis pacientes entre 18 e 76 anos de idade, sem progressão a pelo menos três ciclos de carboplatina e paclitaxel neodjuvante, com status de desempenho da OMS de 0 a 2, índices hematimétricos normais e função renal adequada.
As pacientes foram randomizadas (1:1) para cirurgia citorredutora de intervalo sem HIPEC (grupo cirurgia) ou com HIPEC (cisplatina 100 mg/m2; grupo cirurgia mais HIPEC). A randomização foi estratificada por instituição, cirurgia citorredutora anterior subótima e número de regiões abdominais envolvidas. O endpoint primário foi a sobrevida livre de progressão e o endpoint secundário foi a sobrevida global, analisada na população com intenção de tratar (ou seja, todos os pacientes randomizados).
Entre 1º de abril de 2007 e 30 de abril de 2016, foram inscritas 245 pacientes, acompanhadas por uma mediana de 10,1 anos (IC 95% 8,4–12,9) no grupo de cirurgia (n=123) e 10,4 anos (IC 95% 9,5–13,3) no grupo cirurgia mais HIPEC (n=122). Os autores descrevem que a recorrência, progressão ou morte ocorreram em 114 (93%) pacientes no grupo de cirurgia (sobrevida livre de progressão mediana de 10,7 meses [IC 95% 9,6–12,0]) e 109 (89%) pacientes no grupo de cirurgia mais HIPEC (14,3 meses [12,0–18,5]; razão de risco [HR] 0,63 [IC 95% 0,48–0,83], log-rank estratificado p=0· 0008). A morte ocorreu em 108 (88%) pacientes no grupo de cirurgia (sobrevida global mediana de 33,3 meses [IC 95% 29,0–39,1]) e 100 (82%) pacientes no grupo de cirurgia mais HIPEC (44,9 meses [IC 95% 38,6–55,1]; HR 0,70 [IC 95% 0,53–0,92], log-rank estratificado p=0,011).
“Esses resultados atualizados de sobrevida confirmam o benefício de sobrevida a longo prazo do HIPEC em pacientes com câncer epitelial de ovário primário em estágio III submetidas à cirurgia citorredutora de intervalo”, concluem os autores.
Em síntese, esta análise atualizada de 10 anos de sobrevida do ensaio OVHIPEC-1 confirma a melhora significativa na sobrevida livre de progressão e global com a adição de HIPEC à cirurgia citorredutora de intervalo em pacientes com câncer de ovário FIGO estágio III com doença extensa para as quais a citorredução primária completa não é viável.
Com um acompanhamento médio de 10,1 anos na população geral, Aronson e colegas destacam que este é o primeiro estudo a fornecer dados de sobrevida a longo prazo de um ensaio randomizado de HIPEC em câncer de ovário primário. Os benefícios de sobrevida foram consistentes em subgrupos de pacientes pré-especificadas e post-hoc, embora em uma análise exploratória post-hoc, pacientes com tumores deficientes em recombinação homóloga sem mutação patogênica BRCA1/2 parecessem obter o maior benefício do HIPEC em oposição a pacientes com tumores sem mutação BRCA1 /2.
Os resultados de longo prazo confirmam que a adição do HIPEC à cirurgia citorredutora de intervalo em pacientes com prognóstico desfavorável (isto é, pacientes inelegíveis para cirurgia primária) prolongou o controle da doença, como demonstrado pela divergência precoce das curvas de sobrevida livre de progressão, mas não resultou em melhores taxas de cura, como mostrado pela convergência das curvas no seguimento de longo prazo. Os autores também destacam que o atraso na recorrência da doença se reflete ainda na diferença de doença resistente à platina entre os grupos de tratamento, que foi menor no grupo cirurgia mais HIPEC (40% vs 26%, p=0,024). “Acredita-se que a combinação do atraso na recorrência da doença, resultando em maior sensibilidade à platina e a menor taxa de recorrência peritoneal, tenham levado à melhora da sobrevida global encontrada neste estudo”, analisam.
Para Eduardo Paulino, onclogista do Instituto Nacional do Câncer (INCA), os dados de longo prazo corroboram os dados iniciais, com melhora da sobrevida livre de progressão e global com utilização da HIPEC. "Nesta atualização, os autores trazem informações relevantes sobre o perfil de tratamento subsequente, o que poderia ter beneficiado um dos braços se houvesse imbalanço. No entanto, não houve diferença no número e tipo de tratamento subsequente", aponta Paulino."Apesar dos resultados positivos, a utilização de HIPEC ainda não é unanimidade entre os dois principais consensos, conforme diferentes posições vistas no NCCN e guideline da ESMO", destaca.
Este estudo está registrado na ClinicalTrials.gov: NCT00426257.
Referência: Cytoreductive surgery with or without hyperthermic intraperitoneal chemotherapy in patients with advanced ovarian cancer (OVHIPEC-1): final survival analysis of a randomised, controlled, phase 3 trial - S Lot Aronson, MD; Marta Lopez-Yurda, PhD; Simone N Koole, MD PhD; Prof Jules H Schagen van Leeuwen, MD PhD; Hendrik W R Schreuder, MD PhD; Ralph H M Hermans, MD PhD et al. Published: September 11, 2023. DOI: https://doi.org/10.1016/S1470-2045(23)00396-0